Lucas
Já havia se passado uma hora desde que cheguei em casa e ainda não havia contado a notícia para a minha mãe. Deitado na cama, olhei para o relógio na parede e resolvi finalmente levantar.
-Mãe - Chamei caminhando em direção a sala.
-Oi Lu
- Perdi em 4 matérias - Lancei logo na lata, não havia motivo para prolongamento.
- Poxa Lu – Ela conteu a expressão de desapontamento – Mas não se preocupe, você vai recuperar. Não se cobre tanto. - Eu não estava me cobrando, estava apenas me odiando.
- A professora te chamou pra uma reunião - Disse entregando o comunicado – Vou ficar de recuperação.
- Ok, eu irei. - Ela suspirou e forçou um sorriso de canto. Eu sabia que ela não havia ido trabalhar hoje, sabia que estava mal também, porém o meu egoísmo não me permitia ceder algo, eu só dava mais problemas a ela, afinal.
-Não fiz comida hoje, vou pedir uma marmita - Ela disse, confirmando que sim, ela estava mal.
-Eu peço mãe- Isso seria uma forma de ceder algo? Talvez.
- Obrigado filho. - Ela deitou novamente, o que deixou meu coração apertado. Estava claro que nenhum de nós dois estava bem, e isso me entristecia de uma maneira absurda.
Andei até meu quarto e tranquei a porta, meu espaço, meu lugar especial. Lembrei da garota que eu havia visto mais cedo, entrando no orfanato. Ela era baixinha, tinha um cabelo meio liso, meio encaracolado. Acho que a palavra certa seria: ondulado. Por que eu estava pensando nisso? Dane-se a garota, eu nem a conhecia então por que estava pensando nela? Lembrei novamente, ela tinha um chaveirinho de ursinho pendurado na mochila, era meio desengonçada e agitada também, ela me olhou por um momento e eu olhei de volta, mas desviei o olhar. Ela tinha uma beleza diferente, talvez eu havia a achado fofa, não sabia, só sabia que ela havia me atraído de alguma forma. Contanto, isso não importava, seria só um pensamento passageiro, e talvez um mês depois eu a veria na padaria ou na porta da sorveteria pelo bairro, e apenas ficaríamos em silêncio, como sempre acontece. No que eu estava pensando? Por que isso importava? Levantei e peguei a guitarra, ela me fazia esquecer de tudo, de todos os problemas.
Ouvi a campainha tocar
- Já vai! - Minha mãe gritou
- Saí do quarto obrigado, minha mãe odiava que eu não cumprimentasse as visitas. Ouvi de longe uma voz escandalosa, por sorte ou azar eu já sabia quem era.
- Oi meu sobrinho lindo! Como está grande, por acaso come fermento? Hahaha – Ela gargalhou.
- Oi tia – Dei um sorriso de canto, fingindo achar graça de sua piada ridícula.
- E aí Marcela, como vão as coisas, estão melhores por aqui?
- Estão indo irmã, estão indo. - Minha mãe disse segurando em meu ombro. Senta aí, vou pegar um suco para você.
- E você Lucas, como vai na escola?
- Vai mais ou menos tia. - Respondi, estava exausto demais para conversar sobre isso.
- Aqui está o suquinho.
- Obrigada Cela. Bom, queria aproveitar este momento para dizer que eu sinto vocêes muito abatidos aqui, eu sei que está sendo difícil e sinto muito pela sua perda, mas talvez seja melhor vocês se mudarem e recomeçarem sabe, seguirem em frente. - tia Suze disse, fazendo eu me contorcer de raiva e me controlar para não gritar. Ela não sabia de nada, não tinha a mínima noção.
- Meu pai não morreu! - Eu disse me levantando – Ele está desaparecido, é muito diferente. E nós não iremos simplesmente esquecê-lo, ele vai voltar e eu sei disso. Até lá, nós vamos estar aqui, esperando por ele.
Ela me olhou com piedade ao ver meu desespero e concordou com a cabeça.
- Sim meu bem, você está certo.
Mamãe abaixou a cabeça. Já me bastava, pedi licença e fui para o meu quarto.
Estava chorando a quase 1 hora. Sim, eu estava triste, muito triste. Mas idaí? quem se importava? Além disso não tinha como relaxar sabendo que o papai poderia estar em qualquer lugar por este mundo, sozinho ou perdido, ou talvez sendo comido pelos urubus, bem longe daqui. Já faziam 5 meses que esse pensamento me atormentava, eu só queria poder descansar disso, eu só queria poder me sentir bem. Porém esse vazio já existia quando o papai ainda estava aqui, seu sumiço só fez com que tudo piorasse, e com que cada gota de sorriso que me restasse fosse embora de vez. Minha mãe também estava mal, é claro. Mas eu sentia que eu estava pior, talvez não existisse lugar neste mundo para mim, talvez eu não pertencesse mais a este lugar. Em meio a tantos turbilhões de pensamentos, finalmente fechei os olhos e dormi.
Acordei com os gritos da minha mãe em plenas 7 da manhã, e certamente não curti muito isso, levantei obrigado e de cara feia. Imaturidade sim? Mas eu certamente ainda era meio imaturo mesmo. Talvez quando eu completasse 18 anos tudo melhoraria.
Tomei café, peguei meu skate e fui pra rua. Normalmente essa era o meu único rolê fora de casa durante a semana. Avistei aquela garota, de cabelos curtos e ondulados olhando pela janela do orfanato. Eu gostaria de poder conversar com ela, pensei comigo mesmo, porém isso nunca aconteceria, no máximo o que faríamos era nos encarar, afinal eu não era interessante.
Ignorei estes pensamentos e segui andando de skate, senti ela me observar enquanto andava, o que me constrangeu um pouco, o que era normal já que tudo naverdade me constrangia.
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Teen FictionLucas (16 anos) é um garoto solitário e depressivo que almeja o retorno de seu pai desaparecido. Eudora (14 anos) é uma garota órfã, porém extremamente alegre e criativa. O que se dará deste encontro? Juntos impedirão um crime, e descobrirão o prim...