Preto e Branco
Será que eles dormiram juntos nessa madrugada? Por que ela teve que desaparecer logo no final de semestre? Tudo estava tão perfeito antes dela aparecer... Por que ela teve mesmo que entrar na minha vida? Matutava Cândido enquanto abria os olhos, ignorando o barulho do alarme. Foda-se... Eu vou superar essa rapariga de qualquer jeito!
Apesar do dia ter nascido com nuvens cinzentas que ofuscavam o sol, Cândido decidiu começar o dia literalmente com o pé direito, sendo esta decisão seguida por ele entoando canções animadas no banho. Era o fim de semestre, e ele ainda tinha algumas pendências para finalizar na universidade. Lá, ele esteve presente com sua mente mais focada do que nos últimos dias em que aparecera deprimido no campus.
E no fim, finalmente a recompensa: foi aprovado em todas as matérias com média satisfatória.
É o que dizem... Sorte no jogo e azar no amor, né?! Ponderava Cândido enquanto retornava à sua casa, olhando para o nada através da janela do ônibus que ficaria sem pegar por alguns meses.
A noite trouxe consigo o convite da turma para comemorar o final de semestre no barzinho mais próximo da faculdade. Considerando a ideia, Cândido achou que a companhia de amigos pudesse findar, de uma vez, os pensamentos acerca do seu último affair.
E lá estava ele se divertindo quando, de repente, Clara emergia com sua beleza radiante.
Mas é claro... Como eu pude ser tão inocente? Todos os cursos da universidade devem estar comemorando o final de semestre aqui... Por que o curso dela seria diferente?
Para a surpresa de Cândido, quem o notou foi Afonso. Ele cutucou Clara para que o novo casal pudesse acenar para o pernambucano. Cândido acenou de volta, uma vez que não podia fingir que não havia os visto ali. Ele se empenhou em mostrar todo o brilho de seu sorriso, objetivando convencer todos os presentes no local de que tudo estava no passado.
— Galera, quê que vocês acham d'agente ir pra Espectro? — perguntou o colega mais próximo de Cândido.
— Eu topo! — disse uma colega aleatória, sendo seguida por todas as outras pessoas da mesa, com exceção de Cândido.
— Cândido?! — A pessoa ao lado do ex-namorado de Clara esperava a resposta.
— Vamos picar a mula desse lugar é agora! — garantiu o pernambucano antes de engolir uma grande quantidade de bebida.
O olhar de Clara, ao ver o grupo se levantar, acompanhou Cândido até a saída.
Classificado como "alternativo" pelos seus frequentadores, o Espectro era uma boate enorme com alguns cômodos nunca visitados por Cândido devido à sua ausência de curiosidade. Ele passou pela lanchonete do lugar, que exibia quadros considerados conceituais, mas que, naquele dia específico, expunha fotos de árvores cortadas, mostrando suas raízes com a aparência de terem sido fotografadas logo após um catastrófico incêndio. Cândido não entendeu o motivo do estabelecimento portar fotos de cinzas como passatempo para os clientes, mas conectou a presença de cinzas a uma possível ação de conscientização. No bar ao lado da pista de dança, um globo espetacular gigante lançava múltiplas rajadas de cores nas pessoas.
A despeito do efeito artístico que a os reflexos coloridos causava nos presentes, Cândido voltou a utilizar o único instrumento que nunca o abandonava. Objetivando romper sua rotina, ele pediu, ao barman, a bebida mais forte que o lugar tinha a oferecer. Foi neste momento que deu de cara com o pai de Clara sentado no bar, também mexendo no seu celular, ao mesmo tempo em que conversava com um rapaz aparentemente na mesma faixa-etária de Cândido e Clara, ou mais novo. A conversa entre os dois homens transpirava amabilidade, dado que era a primeira vez que Cândido via o pai de Clara sorrir de forma tão expansiva. Cândido preferiu dar prioridade ao seu aparelho tecnológico a ter que cumprimentar um velho ignorante racista. E a surpresa da noite veio juntamente com a bebida: O pai de Clara estava no mesmo aplicativo que Cândido, com uma foto de perfil muito mais formal do que a vista pessoalmente. Cândido se permitiu mais um gole violento daquilo que estava tomando e teimou consigo mesmo que já havia visto essa mesma foto antes. Pôs sua mente para trabalhar por alguns minutos, até que o insight estava finalmente formado. A última vez que viu a foto e o perfil foi na própria casa de Clara, quando ela tentou apresentar Cândido aos pais. Se encontrava tão atordoado com o luxo e imensidade da mansão que não prestou atenção nos mínimos detalhes que aquele episódio lhe trazia.
Antes que chegasse a qualquer conclusão, uma pessoa chegou por detrás de Cândido e perguntou algo que ele não pôde decifrar devido ao som alto e ao vocabulário local. Quando ele se virou para perguntar se a pessoa podia repetir o que havia acabado de dizer, ele foi surpreendido por um beijo que o fez esquecer de que estava no Espectro ouvindo a voz de Gloria Gaynor entoar os versos "Oh no, not I! I will survive! Oh, as long as I know how to love, I know I'll stay alive! I've got all my life to live, I've got all my love to give! I will survive, I will survive!"
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Espectro
RomanceCândido é pernambucano, mas sua faculdade de Artes o leva a morar no Rio de Grande do Sul. Lá, ele conhece Clara, que, posteriormente, forma um casal interracial junto a Cândido. Numa estória de amor que conta muito mais que apenas romance, os dois...