Durante tempos de medo, principalmente nos tempos de medo, que as madrugadas da grande cidade de Jaklovia se tornam cruéis, sem piedade a neve cai sobre as ruas manchadas de sangue e sobre casas destruídas, ela cobre completamente o céu e traz o silencio que abafa os passos daqueles que estão dominando o País, os passos daqueles que disseram que forçariam a paz e a ordem nesse País independente de qual for o custo. Mesmo em meio ao inferno existe uma pequena chance de fuga, uma pequena chance de fuga que mantem um grupo de refugiados avançando pela cruel madrugada, marchando pela neve para chegar a borda do distrito Pesqueiro de Jaklovia, onde um imenso rio cria a divisa entre a grande cidade de Jaklovia e a grande cidade de Glarovia e que cruza a borda do País de Askat, sendo a melhor rota de fuga para fora desse conflito que trouxe o inferno para Skaisten. Entre os refugiados se encontra a família de Cain, um pequeno garoto de cabelos pretos e curtos, a pele pálida como a neve e os olho tão pretos quanto a própria pupila, usando roupas simples e esfarrapadas que claramente não são apropriadas para o frio, com os pés completamente descalços que já estão vermelhos e cheios de feridas, e com o braço esquerdo apoiado em uma tipoia improvisada com pedaços de panos. O frio, a dor e a fatiga já levaram Cain a seu limite, ele usa seu braço bom para segurar a mão de seu pai, Jonas, para ser capaz de seguir em frente, que agora, desde que seu irmão mais velho morreu, é a única fonte de segurança que restou ao garoto e a única que o da coragem de prosseguir, sendo um homem alto e musculoso que possui semelhanças físicas com o próprio filho, com cabelos pretos bagunçados e sujos, com uma preta barba cheia, seus olhos com olheiras pesadas e avermelhados, vários curativos improvisados que percorrem seu corpo que agora já estão vermelhos de sangue, ele carrega em suas costas uma mochila de pano improvisada que contem os restos de comida que ele saqueou de casas abandonadas. Com uma mão Jonas segura a mão de seu filho e com a outra a mão de sua esposa, Lina, uma mulher de cabelos longos e loiros, com a pele pálida e claramente apresentando sinais de desnutrição, ela possui um olhar preocupado que a todo momento esta direcionado ao bebe que ela carrega, uma pequena garotinha que nem sequer disse suas primeiras palavras. Mesmo usando toda a força dentro de si, Cain não conseguiu segurar as lagrimas, seus pés já haviam atingido o limite a muito tempo, ele tentou engolir o choro para não alertar seu pai, mas Jonas já havia percebido, que em um movimento rápido, antes mesmo de Cain poder reagir, levantou seu filho e o carregou com um braço e mesmo ferido e fraquejando ele se recusa a ceder para dor. Sem conseguir segurar o choro e envergonhado o garoto se desculpa.
-Desculpa pai...Eu não aguento mais, não consigo ser forte que nem você...Me desculpa. -Cain disse, escondendo seu rosto no ombro do pai enquanto chora.
-Eu sei meu filho...Tá tudo bem, eu estou aqui por você, tá tudo bem. -Jonas disse com uma voz grossa e desgastada, com uma tom de tristeza ao sentir o sangue dos pés do seu filho escorrendo pela sua mão. -Nós estamos próximos da borda do Pesqueiro, você só precisa aguentar mais um pouco ta bom?
-Ta bom...eu aguento. -Cain diz enquanto lentamente se acalma.
-Quando escaparmos, você nunca mais vai precisar ser forte Cain. -Disse Lina com uma voz fraca, porém doce, na tentativa de confortar seu filho. -Claro que você ainda vai ter que proteger sua irmãzinha, então talvez você ainda precise ser um pouco forte no futuro. -Ela solta uma fraca risada ao terminar a ultima sentença, tentando melhorar o humor do ambiente.
-Eu prometo que vou ser o herói dela, ninguém vai machucar ela enquanto eu a proteger. -Mesmo com a voz fraca, Cain transmite suas palavras com confiança, no fim Lina conseguiu confortar seu filho.
