A liberdade na razão e no sentir; no bom e no mau; no simples fato de: ser 🌷

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O clarão danado da minha janela de vidro insiste em alcançar minhas pálpebras — que ainda permanecem devidamente fechadas — e dançam em suas paletas de cores amarronzadas na superfície vendada que sou possibilitada enxergar

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O clarão danado da minha janela de vidro insiste em alcançar minhas pálpebras — que ainda permanecem devidamente fechadas — e dançam em suas paletas de cores amarronzadas na superfície vendada que sou possibilitada enxergar. Abro os olhos, rendida, e vou em direção à luz que me acordou. O vento fresco beija minha pele assim que abro a janela, me permitindo sentir o perfume da nova estação: verde, doce, fresco, aconchegante — primaveril. É palpável a alegria sentida por essa nova manhã, não é à toa que ela mesma não se controlou e resolveu me acordar, somente para exibir-se e mostrar-se finalmente nova, agradável e brilhante. É tempo da natureza vestir-se de diferentes cores e matizes.

"Que ansiosa você é, primavera, me acordou antes mesmo do relógio".

Apesar da satisfação em vê-la cheia de alegria, sinto inveja, porque sei que eu mesma nunca seria tão bela e convidativa como ela, muito menos tenho a empolgação cativante. Ela sim, e até mesmo me cativa, me alegra, mas nunca vi essa alegria verter-se de mim, eu mesma nunca me cativei. Desço ansiosa — ainda vestindo apenas um pijama de florezinhas e meu chinelo rosinha — escada abaixo, ignorando o elevador porque acho que esse dia merece ser aproveitado em cada passo dado, não posso ficar um minuto parada. Não demora muito até que eu chegue ao térreo do condomínio, afinal, minha casa fica no 2º andar. Por ainda ser cedo, vejo alguns homens e mulheres correndo apressados para fora, ignorando a existência do porteiro, com suas roupas formais e celulares grudados no ouvido, com seus rostos fechados num completo desdém aos gritos de atenção da primavera. Direciono meus passos até uma árvore dançante ao som sussurrado e ritmado do vento, e noto um pequeno galho nu espetando o ar. Observo atentamente suas estruturas e me choco ao perceber que somos parecidos. É uma nova estação, mas ele continua nu, ferindo inutilmente o ar alegre dessa nova manhã, numa apatia rançosa perceptível. Talvez essa atitude fria seja involuntária, ele também pode ser vítima do acúmulo exaustivo da vida.

"Ô, galhozinho, eu te entendo, viu?"

Demonstro compaixão por ele, porque eu de verdade o entendo. Por mais que eu admire essa estação com todo o meu coração, nem ela é capaz de me tirar da morbidez de ser quem sou. Estou sempre enclausurada dentro de mim. De repente, um medo indomável me toma por completo, e até ignoro as carícias invisíveis da brisa gostosa dessa manhã. É tão difícil me analisar, entender o profundo que há em mim; como a intuitiva que sou, sinto que há um vasto recinto aqui dentro, nunca antes descoberto e perscrutado. Portanto, encontro um obstáculo antes da porta principal, e me sinto na mesma hesitação de algo que tenta ultrapassar a barreira em frente, mas é impedido por uma força que toma a posse de tudo. O medo que me invade teve como estímulo principal o meu próprio olhar: tenho medo de mim mesma, medo do que posso descobrir. E mais uma vez, me encontro perdida no meio do caminho, numa tentativa falha de desvendar os meus próprios mistérios, como uma aventura numa assombrosa e densa floresta. Fui enganada mais uma vez? Me disseram que seria libertador.

"Não é comum ver uma pessoa de pijama na área externa às 7h da manhã com a atenção vidrada numa árvore".

Uma voz grave e suave que ecoa atrás de mim me corta dos meus devaneios, instigando o arrepio leve da linha das minhas costas até o casco escondido por meus fios. Desvio minha atenção da árvore à minha frente e viro-me para o sujeito dono da voz arrebatadora. Ele é alto, de corpo magro e perfeitamente contornado, que me olha de cima com seus olhos curiosos e cortantes, tão cortantes quanto os cílios pontudos que caem retos por cima das íris cor de amêndoa. Suas mãos estão escondidas na calça preta e larga, de cós preso na camisa cinza, calçando um chinelo confortável de apenas duas tiras da mesma cor que a calça. As mechas castanhas das laterais de seu rosto — que possuem ossos perfeitamente delineados — estão presos em um coquinho atrás, parecendo um samurai, mas um samurai muito gato, viu?! Pelo que pôde ser percebido, eu examinei ele da cabeça aos pés.

Primavera encarnada; KTH Onde histórias criam vida. Descubra agora