Capítulo I

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O táxi autoguiado para com suavidade ao lado de uma das calçadas mais movimentadas do Core. A porta se abre para uma garota magra de cabelo curto. Ela rapidamente se joga para dentro do carro. Enquanto se ajeita no banco, retirando os documentos preexistentes no assento que amassou com o corpo, ela dá instruções claras do destino para a inteligência artificial. Quando já está acomodada, coloca a digital do polegar direito em um leitor que vai anexar o valor da corrida aos impostos pagos pela garota.

- Olá, meu nome é Ivana e eu vou te conduzir nessa viagem. - Uma voz feminina e robotizada responde. - Minha última passageira esqueceu alguns... papéis, terei que fazer um pequeno desvio antes, há algum problema? Espero que não. - O carro começa a se movimentar.

Mandy estreita os olhos para a motorista virtual. Ora, se ela foi programada para fazer o desvio de todo jeito, não havia a necessidade de perguntar. Ela revira os olhos e solta o ar dos pulmões dramaticamente, um tanto frustrada. Percebe que vai se atrasar para acatar a ordem que recebeu. É uma missão espinhosa, mas se terá que fazer de todo jeito mesmo, é melhor que seja rápida. Quanto antes se ferir, mais cedo iria cicatrizar. Sente que está pensando de mais a respeito, então engole o nó que se formou em sua garganta e procura rapidamente por uma distração momentânea. Seus olhos marejados viajam pelo interior da esfera flutuante, absorvendo alguns detalhes. É um modelo compacto que comporta duas pessoas que se sentam em bancos com estofamento branco e de formado anatômico ao corpo humano. Na frente, há um painel holográfico interativo e curvado. O fundo transparente, permite contemplar o horizonte através dele e do vidro frontal. O que o campo de visão abrange nada mais é do que apenas a base dos intrigantes arranha-céus com formatos subjetivos e questionáveis e das largas pistas de asfalto perfeito, por onde passam, simultaneamente, cinco veículos no mesmo sentido.

Ela se direciona à tela, seleciona uma das opção e um espelho se abre, ocultando a visão anterior. Seus olhos admirados absorvem a necessidade de ajeitar a bagunça que a ventania fez no cabelo. Seus dedos finos e alongados deslizam pelo comprimento dos fios negros e brilhosos que descem apenas um pouco abaixo da altura da nuca. Onde há uma tatuagem... incomum. Ivana lhe oferece um pouco de café expresso e uns docinhos. Ela recusa o café, mas pega alguns dos cubinhos gelatinoso de cor azul. Cafeína lhe deixa ansiosa e, às vezes, causa dor de cabeça. Se passa pela mente da garota que se referir ao carro por um nome próprio soa estranho, pois, de onde ela veio, os carros ainda são conduzidos por humanos, mas ela decide não se ater muito ao fato. Quando ela coloca o doce na boca, ele explode em um sabor que ela nem sabia que existia. Talvez devesse colocar alguns na bolsa, para mais tarde.

Os papéis amassados, e esquecidos sobre o banco ao lado, clamam por sua atenção. Se tudo poder ser feito, ou compartilhado, digitalmente e armazenado na nuvem, por que ter cópia impressa de algum documento? E se for só uma cópia, porque se preocupar em pegar de volta? Não pode imprimir outra? Os olhos curiosos fazem um escaneamento rápido pelas páginas e ela lê algumas frases soltas e, a princípio, desconexas.

Lara Donovan.

Corroboração do teste Psíquico: aprovada.

Candidata apta a participar da experiência...

Kendricks.

Empresa de pesquisa e desenvolvimento científico.

O investimento que vai mudar o curso da sua vida.

Como seria acordar e ter a consciência de tudo o que você vai viver nos próximos cinco anos?

Mandy fica um pouco atordoada e toma os papéis em suas mãos para entender do se trata. Ela sabe que não deveria fazer isso, não é da sua conta, mas não se importa. Ela faz uma leitura mais minuciosa. Alguns conceitos são laboratoriais demais para se ater do que outros. Mandy pisca algumas vezes, batendo os longos cílios negros, e levemente embebidos pelo declive emocional que teve há poucos minutos, uns contra os outros. Parece um devaneio. Como o que acabará de ler poderia ser possível? Ela não sabia, mas se fosse, poderia ser esse o seu último ensejo de ter uma vida melhor. Ela não precisaria terminar o que começou, não concluiria a missão.... Tudo poderia ser diferente. O simples ato de pensar nisso lhe afetava de uma forma tão dilacerante que sentiu a cabeça doer por alguns segundos. Os olhos redondos e amarelados brilharam com o fio de esperança que fora tecido em seu âmago. Havia lido nas entrelinhas do contrato que nem tudo poderia ser alterado. Mas ela também não se importava em seguir regras. Segundos a papelada, a experiência começaria dia 31 de outubro de 2099, as 10:00A.M. . Mandy olha para o painel, à procura de um relógio. Faltam quarenta minutos.

ERRO NA REALIDADE 011Onde histórias criam vida. Descubra agora