Irmandade pt2

12 1 0
                                    

Vejo o corpo que emerge da água salgada, os negros cachos que lhe cai sob os ombros.
Vejo o vermelho que brilha em seus olhos, que me encara minutos antes de turvar-se às águas que me chocam.
Fecho os olhos e sinto as gotas que escorrem sobre minha pele, a corrente de ar que me toca ao transpassá-las.
Respiro fundo e encaro mais uma vez o objeto de minha tortura, o oceano que tanto a alegra, que me flutua. 
Vejo o sorriso em seus lábios, a genuína felicidade que compensa o dissabor de uma tortuosa lembrança.

Eu a vejo e, por um instante, isso a perturba.

-Abby...?

O sorriso desaparece em seus lábios e se forma nos meus. Seus confusos olhos me encaram e a lanço em resposta às águas que outrora lançara contra mim. Grace desvia o olhar e um sorriso volta a tomar sua face.

A tenho ao meu lado, mas o que devo fazer agora?

A deusa me dá essa resposta.

Devo compreender a estranha era em que despertei, restabelecer a Irmandade e, o mais importante, devo orientar Grace à ser uma irmã de sangue.

-Mostre-me quem um dia foi.

-Porque não posso ser quem eu sou?

-Creio que já tenha sua resposta.

Seu corpo submerge. Sob as águas, a vejo mergulhar ao meu encontro. Seu corpo emerge mais uma vez. Sob seus cachos, vejo tímidos olhos castanhos. Eu os revelo retirando o cabelo de sobre eles.

-Não creio que estejam prontos para compreender nossa existência. Três séculos e ainda nos viam como monstros, o que mudaria em seis décadas? 

O que mudaria em seis décadas?

O que mudaria após uma quarta revolução industrial?

O peso da indiferença não é maior que a solidariedade, mesmo Grace fazendo-me entender se tratar de apenas mais uma medida de segurança, me admira e conforta saber que até menos vida do menos afortunado dos filhos de Adão é considerada digna de zelo.

Precisam de um nome, um código, o registro que os possibilitem a serem identificados. Uma identidade que é construída desde o nascimento. 

Precisamos dessa identidade, algo que nos possibilite ter acesso ao que este século têm a oferecer. E a adquirimos, através de pessoas que se dispuseram a nos ajudar, a permitir que as auxiliássemos em seu abrigo.

Graças à deusa tenho a oportunidade de servir novamente como uma irmã de sangue, mas confesso me questionar todos os dias que valia tem a Irmandade à este século.

Desde o momento em que Paul me revelou sua pílula para dor, seu... remédio. Que Gemma inspira através de um pequeno aparelho azul, seu... inalador. Vejo a inutilidade de meus conhecimentos medicinais. 

Devo ensinar a Grace algo que agora parece tão... arcaico?

A convido a sentar-se diante da singela mesa de jantar enquanto preparo as ervas.

-O que é isso?

-O que exatamente quer saber? Qual exatamente quer conhecer?

-Essa.

-Calêndula... acelera a cicatrização de ferimento, alivia inchaços e assaduras....

Macero uma de suas flores com as mão enquanto me aproximo de Grace.

-Hidrata a pele, além de ser um ótimo protetor solar.

Digo enquanto dou-lhe a prova de seu óleo. Ela fecha os olhos à medida que o passo em seu rosto.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 25, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Irmandade Onde histórias criam vida. Descubra agora