Mais algumas horas de caminhada se passaram e finalmente os primeiros raios de sol começaram a aparecer no horizonte e a neve que caia incessantemente aos poucos se enfraqueceu, revelando o céu do fim da madrugada. A neve que se encontrava sob os pés dos fugitivos aos poucos se desmanchou pelo caminho, sendo substituída por um solo úmido e o ar frio e estagnado se tornou uma brisa gélida, isso só podia significar que a borda do distrito Pesqueiro estava logo a frente. Rapidamente o otimismo se espalhou pelo grupo de refugiados, o que era uma simples esperança, agora tinha se tornado a mais tangível realidade, Jonas puxa sua família um caloroso abraço e deixa escapar a mais genuína risada que ele deu desde muito tempo, é impossível conter tal felicidade quando a segurança de sua família se encontra apenas a mais alguns minutos de caminhada. Em apenas alguns minutos todo o esforço dos refugiados é recompensado com uma linda vista, a vista do grande rio da divisa com o horizonte logo atrás ficando avermelhado enquanto o sol nasce, nas margens do rio se encontram vários grandes barcos com um aglomerado de outros refugiados que encontraram seus caminhos até aqui e ainda mais chegando de diferentes direções, onde eles são acolhidos de forma organizada. Sem perder tempo Jonas puxa sua família para se juntar as filas, onde recebem cobertores e comida dos tripulantes do barco que passam pelas filas oferecendo suprimentos para aqueles com mais necessidade. Apenas uma dúzia de pessoas a mais na frente de Cain e sua família, apenas mais alguns metros e o inferno fica para trás, apenas mais alguns metros e uma vida melhor que foi prometida se tornara realidade e a apenas alguns metros de distancia uma explosão manda as pessoas da fila do barco ao lado voando em pedaços pelo ar, criando uma chuva de sangue e jogando ao chão todos que não foram diretamente atingidos pela explosão. Leva alguns segundos para Cain recuperar seus sentidos, ao se levantar do chão e olhar para trás ele pode ver uma tropa inteira de pacifistas, um grupo de caçadores que vem criando conflitos através do País a anos e que recentemente vem ganhando força e tamanho de forma assustadoramente rápida, esse grupo tem como objetivo instaurar uma ordem absoluta neste País para alcançar a paz, não importando os custos, mesmo que isso signifique matar milhares, mesmo que isso signifique usar o sangue dos deuses para caçar humanos e mesmo que isso signifique utilizar feras corrompidas como armas. O desespero rapidamente se instaura em todos que estavam presentes, permitindo que o caos tomasse conta, agora sem ordem as pessoas em desespero passam umas em cima das outras para entrar nos barcos, enquanto os tripulantes rapidamente tentam fechar as portas dos barcos para fugirem o mais rápido possível. O impacto da explosão deixou Jonas inconsciente por alguns segundos até ele acordar com Lina mexendo em suas costas em desespero.
-JONAS! JONAS! ACORDA, ELES ESTÃO AQUI! ACORDA POR FAVOR! POR FAVOR LEVANTA! ELES VÃO MATAR TODOS NÓS! -Lina grita em meio ao caos enquanto segura seu bebe que chora por causa do choque da explosão.
A primeira coisa que Jonas consegue ver ao recuperar seus sentidos é seu filho Cain se arrastando pela areia em sua direção e vários barcos fechando suas portas, depois ele vê o sangue espalhado pela areia, ele vê barcos partindo e alguns sendo afundados pela artilharia, ao se virar ele vê o rosto de sua esposa gritando em desespero e os caçadores pacifistas conjurando suas magias de sangue, invocando armas de sangue, transformando membros em armas e mutações violentas, enquanto os caçadores mais ao fundo puxam feras grotescas e demoníacas presas a correntes, prontas para serem liberadas, aquelas margens logo seriam manchadas por um massacre unilateral.
-NÃO! NÃO ERA PRA SER DESSE JEITO! NÓS ESTAVAMOS TÃO PERTO! -Gritou Jonas, pela primeira vez em muito tempo sentindo o mais profundo medo. -NÃO PODE ACABAR ASSIM! POR FAVOR!
