O primeiro dia de todos os outros.

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Em sua primeira noite em casa já sentiu como seria difícil o recomeço sem sua família, a casa que antes nunca parava vazia agora ecoava o som de solidão, sabia que ainda tinha sua mãe e sua tia caso precisasse se reconectar com alguém, mas era estranho pensar em seus dias sem o apoio de seu pai e as brigas com os irmãos, também era difícil ver a própria mãe ser considerada inválida por não conseguir lidar com a morte do próprio marido.

Não era comum que viúvas ficassem presas à um pensamento constante de que tudo aquilo foi uma mentira, em algum momento sua mãe teria que aceitar a perda assim como ela estava fazendo, talvez fosse mais fácil se ela tivesse visto o que Malena viu, a última bomba jogada antes de sua vida virar de cabeça para baixo, a última bomba antes de ser separada para sempre de seus irmãos e de seu pai, será que se ela tivesse aceitado ir na primeira equipe ela poderia ter evitado isso? Era uma questão que nunca deixaria de atormentar seus pensamentos, queria ter se voluntariado para estar lá na frente, quem sabe assim a perda da família seria apenas uma e não de três pessoas maravilhosas que mereciam um final justo.

Em meio a tantas questões acabou pegando no sonho, tinha a sensação de que a noite seria mais longa do que o normal e de fato havia acertado em mais uma coisa, logo que se entregou ao cansaço enxergou de longe um rosto diferente, alguém novo, um garoto com os olhos brilhantes e um sorriso encantador, a sensação de que conhecia ele era tão forte e ao mesmo tempo tão vazia, não conseguia entender como poderia esquecer um rosto tão marcante quanto aquele mas por mais que buscasse na memória não tinha nenhum resultado de quem ele era. Tentou correr até ele para ver se descobria, mas assim que se aproximou o suficiente para ver o rosto com clareza viu a imagem se desfazer, tudo ir pelos ares, a sensação de perda voltou a invadir seu corpo e nem mesmo um sono profundo conseguiu amenizar a sensação de mais uma perda. Por sorte o som do despertador afastou aquilo tudo e a realidade voltou a estar presente, era uma nova etapa.

Ainda era um alívio poder vestir suas roupas normais e não mais as do hospital, o uniforme de treino dos agentes era sempre igual para todas as situações mas naquele momento parecia a roupa mais sofisticada do mundo, ficou feliz em vestir a camiseta preta que ficava solta em seu corpo e a calça que igualmente parecia de números maiores, as botas que calçava antes de sair de casa era apenas um bônus para voltar a sentir que tinha controle de algo em sua vida. Não precisar pensar em como teria que se portar diante de todos seus colegas era ótimo, ao menos nos corredores do quartel e nas salas de treinamento sabia o que fazer e o que dizer.

- Ei novata, já chegou causando uma boa impressão, tem um cara que não para de te olhar. - A voz de Gabrielle invadiu sua audição e trouxe um pouco mais de conforto, não conseguiu evitar de sorrir ao ver a garota alguns centímetros mais alta e com uma postura perfeita, nos tempos antigos ela costumava ser a líder da equipe que fazia parte, era bom ver um rosto familiar logo de cara.

- Oi Gabs, me mostra onde tá o corajoso, se ele ganhar de mim no primeiro dia quem sabe eu dou uma chance pra ele. - Respondeu em tom de brincadeira enquanto observava o namorado se aproximar com um sorriso no rosto em uma tentativa falha de esconder a preocupação.

- Vou deixar vocês conversarem, depois eu preciso te passar algumas das suas novas funções e a chefe quer te ver antes do almoço. - Gabrielle se despediu antes que algum assunto complicado surgisse.

- Você pensou em me avisar que logo no primeiro dia de alta já estaria de volta? Deveria ter ficado em casa e descansado mais antes de voltar ao treino, não é seguro pra você. - O sorriso de Mark se desfez assim que começou a falar, a garota não tinha pensado na possibilidade dele julgar seu retorno então apenas deixou ele se acalmar antes de responder.

- Eu conversei com os médicos enquanto assinava a alta, todos acharam melhor para minha recuperação eu voltar a viver minha vida, minha rotina e um pouco de treino não vai me prejudicar, eu só tenho que tomar cuidado pra não depositar muito peso em um dos lados e continuar com a medicação. - Concluiu dando um beijo na bochecha do namorado e segurando a mão dele, desde que acordaram juntos no quarto do hospital sentia que estar assim com ele ajudava a solucionar qualquer problema, era um momento de paz no meio da guerra.

Ainda relutante o garoto aceitou que esse seria um passo nescessário na vida deles e se prontificou a ajudar em tudo que ela precisasse, o resto da manhã passou mais rápido do que esperava, não conseguiu fazer todos os exercícios que costumava fazer mas já era alguma o começo para que tudo voltasse ao normal. Assim que terminou a primeira parte do treino foi até a sala da chefia, era estranho ela estar lá em um dia comum, normalmente os chefes de Estado ficavam nas centrais e só apareciam em outros lugares quando algo especial estava acontecendo.

Antes mesmo de bater na porta ouviu a voz familiar pedindo que entrasse, obedeceu a ordem e caminhou até a sala, se apresentando e esperando as ordem da Chefe.

- Eu nunca vou me acostumar com você fazendo isso sempre que me encontra aqui, sabe que continuou sendo sua tia né? - A mulher elegante pronunciou soltando uma risada baixa enquanto apontava para uma cadeira diante de sua mesa.

- E eu nunca vou saber lidar com o fato da minha tia representar toda a autoridade do País. Você veio aqui por algum motivo especial ou apenas para me vigiar? - Questionou depositando o peso sobre a cadeira e encarando o rosto da tia em busca de respostas.

- Não quero que pense que estou te vigiando, estou sim preocupada com você e sua recuperação, mas confio que está fazendo o que é certo. Hoje eu vim pedir que você visite sua mãe, me ligaram do hospital e ela têm apresentado um comportamento agressivo, disse que precisa de você lá para que vocês salvem o mundo, sinceramente estou preocupada com ela. - Sentiu um frio estranho percorrer o corpo assim que ouviu sobre a mãe, não tinha notícias dela desde que acordou, sabia que estava internada e o motivo para isso, mas não recebeu nenhuma atualização sobre seu quadro.

- Amanhã eu saio mais cedo daqui e passo lá pra ver ela, queria achar alguma maneira de amenizar esse sofrimento todo, não sei o que deixou a cabeça dela tão confusa mas vamos dar um jeito de resolver. Obrigada por me avisar, eu tenho que voltar logo pro treinamento mas se tiver mais alguma coisa pode dizer. - Observou a mulher abrir a boca para responder mas um som alto de alerta interrompeu a fala. Uma péssima coincidencia ter que encontrar algum desconhecido no prédio em seu primeiro dia, começou a torcer para ser um treinamento ou uma falha no sistema enquanto corria até a base para encontrar sua equipe.

Em algum lugar há uma memóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora