1. Incógnita

29 3 3
                                    


— Mas você é diferente.

— E você também é diferente, Mags, e nem por isso fico enchendo a paciência com esse lance toda hora como se você fosse uma espécie de raça superiora — disse, tentando esconder a minha raiva sem muito sucesso.

— Mas eu sou. — Disse Mags, soando irônica e com a expressão de quem está adorando dar uma de superiora.

— E por que você acha isso? — Não sei o porquê de estar continuando o assunto, já tinha conversado com Mags algumas vezes e isso me causava forte dores de cabeça e até náuseas. Mas não podia suportar o fato de estar certo.

— Porque 1) meu sangue não é vermelho, graças a deus, e eu consig...

— Você é inacreditável! Sabe que não é verdade mas parece que prefere acreditar nisso do que... — Disse, não me importando com o tom de voz ou a forma como meus braços se mexiam.

— Do que o quê, Miles? Você acha que o Jordan acredita realmente que os vermelhos são uma espécie que foram expulsos de uma outra dimensão ou sei lá como você chama... espectro? E que o meu povo fica indo lá para matar e tocar o terror para que o seu povo não ascenda em toda a sua tal "glória"? Não existe Sangria, Miles.... pelos céus.

— Mas Magna, você precisa acred.... — Eu disse, já perdendo a força quando uma pontada de dor faz minha cabeça cair pra frente. Situação preocupante pra mim, mas pelo visto não pra Mags que continuou a retrucar, tornando a discussão ainda mais insuportável.

— Os Vermelhos eram uma lenda pra mim até eu ver o seu corte na mão e ver o sangue vermelho... — Ela deu uma pausa, como se estivesse considerando e escolhendo as palavras certas para utilizar. — Mas prefiro acreditar que você ainda tem uma doença rara que te inibe de ser um de nós, assim como o Dr. Leo disse.

— Magna, você viu que o sangue é real, nunca teve um histórico dessa doença... Você não acha que todo o resto pode ser verdade também? Os meus sonhos são tão reais, que parece lembranças e eu não tenho um passado de fato, tenho? Você sabe que acordei aqui sem lembrar de nada e tudo o que me disseram foram que os meus pais morreram há muito tempo num surto de uma gripe forte, sei lá, mas sinto que isso não é verdade e meus sonhos me contam outra história e... — Quando dei por mim, já estava histérico. Já me esquecendo da dor e das pontadas. Meus dedos tremiam e meu corpo automaticamente sentiu um frio e uma sensação de vulnerabilidade aterrorizante, fazendo com que meus braços e pernas se juntassem numa posição semi fetal.

— Ah, Miles... O que será de ti quando eu deixar o Centro de Tratamento Mentes Puras amanhã? — A voz de Mags era quase calorosa, como a voz de uma mãe conversando com seu filho durante a noite depois de um pesadelo.

— Mas você viu também, não viu, Mags? Por isso que veio parar aqui. — O terror nas minhas palavras era maior do que eu esperava, o medo era pulsante no meu coração e corria pelas minhas veias como se numa corrida... era como se meu coração estivesse batendo dentro dos meus ouvidos. Meu corpo inteiro parecia ter esquecido o funcionamento dos poros e eles jorravam água, molhando meus cabelos e fazendo com que caíssem sobre meus olhos. O aparelho que ficava grudado no meu pulso começou a apitar e a esquentar. Doses de endorfina e uma espécie de sedativo estavam sendo injetados em minhas veias através de microagulhas para neutralizar a adrenalina, o incômodo não era nada comparado ao que estava sentindo. Sabia que ia adormecer rápido e quando acordasse ela não estaria ali, então foquei meus olhos nela na esperança de gravar cada traço do seu rosto. Foi só aí que percebi que seus olhos estavam coberto de lágrimas e ela acariciava meus cabelos, num gesto bem maternal.

— Ah, Miles, você não vai abrir mão disso, vai? Pra sair daqui você precisa abrir mão... Eu fui curada das minhas visões, mas elas eram apenas visões Miles. Você precisa aceitar o tratamento, se não...

Não pude ouvir o que aconteceria se não continuasse o tratamento. Gostaria de ter caído na escuridão profunda do sono profundo, mas como sempre a escuridão foi uma porta para a minha maior prisão e fonte de pavor: Os sonhos. E, naquela noite, eu sonhei.

Vi uma vila queimada por minha causa, me vi correndo fugindo da morte com cãibras nas pernas e dor nas costelas... vi a Sangria e nada depois disso.

Acordei no próximo dia — ou era o que eu imaginava, a sensação no meu corpo era de que se passaram algumas semanas — estava assustando, como se tivesse acabado de escutar uma voz familiar que dizia: "Miles, você precisa acordar e se lembrar rápido, não há mais tempo".

Era como se minha mãe estivesse no quarto do CTMP, ao meu lado e sussurrando... mas quando abri os meus olhos não havia ninguém, nenhum sinal de Mags ou algo que pudesse provar que ela já estivera ali algum dia. 

Um pensamento me veio à cabeça: Mags realmente existiu? 

Tudo ao redor indicava que não. Não sei explicar o porquê, mas uma onda de raiva misturada a cansaço por não poder me apegar a certezas básicas, se apoderou de mim e eu comecei a socar a parede até a ver manchada de sangue... Me assustei e cai no chão querendo me afastar o máximo possível sem acreditar no que estava vendo. Quando olhei para minhas mãos pude comprovar: eu era um Sangue Roxo. Uma voz então falou em minha mente — não a voz da minha mãe, mas a minha própria: "Ah Miles, e agora como você vai concluir o plano?"

Levantei em um pulo rápido, era um surto de consciência e eu precisava me agarrar a isso, não acontecia com tanta frequência. Eu não estava pirado, eu era um Vermelho e estava preso naquele lugar porque era a última escolha, precisava sair e sabia como, fui treinado para isso... tudo isso é parte do plano, se lembre do plano Miles. Mags também é parte dele, você precisa encontra-la de novo.

  

A SAGA SANGRIA: DOMINÓ VERMELHOOnde histórias criam vida. Descubra agora