In terra

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— Eu não vou entrar!

— Temos que atravessar para o outro lado!

— Não!

— Tain!

— Tain não vai! Tem luz!

Ele apontou teimosamente para o céu e Tor evitou de suspirar. Claro, não havia folhagem sobre o rio largo, mas era o único caminho.

Se voltou para o serzinho encolhido ao seu lado praticamente colado na última árvore grossa a margem do rio e se agachou tentando soar o mais tranquilo possível:

— Ninguém vai machucá-lo comigo ao seu lado. Sou o dobro do seu tamanho, sou o melhor escudo, melhor do que árvores presas no chão – Estendeu uma mão e diminuiu ainda mais o tom de voz – Eu não vou te soltar e vamos juntos para o outro lado.

— Muita luz.

Ele repetiu amuado. Tor assentiu:

— Mas existem sombras na outra margem, será por pouco tempo, eu prometo.

— Tain não quer ir.

— Tor não vai soltá-lo.

Disse do mesmo jeito, em terceira pessoa, tentando se aproximar da mente perturbada, mas ainda assim frágil. Estavam juntos há horas e tinham saído da área pantanosa a pouco tempo, a lama ainda estava úmida em sua pele, ele queria desesperadamente água limpa, mas sabia que para seu companheiro de viagem, não era algo simples.

Nem mesmo algo mediano.

Era difícil, extremamente difícil e por isso ele decidiu que seria paciente como nunca foi em sua vida tão ou talvez mais perturbada que a do pobre ao seu lado.

— Feche os olhos e eu te levarei pelo rio.

— Se trair o Tain...

A voz dele era de aviso, frieza e medo. Tor assentiu:

— Tor não faria isso.

Então, depois de mais um longo tempo de hesitação, ele estendeu os dedos esgrouvinhados com unhas afiadas e Tor pegou a mão sofrida a segurando com firmeza e tentando passar confiança.

Os ossos eram tão esqueléticos que ele teve medo de quebrá-los e por isso relaxou o aperto pensando em tudo o que deve ter acontecido com aquela pessoa para que ele chegasse naquele estado.

Sempre havia alguém mais miserável e aparentemente a vida estava esfregando aquela verdade na sua cara. Suspirou quando ele fechou os olhos e por fim, muito lentamente, muito vagaroso ele seguiu para o rio levando aquela pessoa junto como um cuidador de um chipanzé levava o animal para passear no zoológico.

O rio era profundo em certo ponto, mas com isso ele não se preocupou, sabia que a pessoa ao seu lado nadava muito bem e de fato ele pareceu aliviado quando a água cobriu seu corpo por inteiro. Água barrava a luz e a luz para aquele serzinho era obviamente o inimigo mais temido.

Tor nadou lento contra a corrente fraca e por fim chegou aonde dava pé outra vez. A mão continuava na sua e por isso ele não se voltou para trás, ele só seguiu firme até de volta as sombras das copas selvagens da margem oposta.

Finalmente ele soltou o pequeno serzinho e se voltou para ele pronto para dizer que ele estava vivo e seguro, em algum tipo de brincadeira leve ou algo próximo disso, mas as palavras ficaram engolidas por seu assombro.

A sua frente se encontrava uma pessoa sem lama, sem sujeita ou escuridão de tanto tempo. O cabelo longo agora estava para trás, pois com certeza em uma tentativa de tirar os fios lavados dos olhos, ele acabou liberando seu rosto para o mundo outra vez.

LúciferOnde histórias criam vida. Descubra agora