Tempos de Lúcidos

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− No que você está pensando?

− Na totalidade do ser humano. Em como toda ação gera uma consequência árdua para muitos e como tudo isso pode vir a ser um motivo para que eu tome alguma decisão. Ficar parado é um medo iminente.

− Cara, sobre o que você tá falando? − De testa franzida, meu amigo me chamava de louco silenciosamente.

− Nada, esquece. − Um breve e tristonho sorriso em minha expressão fez com que meu amigo deixasse a testa voltar a ser lisa.

​A estática do rádio tornou a situação ainda mais crítica. O céu era negro e ventava muito lá fora. A notícia era transmitida de maneira repetitiva, mas ninguém deixava a estação AM, única que pegava nessas situações em que a cidade costeira se encontrava. Uma espécie de tempestade extratropical estava se aproximando, formada havia poucas horas, do nada. O tempo tinha estado seco e quente, sem nenhuma brisa marinha havia dias. A cidade, que nunca enfrentara um dilúvio assim como o prometido, era esvaziada às pressas. Mas a precariedade das vias de fuga formava o caos que os habitantes e turistas eram obrigados a enfrentar.

O posto de gasolina estava lotado, haviam filas e também eram distribuídos alguns kits necessários para a sobrevivência.

− Onde eles arranjaram essas coisas tão rápido? − Girei o kit em minhas mãos.

− Eles já estavam preparados. Só avisaram de última hora. Somos os últimos a sair e a chuva já começou.

A atendente deu o último kit e sumiu para dentro do estabelecimento. Ela era realmente bonita.

− Será que ela tem saída? − Disse em devaneio ao amigo do volante, com a cabeça virada em direção à porta.

− Duvido muito, somos o último carro. − Repetiu, sem ânimo, o motorista.

− Hey, quer carona? − Gritei o mais alto possível por cima do barulho que a chuva fazia. Ela voltava de dentro com uma pequena bolsa, havia entendido o que eu dissera, mas olhara uma última vez ao redor, procurando outra opção ou uma outra pessoa. No fim, ela estava agradecendo do banco traseiro pela ajuda. Meu amigo acelerou para enfrentar a tragédia de carros enclausurados e em pânico. O rádio pifara. Mau sinal.

Não me lembro de ter puxado assunto com ela ou se fiquei batendo tempo demais no transmissor, à procura de outra forma de comunicação. Quando me dei conta, a chuva era tão intensa, e estávamos parados naquele congestionamento havia tanto tempo, que decidimos sair do carro e nos juntar à casa de esquina a fim de comer alguma coisa. Sim, havia algumas pessoas na casa tendo suas últimas refeições, o que compartilharam conosco sem demais problemas.

Aparentemente, por algum motivo desconhecido, eles não tinham como fugir da tempestade e ficaram ali na espera. Não sei onde, mas perdemos a moça do posto. Lembro-me de ela ter dito que se chamava Denise. "Me chamo Denise, e vocês?". Com toda aquela cordialidade de uma pessoa que acaba de tomar carona pra se salvar do fim do mundo, do dilúvio que colocaria a cidade pra fazer companhia à Atlântida.

A grande questão é que, quando me dei conta de que a perdemos, fiquei realmente triste. Meu amigo estava ocupado, medindo nos calcanhares onde a enchente que tomava as casas iria parar. Por fim, retornamos ao carro mal estacionado, longe da guia que era o mais novo riacho de fortes correntezas da cidade, e tomamos um atalho no meio da mata. Os caras da casa de esquina haviam nos ensinado o caminho.

− Pelo menos isso. Ah, essas arvores vão nos matar. − Elas balançavam com o forte vento e chuva que as açoitavam.

Estávamos por nos perder no meio de uma trilha mal feita que pretendia alcançar o céu ainda naquele dia. Mas, antes que toda a floresta desabasse sobre o capô do carro com as fortes rajadas de vento, acertamos em cheio a rodovia. Tínhamos só o velho jipe do meu amigo para andar nessas condições.

Continuamos mais uns quilômetros pela estrada até a chuva cessar. Por fim, paramos num posto de gasolina para encher o tanque. Denise veio perguntar qual tipo de combustível desejávamos.

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⏰ Última atualização: Oct 09, 2020 ⏰

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À frente da tempestade - crônicas reunidasOnde histórias criam vida. Descubra agora