Capítulo III

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Momento presente...

Mandy retoma a sua consciência.

Sente a superfície acolchoada colocando cada vértebra da sua coluna no devido lugar. Uma dor prazerosa que a paralisa. Teme se mover e a sensação se dissipar. O corpo está envolvido por um edredom macio e morno. Ela sorri, antes mesmo de abrir os olhos. Sabe exatamente onde está. Sente uma fragrância refrescante invadir suas narinas. O teto branco entra no seu campo de visão. Move o olhar rapidamente pelo quarto e constata que as outras duas camas estão vazias. Está claro lá fora. Mas ainda não consegue saber se está de manhã ou tarde. Se senta em um movimento abrupto. Seus pés tocam o chão gélido, procuram algo para calçar, mas não encontram. Ela caminha descalça até um espelho enorme e redondo.

Suspira e abre um sorriso enorme e incrédulo. O sorriso logo se torna em uma risada em alto e bom som. Se aproxima da superfície refletora e coloca as duas mãos espalmadas ao lado da imagem do rosto. Tão perto que a sua respiração quente embaça o que vê. O cabelo está maior, agora na altura dos ombros e a pele... Sem as marcas de sol, queimaduras que adquirirá nos últimos anos. Parece tão mais jovem, embora só esteja cinco anos mais nova. Os anos difíceis deixam marcas, internas e externas. Se afasta um pouco, o corpo dentro do uniforme pijama não mudou muito. Está usando uma blusa branca de alças finas e um short de cor preta. Ambos de seda. Duas batidas na porta interrompem a sua distração.

- Entre...?! - Ela diz, sem ter certeza de que deveria ser esse o padrão a ser seguido no dormitório. Thomas entra no quarto com um carrinho de limpeza. Está vestido com a roupa que os funcionários do Maynard usam. É um macacão azul-claro, o tecido cobre cada centímetro de pele abaixo do pescoço. Parece ser confortável. Ele suspira aliviado quando percebe que essa é a sua cliente mesmo. Os únicos diferenciais em sua aparência são o cabelo cortado bem curto e a pele com menos marcas de expressão. 

- Foi difícil te encontrar, Lara... - Ele fecha a porta atrás de si e retira do carrinho um frasco, uma seringa e uma agulha. - Sua ficha dizia que você estaria no dormitório que fica quase do outro lado do colégio. Deve ter sido algum engano, mas enfim, como você se sente? Tem notado algum desconforto? Se sente conectada de verdade ao seu corpo?

-  E alguém te ajudou a me encontrar? - Mandy questiona nervosa, ignorando as outras perguntas, que ela sabe que foram feitas somente por protocolo e suas palavras saem aos fiapos pela tensão. A possibilidade de ser descoberta envenena as borboletas em seu estômago. Pelo menos, a Lara também estudou naquele colégio, o que poderia ser uma enorme coincidência, mas tinha uma chance de cinquenta por cento disso acontecer, já haviam apenas dois colégios particulares no Core e a ruiva tinha a fineza de uma garota rica. Ela nota a agulha que Thomas manuseia. Ela não teme a dor, apenas o efeito que o conteúdo pode causar nela. - O que é isso?

- Não, pedir ajuda estava fora de cogitação, poderia interferir nessa realidade. Como está em horário de aula e os quartos estão vazios, a alternativa mais viável foi bater de porta em porta. Cansativo, mas deu certo. - Ele enche a seringa com um líquido viscoso e preto. Como a garota ignorou as suas perguntas, ele conclui que ela está bem, senão já teria reclamado. - Isso é uma amostra única e facilmente rastreável. Um material sintético que foi feito para permanecer na corrente sanguínea por cerca de cinco anos, o tempo da experiência. Foi desenvolvido no ano passado, quando eles começaram o planejamento... Não se preocupe, possui baixa toxidade, é apenas para poder monitorar a sua localização.

- Ok... - Mandy se senta na extremidade da cama, enquanto Thomas prepara o braço dela para receber o líquido. Ela engole em seco. Se passa pela mente da garota como isso poderia dificultar os seus planos. Mas o que ela faria agora? Poderia impedi-lo de injetar essa coisa nela? Dizer que tem medo de agulha? Poderia matá-lo? Sim! Seu lado impulsivo grita. Ela tenta manter o controle, precisa aprender a ser mais calculista... Então, não. Ela nem ao menos estava com as suas armas e se voltou para arrumar as coisas, não seria bom começar dessa forma. Ela suspira e sente a ponta da agulha perfurar a pele. Vira o rosto para a mesa de cabeceira ao lado da cama, sobre ele, há um difusor de perfume, as letras talhadas no material dizem que é de limão-siciliano. Ela gosta do cheiro. O líquido injetado cai na corrente sanguínea, gelado. Pode sentir ele se espalhando pelo corpo, ou talvez seja apenas neurose. Dispensa o curativo, não é como se fosse ter uma hemorragia. - Então... Os supervisores não podem fazer nada que interfira na vida dos outros? Mas, se vai cuidar de mim durante esse tempo, abandonar a sua própria vida não seria uma... Interferência?

ERRO NA REALIDADE 011Onde histórias criam vida. Descubra agora