Capítulo 1

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Balançando-se entre os cipós firmes e por raízes velhas por horas, encostou em um tronco há muito sem vida. Jogou ao solo o peso de toda a carga que carregava nas costas desde manhãzinha: a mochila velha de couro velho que devia ter pertencido ao Velho Barra, seu avô, carregava a espingarda de cano longo que havia ganho do pai; restos do material de caça que lhe prometia um almoço longo junto à família no próximo dia; e um facão quase cego que já repousava no chão por agora. seus pés descalços carregavam as marcas e feridas do longo caminho percorrido. Sempre que questionado, o menino de cabelos e olhos negros dizia que preferia "sentir" o solo da floresta para caçar. Só não contava que uma série de eventos tão estranhos o levariam àquela situação difícil. Mirou por cima do ombro o caminho que havia feito, como quem busca um pouco de razão em meio aos pensamentos, agora gritantes e inseguros.

- Continuo ou retorno? ...

Pudera, estava perdido a meia hora sem sinal de seus companheiros em meio às longas ramificações dos galhos afiados. Seu corpo chacoalhava até o último fio de cabelo numa mistura de preocupação e resposta à congelante friagem que o acompanhava desde que ouviu pela última vez o latido de Zezeu. Um clima estranho pairava no ar: a paisagem parecia a mesma que já conhecia, mas o frio que sentia era atípico - para não dizer anormal. A vista daquele lugar não encaixava com o que seus instintos diziam: parecia acompanhado de alguém ou algo, mas já se encontrava só e perdido há um bom tempo. Enquanto repousava, se pegou a fazer a mesma pergunta que havia feito a si mesmo desde que se encontrou com aquela figura medonha coberta de folhas negras: contínuo ou retorno?

Acostumou-se a seguir o pai desde cedo junto do Zezeu, seu fiel escudeiro canídeo. Noite à dentro, seguiam tudo que pudessem correr atrás. Agora aos 12, gabava-se de ter olhos capazes de fitar a corrida dos cupins e uma audição afiada, de quem podia distinguir qual ave estava fugindo pelos sons de seus cantos. Animais esses que sumiram de seus ouvidos e que seus olhos já não viam a tanto. Sem cobras, pássaros, macacos. Até a tal onça que seu tio vivia dizendo que enfrentou ele gostaria de ver agora: tudo para dar uma sensação de conhecimento, segurança do local onde ele estava que agora não existia mais. Sabia que estava a apenas trinta minutos de casa em uma viagem apertada de bicicleta com o velho e seu medroso companheiro de quatro patas, mas a cada vez que sentia as folhas balançarem com o assobio do vento frio, mais se sentia distante do lar. Como se estivesse vendo aqueles corpos esverdeados e cobertos de musgo pela primeira vez. Tudo parecia estranho.

Havia, há muito, se acostumado à dura realidade da vila de ribeirinhos onde nasceu e cresceu. Os homens, devotos dos espíritos das florestas, aprendiam a caçar desde moços. Não havia muito tempo entre aprender a andar, falar e aprender a manusear armas, espingardas, armadilhas e como reconhecer os sinais da passagem dos diversos moradores da floresta quase intácta pelo homem que se estendia até o horizonte. Segundo as lendas, seu povo nasceu de uma árvore especial que havia surgido do local onde um deus morreu. "Em Amana nascemos e para Amana voltaremos", como dizia a sempre disposta Dona Maiara, a sábia vovó. Ela sempre dizia que em algum lugar a árvore-mãe semeava a vida e nos concedia alimento e abrigo.

— "Quando você esquecer que não é dono de Amana mas sim um simples morador, você vai perder algo que jamais recuperará" — o menino lembrou das palavras de sua avó, apesar de não ter certeza do porquê.

Acir sempre foi atento aos contos locais que falavam sobre os mais diversos seres místicos, acontecimentos sobrenaturais e rituais estranhos que seu povo precisava seguir a fim de manter a aliança entre o homem e a natureza. Em sua vila, as mulheres carregavam funções que iam desde a preparação dos rituais até a passagem das histórias antigas. A sabedoria era passada da matriarca para os jovens, enquanto as de mais os ensinavam seus métodos, costumes, leis e medicina. Da mãe, Acir só sabia aquilo que todos contavam: Tuane foi não apenas uma exímia curandeira - conhecedora das mais diversas plantas, frutos como utilizar suas funções de curativas - como também uma mulher carinhosa, doce e forte que havia partido cedo demais, deixando Acir com seu irmão e pai. Era um costume local dizer que o arrepio que sentimos aleatoriamente poderia ser um espírito que havia nos visitado. Certas vezes por arrependimento de algo feito em vida, outras por frustração ou ódio acumulado. Acir gostava de imaginar que seus arrepios aparentemente sem motivo poderiam ser uma visita especial de sua mãe. Uma visita de saudade...

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⏰ Última atualização: Mar 16, 2021 ⏰

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Aruana das Folhas BrancasOnde histórias criam vida. Descubra agora