Capítulo 3

254 38 11
                                    

Minha psicóloga havia me passado um exercício há algumas semanas que consistia em pensar em uma coisa positiva que havia acontecido comigo no dia anterior assim que eu acordasse. Ela dizia que, assim, eu já começaria a manhã mais animada, pois havia uma perspectiva de ter outra coisa boa acontecendo comigo naquele dia também.

Eu nem sempre fazia o exercício, mas naquela manhã cumpri com o combinado.

Coisa positiva: o gato dormiu a noite toda. Ou seja, não precisei ficar ouvindo seus miados desafinados.

Coisa negativa: o gato dormiu a noite toda no meu travesseiro.

(Acrescentei um pouco da minha personalidade no exercício para ficar um jogo mais legal.)

Não bastava ter uma cama só para ele. Ou até mesmo o resto do meu colchão para ele deitar. Ah, não. Ele precisou dormir o tempo todo no meu travesseiro.

O despertador tocou cedo demais, mas eu não tinha opção a não ser levantar. Só depois de ter me trocado é que o gato se espreguiçou.

— Agora você levanta — resmunguei em sua direção. — Não quero nem saber, essa noite você vai dormir na sua cama, nem que eu tenha que te amarrar.

Em resposta, ele começou a se lamber.

Saí bufando do quarto, direto para a cozinha.

— Tudo bem, Sami? — meu pai perguntou, sentado na mesa enquanto lia o jornal.

— Esse maldito gato é um tirano — falei, abrindo a porta da geladeira.

— Não fale assim do coitadinho — minha mãe disse, entrando na cozinha também, enquanto era seguida de perto pelo gato. — Aliás, você já deu comida para ele?

— Não.

Coloquei o leite na mesa e fui pegar o sucrilhos. Apenas uma boa dose de açúcar podia me manter de pé até o almoço.

— Bom, não esqueça de fazer isso antes de sair — minha mãe pediu, se retirando da cozinha novamente.

O gato ficou parado, sentado em um dos ladrilhos, enquanto nos olhava com seu único olho laranja. Fiz o máximo para ignorá-lo.

— Sami, estou feliz em ver seu apetite voltar — meu pai comentou, baixando o jornal. — Sua mãe me disse que ontem você almoçou muito bem, e hoje está tomando um café da manhã reforçado. Parabéns!

Tentei abrir um sorriso, mas ficou mais parecido com uma careta. Para não ter que responder, enfiei uma colher de sucrilhos na boca.

A depressão não apenas me deixava completamente sem qualquer emoção, ela também tirava minha fome. Aos poucos, fui voltando a comer, mas não na quantidade que uma garota de 15 anos devia se alimentar. Entendia porque meu pai estava feliz em me ver comendo, mas ainda assim era um pouco frustrante o fato de ficarem me lembrando que não sou a filha perfeita o tempo todo.

O gato começou a miar, tirando-me de meus devaneios.

— Acho que tem mais alguém com fome — meu pai comentou mais uma vez, com uma risadinha.

— Vai ter que esperar eu terminar de comer — retruquei, fingindo que não estava ouvindo os miados estridentes.

Não adiantou. Ele só começou a miar mais alto.

— Sâmia! — minha mãe gritou, de outro cômodo. — Dê comida logo para ele. E vocês precisam sair, ou vão se atrasar.

Sem escolha, deixei o pote de sucrilhos de lado e fui até o quarto, encher o pote de ração. O gato me acompanhou, andando em minha frente como se para mostrar que já era o dono daquela casa.

Meu Gato Me Odeia - degustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora