Priscila

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Durante o caminho eu estava pensando sobre como contaria pra minha mãe a "novidade". Eu sabia que ela não ficaria brava, pelo menos não demonstraria.
- É um máximo não é?- Carlos disse, interrompendo meus pensamentos.
- O que ?
- Somos veteranos agora! Ano que vem vamos poder zoar o primeiro ano, assim como faziam com nós.
- É verdade...somos do segundo ano agora.- Eu não era ainda no caso.
- O melhor são as férias, dois meses sem precisar ir pra escola. A galera da sala combinou de sair no final de semana, você vai?- Eu nem ao menos sabia sobre essa saída, ninguém havia me convidado antes.
- Não, prefiro ficar em casa.
- Ah tudo bem, mas vai ser divertido.
- Sabe de uma coisa bastante divertida também?
- O que?
- Vou ficar de recuperação.- Minha intenção era afirmar isso tranquilamente, mas minha voz acabou transmitindo um certo pesar.
- Que saco cara.. - foi tudo o que ele disse.
- Pois é.
Nem me esforcei pra continuar um diálogo, Carlos não era meu amigo de verdade, nossas casas só eram perto umas das outras, e somente isso. Ele só falava comigo por pena, talvez.
- Esse orfanato é bizarro- Disse Carlos ao chegarmos na esquina onde nos separávamos e cada um seguia o seu caminho.
- É mesmo.- Disse o observando, quando um carro estacionou em frente a ele.

Eudora

- Orfanato estrela celeste, correto senhora?
- Isso mesmo moço, obrigada. Vamos Dora?
Saí arrastada do banco do carro. Por sorte, o sentimento de estar prestes a enfrentar o desconhecido não me assustava, já havia passado por ele várias vezes. Enquanto andávamos em direção a entrada, ouvi a voz de um garoto, ali próximo. Ele conversava com outro, que para a minha estranheza, se encontrava encapuzado com o seu moletom. Imaginei que ele poderia estar prestes a desmaiar, pois o dia se encontrava o mais ensolarado possível. Voltei o meu olhar a entrada do orfanato, que aparentemente, o seu exterior não tinha nada de celeste. Entrei com tia Clara e o interior também era escuro e bizarro comparado aos outros orfanatos em que eu estivera, exatamente como eu temia. Cumprimentamos a diretora do orfanato, pelo que entendi seu nome era Sandra e era dona do Estrela Celeste a 10 anos.
- Eudora Almeida, 14 anos, certo ? - Ela disse
- Isso mesmo.- Respondeu tia Clara.
- Nós temos 4 esquadrões aqui: o primeiro é o das crianças recém nascidas até 4 anos, o segundo é o das crianças de 5 a 8 anos, o terceiro o das de 9 a 13 anos e a quarta o das de 14 a 17 anos.
- Estou na quarta então, ótimo. - Eu disse tentando formar um sorriso. Eu estava no esquadrão das crianças mais velhas, ou seja uma das com menos chance de ser adotada, não era bem algo a se comemorar.
- Eu mostrarei os quartos, você pode vir comigo Eudora.
- Me chame de Dora, por favor.
- Sem problemas, Triz. E você Clara já pode ir, ela está em boas mãos a partir de agora. - Eu realmente esperava que sim...
- - Ok, então vou indo. - Tia clara disse ao olhar pra mim e me abraçou:
- Você ficará bem, sentiremos saudades.
- Eu também sentirei, adeus tia Clara.
- Adeus. - Ela me olhou antes de sair da sala, seu olhar exalava pena ou ressentimento, porém não me importei.
- Vamos Dora?
- Vamos.
Peguei minha mochila e a acompanhei , eu realmente esperava que as minhas colegas de quarto fossem legais. Apesar de tudo, eu estava animada para conhecer pessoas novas. Passamos por 4 quartos diferentes até chegar ao meu novo lar ambulante.
- Esse é um dos quartos mais espaçosos, você vai gostar!
- Isso é bom - eu disse sorrindo
- Meninas, essa é sua nova colega de quarto, Beatriz. A recebam com carinho por favor. - Tia Bruna disse enquanto abria a porta do quarto.
Olhei em volta e me deparei com 5 expressões mortas e desprezíveis, como se debochassem de minha chegada.
- Elas não parecem muito simpáticas...- sussurrei para tia Bruna que reagiu me empurrando para frente e dizendo:
- Você vai se acostumar, vai lá! - falou e saiu. Refleti sobre tamanha incompetência, se eu por acaso fosse uma garota antissocial, morreria sendo forçada a estar nesse tipo de situação. Porém por sorte, eu não era. Apenas sorri para todas que ali me olhavam com suas caras de pano de chão sujo e molhado estampadas.
- Oi, me chamo Dora.
Ninguém respondeu. Andei até a cama vazia que ficava no canto direito do quarto e coloquei lá a minha mochila.
- Essa cama é a da Priscila. - Disse uma garota alta, de cabelos luminosos que aparentava ter uns 17 anos aproximadamente.
- Ah, eu não sabia, desculpa. Mas então onde ela está?
- Ela foi adotada.
Olhei incrédula e sem entender o contexto da situação.
- Então... o fantasma dela dorme nesta cama ? - Ri
- Não, maluca. Olha aqui, é o seguinte: você não vai roubar o lugar da Priscila ok? Se manda daqui.
Eu começava a entender o porquê desta problematização, e eu não estava gostando.
- Olha, eu não quero roubar o lugar de ninguém. Eu nem sei quem é Priscila! A única coisa que quero é uma cama pra.... dormir.
- Bom, não vai ser essa. - Ela riu em conjunto com as outras meninas que ali estavam.
Por fim, desisti.
- Okay, espero que a sua amiga "fantasma" tenha uma boa noite de sono. - E saí triunfalmente carregando minha mochila até o quarto ao lado.

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