Se recusando a aceitar a morte Jonas pega sua esposa pelo braço e corre em direção ao Cain, agarrando-o do chão e correndo para o barco antes que se feche, ele, sua esposa e seu filho se espremem e lutam contra outras pessoas para chegar mais perto do barco e conforme as portas se fecham as pessoas estendem suas mãos clamando por salvação, enquanto outras pessoas de dentro do barco estendem suas mãos para tentar ajudar aquelas que ficaram para fora.
-POR FAVOR PELO MENOS LEVE MEUS FILHOS! EU LHE IMPLORO! -Clamou Jonas com toda sua força enquanto levantava Cain e sua filha recém nascida para as mãos que se extendiam para fora do barco.
-NÃO DEIXE QUE ELES MORRAM AQUI! ELES MERECEM MAIS DO QUE ISSO! MERECEM UMA VIDA MELHOR DO QUE ESSA! UMA VIDA SEM MEDO! UMA VIDA SEM SANGUE! POR FAVOR! -Gritou Lina através das lágrimas, para que salvassem o que ela tinha de mais precioso.
-MÃMÃE! PAPAI! POR FAVOR NÃO! NÃO QUERO DEIXAR VOCES! NÃO QUERO PERDER VOCES! -Cain gritava entre lágrimas, com medo de perder as duas pessoas que significavam o mundo para ele.
Uma das mãos foram capazes de agarrar Cain, talvez seja sorte ou talvez seja azar, mas apenas Cain foi puxado, antes que pudessem puxar o bebe as portas se fecharam por completo e o barco partiu para o rio em direção a Askat. Essa foi a última visão que Cain teve de seus pais, a visão deles o erguendo para que fosse levado, com seus rostos manchados em desespero e sangue enquanto caçadores e feras se aproximavam por trás e então o apenas o som do genocídio sendo cometido naquelas margens, que aos poucos diminuía conforme o barco se afastava. Cain não tinha mais palavras, tudo que era capaz de fazer era chorar e chorar e chorar, até que não tivesse mais energias para tal. Tudo que ele podia fazer agora era fechar os olhos e orar para os Deuses que tudo aquilo fosse um sonho ruim, que ele ia acordar em casa e tudo estaria bem, apenas um sonho ruim, apenas um sonho ruim, apenas um sonho ruim. Então foi isso que fez, adormeceu depois de não conseguir chorar mais.
-Ei, Cain! Cain a gente chegou. Ou Cain seu otario a gente chegou! -Essa mesma voz irritante, eu já ouvi ela antes -CAIN ACORDA POHA! A GENTE CHEGOU SEU MERDA!
Com esses gritos e insultos Cain acorda assustado, olhando ao redor pra perceber que esta no trem para grande cidade de Breaton e que eles já chegaram ao seu destino, enquanto os passageiros saem, Cain leva seu tempo para acordar enquanto encara seu amigo que claramente esta ansioso para explorar a cidade, um jovem adulto, moreno de cabelos cacheados, um físico forte, não muito alto e um sorriso carismático.
-Relaxa Abel, foi só uma cochilada. Você ta muito emocionado pra nossa nova cidade, é só ir tranquilo que a gente domina esse lugar rapidão. -Disse Cain em um tom relaxado e bem confiante -Foi assim na última, pode ter certeza que vai ser assim nessa também. -Ele termina sua frase com um sorrisinho confiante
-Emocionado é o caralho, eu estou quase explodindo cara. É oficialmente nossa primeira grande cidade e você ta só ai coçando saco, acorda caralho a gente ta evoluindo, essa cidade vai deixara gente poderoso pra caralho. -Abel fala entusiasmado, como se fosse uma criança com seu brinquedo favorito. -Alias Cain, você tava fazendo umas paradas meio estranhas enquanto dormia, tava sonhando com o que?
-Ah...não foi nada, nem lembro do sonho direito. -De novo Cain solta seu sorriso confiante- Deve ter sido só um sonho ruim.
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Noite de Caça
AdventureOs homens receberam dos deuses a benção de sangue, que se tornou uma maldição. Aqueles corrompidos pelo sangue retornam como feras e para combate-las a humanidade criou os caçadores. Homens e feras, dois lados de uma mesma moeda, uma guerra escrita...