Parte I - Turquesa

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Turquesa

Majoritariamente exibindo árvores no início de seus crescimentos, os quadros portados como principal passatempo em todo o restaurante já não traziam a mesma beleza para Clara se comparado a quando ela chegara. Ela considerou observar as pessoas ao seu redor, mas ver o entretenimento alheio lhe dava mais tédio e resultava em certa inveja por ver todos os casais já com os pratos na mesa, rindo disfarçadamente para não atrair mais atenção do que suas roupas elegantes. Então, decidiu fazer o que qualquer jovem de sua geração faria. Pegou o celular da bolsa e não deu importância à possibilidade de ser vista como "abandonada". No topo da tela, o nome "Cândido T" era seguido pela foto de um rapaz negro. A indecisão de Clara em apertar o botão esquerdo ou direito tomou conta de toda sua consciência.

Aff! Mais cinco minutos e eu saio como se nada tivesse acontecido! Bah! Eu poderia estar estudando pra prova de sexta nesse exato momento! Por que uma pessoa tem telefone se ela não usa pra atender chamadas, tche!? Nunca mais...

Mas seu fluxo de consciência foi interrompido pela voz suave do rapaz por quem ela tanto esperara.

Ele talvez parecesse ter 1,70 de altura. Ou 1,68? Quem sabe menos? Mas não importava! O que importava para Clara foi o abraço que recebeu. Ali, ele poderia ter 2 metros.

— Foi mal... O ônibus veio lotado e eu tive que esperar o outro passar, visse?! — contou o rapaz.

— Tudo bem! — Sorriu Clara.

— Tu tá aqui faz muito tempo? — perguntou o menino enquanto se ajeitava na cadeira e pegava o cardápio.

— Mas bem capaz! — disse Clara olhando para Cândido, que por sua vez, se mostrou confuso.

— "Claro que não!" Foi o que eu quis dizer... — explanou Clara ao rapaz, que agora não portava mais a cara de confuso.

— Cheguei há algum tempinho... — mentiu Clara enquanto ainda estava sendo levada pelo perfume do garoto.

— É a tua primeira vez aqui? — indagou Cândido.

— Ah, assim sim!

— Nem precisa ter medo! Acha que vou te raptar, é!?

E se eu quisesse que me raptasse? Ela pensou, mas não foi capaz de falar, já que aquela era a primeira impressão que causaria. Optou por um sorriso.

E então uma pessoa chegou até eles, bloqueando a visão de um quadro cuja arte exibia uma flor em seu nascimento que estava centralizado entre Clara e Cândido.

— Boa noite... Posso anotar o pedido de vocês? — Ela questionou docilmente enquanto pegava um bloco de notas de seu uniforme azul. De longe, a roupa parecia combinar fielmente àquele estabelecimento. De perto, essa teoria se confirmava.

— Sim! — disse Clara prontamente olhando para Cândido, dando indícios de que o perfume do rapaz ainda tinha efeito sobre si.

— Eu vou querer Carpaccio de polvo! — Ela disse por último.

— E o senhor? — perguntou a garçonete enquanto anotava o pedido de Clara.

— Traz um peixe qualquer, por favor! Ah! Suco de maracujá também!

E assim ela fez. Alguns minutos depois, eles já estavam saboreando os seus pedidos enquanto se conheciam melhor.

— Então... tu coloca o arroz por cima ou por baixo do feijão? — Cândido quebrou o silêncio enquanto comiam.

— Por cima, claro!

— Que decepção!

— Bah! Eu não acredito que tu coloca o arroz por baixo!

— Oxi! Claro que não! Eu coloco o arroz do lado do feijão!

E riram juntos.

— E de que parte do Nordeste tu é? — perguntou Clara.

— Oxente, meu sotaque continua tão forte assim, é?

— Mas bem capaz! Mas minha mãe é de lá também, então eu sei reconhecer alguns sonidos!

— Ah, é? Pois tente adivinhar de onde eu vim então!

