In aerem

163 38 25
                                    


  Tain olhou pela milésima vez para aquele homem habilidoso e quis sorrir. Mas não fez.

Ele sabia fazer qualquer coisa e sabia andar em qualquer lugar. Ele era como uma luz ofuscante lhe cegando a cada ponto do caminho e ainda assim Tain podia ver uma enorme sombra ao redor dele.

Triste.

Ele era uma pessoa triste.

Mas ele era bom, se não fosse já tinha tentado algo mal com ele, mas não era o caso.

Aquele homem lhe dava comida várias vezes por dia e o ajudava a atravessar as partes iluminadas e embora Tain as odiasse, ele fazia por um motivo ainda confuso.

Foi um longo caminho entre coisas secas e molhadas. Entre a escuridão protetora e a luz perigosa. Foi um longo e exaustivo caminho, mas Tain via que ele sabia quando ele estava cansado, ou com fome, ou querendo dormir.

Não precisavam falar, ele... Sabia.

E toda vez que Tain acordava, ele já estava acordado. Na verdade... ele parecia não dormir.

— Tain está confuso, Lúcifer não dorme?

Perguntou em certo momento quando eles atravessaram outro rio, de mãos dadas, sempre. Ele prometeu não soltar e não soltava mesmo.

Tain sentia cada vez mais que podia confiar nele.

Ele só lhe respondeu do outro lado, quando ambos já estavam seguros nas sombras da floresta. Ele lhe olhou e Tain viu muitas coisas dentro daqueles olhos. E não eram coisas boas, mas parecia... um lugar onde Tain já esteve uma vez.

Um lugar extremamente doloroso e horrível.

— Estamos chegando em uma parte profunda e segura da floresta, aqui ninguém nunca mais vai te encontrar, tem plantas comestíveis seguras, animais e rio. Vou construir uma cabana boa e cortar bastante lenha. Você vai ficar bem.

— Não foi isso que Tain perguntou.

Insistiu, ele respirou fundo e lhe deu as costas:

— Eu não quero mais viver nesse mundo, Tain. Eu estou no mais profundo poço e continuo caindo. Há sangue de inimigos em minhas mãos e ainda assim parece que só piorou tudo. Não há razão, só sombras. Não há motivos...

— Você tem luz, você é Lúcifer - Rebateu um pouco ansioso. Não queria aquela pessoa falando assim. Tain foi até ele e segurou uma das mãos com as suas duas, mesmo que isso lhe praticamente obrigasse a ficar quase de pé – Você tem motivo. Não desista.

— Eu já desisti.

Ele se voltou para Tain e havia certeza ali.

Tain deixou as mãos cair, palavras estavam longe, não eram o caminho, mas Tain esteve lá e sabia qual era o caminho.

Ele não podia deixar Lúcifer cair outra vez e não sabia exatamente o porquê, mas só não podia. Ele lhe trouxe até um lugar melhor, Tain devia fazer o mesmo, para sempre.

Ergueu os olhos e viu ao longe uma montanha. Alto... Céu.

— Me leve até lá!

Pediu apontando para o local e ele lhe olhou confuso até que acabou sorrindo:

— Lá tem luz.

— Tain sobrevive.

— Por quê?

— Tain quer ir lá, mostre o caminho.

— Tain é uma criaturinha muito voluntariosa e confusa.

LúciferOnde histórias criam vida. Descubra agora