Camélia | day 20 flowers

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Bakugou estava no alto do prédio, os olhos atentos no fluxo da cidade, na busca de alguma irregularidade ou ato criminoso de algum vilão. Não havia nada de anormal no seu turno de vigilância, até que algo escapou por sua garganta e repousou sobre a língua.

Os dedos tocaram a boca e ficou surpreso com a pétala branca que saiu de seu corpo. Ele sabia o que aquilo significava, mas aquela era uma batalha que não poderia vencer. Já havia perdido há muitos anos, quando enfrentou a fúria de Shouto Todoroki no Festival Esportivo da U.A.

Nunca pensou que os sentimentos fossem tão intensos e profundos, a ponto da dor tornar-se física, enraizada no meio do peito e expandindo-se como erva daninha. Ele amava tanto Shouto, a ponto de aceitar a morte prematura, florida por camélias de tons vermelhos e brancos.

Katsuki sentou-se na borda do prédio e puxou a máscara do uniforme para o alto da cabeça, moldando a franja para trás. Os olhos escarlates perderam o foco nas luzes da noite, as digitais brincando com a pétala, imaginando se a pele do mesclado era tão aveludada quanto aquele pedaço de flor.

O corpo encolheu-se por causa da dor pulsante, os braços pressionados em torno do abdômen, abandonando o fragmento para que voasse para longe. Bakugou desejava que a paixão por Todoroki pudesse voar, deslocar-se para o outro lado do mundo, mas apenas acontecia ao contrário, mais e mais fincadas dentro da caixa torácica. Mais pétalas caíram da boca para o chão, o sangue colorindo as brancas, manchando-as nas cores dos cabelos bicolores.

— Bakugou.

A voz ecoou atrás de si, forçando-o a inclinar-se mais para frente, apenas para esconder a bagunça de flores e de todos os sentimentos que transbordaram ao reconhecer a voz de Shouto.

— Vá embora, caralho! — advertiu, ainda de costas, buscando tempo para limpar a boca com o punho. — Esse é o meu turno, então vá para a casa.

— Eu vi você expelindo as pétalas.

Inútil!

O loiro sentiu-se apenas inútil, cansado de lutar contra a tempestade que veio e devastou qualquer porto seguro, deixando apenas destroços para trás. Completamente exposto, virou-se para o aperto de mão sobre o ombro, para o olhar heterocromático.

— Apenas vá embora, filho da puta. — Os punhos estavam cerrados ao lado do corpo, apenas o couro das luvas gemendo sobre o aperto, acaloradas pelas explosões presa nas palmas. E antes que pudesse empurrar o outro para longe, outra lufada de pétalas escaparam dos lábios, mais doloridas, enfeitando o espaço entre eles.

A expressão de Todoroki era de genuíno espanto, o que deixou Bakugou mais recolhido, pois já não havia o que esconder, como camuflar a doença que o contaminava de dentro para fora. O hanahaki era uma condição rara, que desencadeava uma série de reações no sistema fisiológico, e a principal delas, era o crescimento raízes pelo corpo que abrolhavam em flores.

Os sintomas eram crescentes, começava como um pequeno incômodo, transformando-se em dor por todos os órgãos e consecutivamente na regurgitação de pétalas, até se transformarem em flores inteiras. O último estágio era terminal, não havia cura, exceto ser correspondido.

Não havia vírus, bactérias, a doença surgia de acordo com os sentimentos, do amor verdadeiro. Bakugou se odiava por nutrir algo tão puro, incondizente com sua natureza agressiva, com sua solidão.

— Não. — Shouto aproximou-se mais, retirando uma pétala presa no queixo, trazendo-a para perto dos olhos, apenas para encarar — quase descrente — os sentimentos despedaçados de Katsuki. — São camélias, minhas flores favoritas...

— Achei que morreria sem saber o nome dessa merda... — Ele relaxou o aperto das mãos e apoiou em torno do rosto do bicolor, olhando-o pela última vez, para memorizar o motivo de sua vida, sua morte. — Me odeie por isso, Todoroki.

Numa dança lenta, os lábios alcançaram a cicatriz, instigando o desejo de curá-lo daquela marca com um gentil beijo. Beijou uma, duas, várias vezes, até que abandonou a imagem dos olhos incompatíveis, apenas para mergulhar na sensação de tê-lo preso entre os braços.

— Bakugou...

O loiro foi massacrado pela sonoridade profunda de seu nome, cantarolada na inocência de Shouto. Doeu tanto que mais pétalas foram desperdiçada entre eles, colorindo a sobriedade dos uniformes, destruindo o foco da patrulha noturna.

Foda-se.

Sedento, empurrou o corpo contra o letreiro luminoso, que estremeceu oscilando as luzes dos refletores. Ele não quis abrir os olhos, não tinha coragem de observar a partida do homem que tanto amava, a ponto de morrer por aquele sentimento egoísta.

O toque gentil foi substituído pelo afoito, invadindo o espaço quente e úmido da outra boca. As mãos caíram das bochechas até encontrar o pescoço, afastando a gola da roupa de combate, apenas para ter mais acesso a pele sensível do pomo de adão.

Katsuki aumentou a fricção, o joelho roçou entre as pernas de Shouto, que deixou escapar um gemido confuso, extasiado pelo sabor floral. Se aquele beijo era o primeiro — o último — beijo, iria com tudo, até que fosse afastado com adagas de gelo e ondas de fogo.

— Me odeie. — O quadril pressionou com mais força, com urgência o outro corpo. — Me odeie por inteiro!

Algo cresceu e tornou-se impossível de segurar, algo volumoso subiu pela traqueia e o sangue banhou a boca, obrigando-o a quebrar o contato apenas para expelir uma camélia inteira, metade branca, metade vermelha.

A flor caiu, lágrimas caíram dos olhos escarlates, derramadas sobre o objeto de duas cores.

— Eu te amo, Bakugou.

Shouto trouxe a atenção de Katsuki que desabrochou em seus braços, sugando as pétalas que desapareciam como cristais de açúcar na água, até se transformarem em mais beijos de tirar o fôlego.

A bagunça floral desapareceu com o vento que corria os telhados de Musutafu.

Camélia • bnha | tdbk | todobakuOnde histórias criam vida. Descubra agora