— Vejamos... Bem, Bahia tu não é, né?!

— Oxe, e por que não?

— Bah! Porque minha mãe veio de lá, né?! Daí eu sei que esse sotaque não é de lá, tche!

— Então tá bom... E de onde eu vim então?

— Pernambuco?

— E não é que tu acertou mesmo?

— Ponto pra mim!

— Ah, buliçosa! — disse Cândido com os braços cruzados para Clara.

— É o quê que tu me chamou, guri?

— Mas rapaz... Tu sabe reconhecer sotaques, mas não dialetos, é?!

— Faz um tempo que não vou pra lá, né?!

— Buliçosa é a menina curiosa... Inquieta... Que gosta de se amostrar...

— Bah! Então quer dizer que eu sou amostrada?

— É você quem tá dizendo... — Cândido dizia, acompanhando o riso de Clara.

— Olha, sabia que tu poderia ser o meu experimento científico?

— Ah é?! E a madame estuda medicina, é?!

— Barbaridade! Claro que não! Mania besta que esse povo tem de achar que só médico faz ciência! — debochou Clara em um tom leve para que a mensagem chegasse aos ouvidos do receptor de forma suave. — Eu faço Letras!

— No caso, o trabalho seria para uma disciplina chamada Variação Linguística. — explicava Clara, retirando a face de interrogação que Cândido portava ao tentar conectar a si mesmo com o curso de Clara. — Daí, tu bem que poderia me ajudar em gírias pernambucanas enquanto eu te ajudo com expressões gaúchas, né?! Daí sai todo mundo ganhando!

— Bah! Mas é claro, tchê! — respondia Cândido, imitando o ritmo e sotaque de Clara.

E foi essa a típica conversa que tiveram antes de se despedirem do restaurante.

Clara se comprometeu a levar Cândido até o ponto de ônibus mais próximo para que ele pudesse voltar em segurança para casa.

Assim foram até chegar ao ponto. Clara encostou seu carro, e o único sonido existente naquele momento, além de transportes passando ao lado, era o ar condicionado refrescando todo o ambiente. Mas, ao invés de gelar o clima, o aparelho parecia tecer ondas abrasadoras, responsáveis por envolver os jovens ali dentro.

As luzes do semáforo mais próximo penetravam o para-brisa do carro, e assim refletiam sobre aquele casal. E espontaneamente, sem prestar atenção no tempo, eles passaram pelas três cores. Intensificaram os olhares incidentes nos dois mutuamente; chegaram mais perto; e finalmente entrelaçaram seus lábios pela primeira vez.

E isso se repetiu num período de sete semanas. Dentre todas as atividades desenvolvidas, passar o tempo comparando e aprendendo, um com outro, expressões e vocabulário de Pernambuco e Rio Grande do Sul era o que mais rendia risada entre os dois, o que prolongava e intensificava a ligação entre o casal. Até que Clara sentiu ser hora de mostrar seu afeto para além do conforto de seu carro.

Cândido seguiu a vontade da amada sem questionar, como um impulso. Analisando melhor, foi com um piscar os olhos que ele balançou a cabeça positivamente para Clara quando ela perguntou se ele gostaria de conhecer seus pais; logo depois, encontrava-se na porta daquela mansão, vestindo a roupa que usara no primeiro encontro com sua amada. Queria que a mesma sorte que o abençoou no encontro o acompanhasse naquela etapa também, impondo, ao macacão jeans, a responsabilidade por aquela luz.

Por que eu tô tão nervoso? Eu já fiz isso antes! A rotina é mais do mesmo: Eu cumprimento eles com um aperto de mão, dou "boa noite" olhando nos olhos dos dois... Pensava Cândido enquanto Clara pegava as chaves da propriedade. Faço Artes na mesma faculdade que a filha de vocês e faço uns trabalhos durante a tarde!

Quando Clara finalmente abriu a porta, Cândido descobriu a razão de seu desconforto.

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