Capítulo Único

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Em geral, a loja de fliperamas estava sempre muito cheia, o que deixava Win desconfortável. Ele trabalhava no balcão daquele lugar há dois anos, e ainda não havia se acostumado com adolescentes por todos os lados. Era um adolescente também, mais velho, e sabia o quão maduro era perto da galera que se aproximava de si fazendo piadas sem graça antes de comprar alguma coisa. Sendo sincero, Win mal podia esperar o dia em que sairia daquela cidade pequena. Não que fosse um garoto de sonhar alto, mas ficar para sempre naquele lugarzinho pacato não estava nos seus planos. Não sabia o que queria para o futuro ainda, mas queria algo grande, e aquilo já era alguma coisa.

— E aí. — Mike o cumprimentou.

Win o olhou por alguns segundos, voltando a atenção para o local enchendo aos poucos. Ele respirou fundo e agradeceu a qualquer divindade existente pelo seu horário já estar no fim.

— Chegou cedo.

— Não suspeita o motivo?

Conversar não era o forte de Win, ainda que fosse com Mike, o seu colega de trabalho. Ser tímido em sua concepção era a pior coisa que podia existir em sua vida. Conseguir ter uma conversa normal com alguém era quase impossível.

Ele quis se concentrar em Cocaine tocando ao fundo ao invés de continuar o assunto, mas como sabia que precisava mudar para não ser aquele garotinho envergonhado para o resto da vida, decidiu encarar Mike e esperar que ele dissesse o motivo de ter chegado mais cedo no trabalho.

— Você sabe que essa é uma cidade pequena e todo mundo sabe o que acontece, né?

— Sei.

— Então, uma família nova se mudou pra cá, um casal e dois filhos.

— E daí? Famílias se mudam pra cá o tempo todo, Mike. Bom, quase o tempo todo.

— É, mas um dos filhos tá chamando a atenção de muitas garotas. Se já é difícil eu conseguir uma namorada, agora vai ser impossível.

— Sinto muito por você. O que ele tem demais?

Apesar do fliperama estar enchendo e cada música tocada aumentar um pouco a cada hora, Win conseguiu focar a sua atenção nele, e somente nele, como se apenas Win e aquele cara de jaqueta de couro estivessem na loja, sozinhos.

— É ele! — Mike sussurrou, encarando-o. — Entendeu o que eu disse agora?

Win aproveitou que não estava sendo encarado de volta para observar o adolescente novo por ali. De fato, ele chamava atenção. Eram os anos oitenta e usar jaquetas jeans estava na moda, mas conseguir uma jaqueta de couro era mais quinhentos — literalmente. Comprar uma jaqueta de couro era caro, era raro ver alguém usando uma. Talvez, por isso, aquele cara novo estivesse chamando a atenção, ou, quem sabe, estava fazendo garotas suspirarem pelo conjunto completo — o cabelo cheio, a jaqueta cara e o All Star preto nos pés, combinando perfeitamente com ele.

O que Win soube naquele momento, era que garotas não eram as únicas a suspirarem por ele. Win também quis suspirar.

— Agora eu entendi. Sabe o nome dele?

— Por que eu saberia? — Olhou Win, as sobrancelhas juntas. Win o olhou de volta.

— Porque você é um fofoqueiro de marca maior. Enfim. — Deu uma olhada no relógio no pulso. — Cinco minutos pro fim do meu expediente. Boa sorte.

— Valeu. Até amanhã.

— Até.

Tão rápido quanto arrumou suas coisas, Win se mandou do fliperama, parando na porta por alguns segundos só para ter certeza se o cara novo estava se divertindo com uma das máquinas. Não conseguiu ter uma resposta, já que ele estava sério. No fim, desistiu de olhá-lo e foi embora dali, suspirando sem perceber — pelo cansaço do dia e pelo novato da cidade.

1984Onde histórias criam vida. Descubra agora