Diário de bordo, Harry Anderson. 14/02/1845
Querido diário de bordo, logo ao começo de minha escritura, peço-te mil perdões, por invadir meu antigo convés e o roubar para mim. Saibas que acabo por ter mais ternura por ti do que por qualquer outro..., qualquer outra pessoa, ou qualquer outro diário, ‘Ora, por quê?’ tu te interpelas... E lhe respondo, com afago, caro e dispendioso diário de bordo! Ao mar, eu vivo, respiro e sorrio, porém, em terra, eu choro, me ofego, e arrefaço. Adentro deste soberbo barco, sou mais do que um apreciador de romances... Adentro deste barco, meu cordial, eu sou um romancista. Como um marinheiro, um verdadeiro amante de seu trabalho, — ou um lunático, como outros me apontam —, não me mantenho em terra firme, de forma alguma! Por ordens superiores, e só por elas, sou mandado de volta a minha cama em terra firme, tal qual não balança como um berço, com a intensidade de um calmo mar azul durante a noite... Tal qual não me cheira a madeiras molhadas, tal qual não me assusta, com o medo, — ou talvez, o fetiche — de que este barco possa enfim virar, e obrigatoriamente, — como uma salvação indescritível, que até meu querido confrade, Alex, não poderia explicar com suas palavras românticas — eu ser lançado ao mar, de uma forma que não possa mais retornar. Estou ao lado de fora do barco, sentado sobre as areias frias, tenho uma jangada ao meu lado, e hoje, o mar está agitado, bastante, por sinal. Será saudades minhas? Oh, mas como poderias continuar a me despedir sem citar-te, querido amigo? Alex, meu companheiro eterno, minha querida e única companhia aos meus choros românticos. Lhe conheço há tanto tempo, que me opus a ti... Não tens tido tempo para mim, desde teu noivado! Mas peço-te perdão, pois fui eu mesmo quem se afastou. Recobro-me, ligeiramente, — pois jamais poderia esquecer — nossa última troca de palavras, meu querido amante de penas e tintas. Me lembro, escritor, de teu presente, um último desejo, e tudo que eu mais precisava.
Digo aqui, em sua presença, diário, coisas que talvez não tivessem ficado claras a ele, em nosso último debate romântico, — por teu curto tamanho, e poucas palavras por minha parte — dia em que me despedi sem explicações... Dia 1 de fevereiro, um ano atrás, durante a festa do Príncipe Damien... Eu o vi ao longe, Alexander, em passos dançarinos, e em seus olhos, eu notei uma busca por um amor incondicional, em suas bochechas, enxerguei os morangos doces que se escondem em seu coração, e em seus lábios, um sorriso encantado, e pela primeira vez, em toda minha experiência de vida, vi-te surpreendido, fascinado... Por fim, aproximei-me, em passos apressados, pois minha curiosidade me consumia. O Príncipe, como sempre, chegou antes de mim, e finalmente vi quem dançava com ele, o próprio. Parei, em meio ao meu trajeto. ‘Um homem sábio não deve ser interrompido.’, pensei comigo, e obviamente, pensei que estivesse a dar conselhos, pois tuas metáforas sempre foram respostas para minhas questões românticas, apesar de sua própria falta de experiência no ramo. Incrivelmente, me surpreendi mais ainda durante aquele festejo, teu rosto, mais avermelhado que nunca, enquanto, — uma vez a cada trezentos anos — o Príncipe o aconselhava enquanto ambos dançavam, que incomum... Alex não dança muito, e na presença de outro homem! A astúcia e audácia de Damien provavelmente o envenenaram... Arregalei-me aos olhos, e decidi imediatamente, descobrir o que lhe afligia ao peito.
Ao chegar, senti um toque másculo sobre meu peito, que me afastava aos poucos, e deixava Alex para trás, que levava seus olhares para outro lado, sem me ver. Seguindo meus olhares por aquele braço, notei a presença real de nosso amigo em comum. ‘Não o atrapalhe,’ ele me disse, ‘por uma vez, o romancista irá provar de seu próprio veneno.’ e novamente, fui afastado por mais um pouco, para que não pudesse ter-me a sua visão, apesar de ter em meu coração, a vontade de lhe apoiar. Aquela frase ficou em meus pensamentos, e enquanto me afastava, olhei para o outro lado da festa, e em meio a tantas dançarinas, uma musa, quase perfeita, sentada, a espera de alguém digno de teus movimentos artísticos, e talvez, com muita sorte, teus lábios. Corei, e me surpreendi ainda mais ao notar que aquela era a intenção de minha pena.
‘O embebedou, Damien?!’ perguntei, em desespero.
‘Ele se jogou numa taça de vinho tão doce quanto ele, por sua própria vontade. Deixe-o, Harry.’ me respondeu com um sorriso, que logo se esvaiu, em um olhar de preocupação.
O vi soltar-me, e despedir-se com um aceno de sua cabeça... antes que pudesse o perguntar, o vi se virar. Tentei distrair-me, com licores que estavam a cima da mesa atrás de mim, enquanto o Príncipe me deixava sozinho, novamente. Eu o observei afastando-se de mim, e não só de mim, como de todo o baile. Ele seguiu pelo corredor, e tive a intenção de o seguir, mas tinha em mente que algo estava para acontecer, e eu não era nada mais do que um expectador. Pois, em meio a um baile, nunca fui de aproximar-me de mulheres, e meus confrades mais queridos encontravam-se ocupados. Olhei uma última vez para o corredor, e notei uma musa movendo-se, puxando seu vestido para que não caísse, ela corria, com uma máscara sobre seu rosto, em direção ao corredor que Demian havia seguido. Sorri, e então, saí pelas portas dos fundos ao terminar minha taça, e dei a volta no jardim. Não muito longe, ouvi vozes e risos, e claro, diário, não tive tanta curiosidade, uma vez que tudo isto é comum para com uma festa, principalmente, uma festa do Príncipe. Porém, em uma das frases, senti-me perfurado ao peito, com uma flecha vermelha, a voz era inconfundível, e sim, meu querido parceiro de viagens navais, — o qual anoto todos meus pensamentos além dos negócios — era meu colega, Alexander. Olhei por detrás do muro, e o vi dançar com alguém, mas aos poucos, se afastar. Colocou tuas estalfadas mãos sobre as rosas mais belas do jardim, e vi-te escolher uma e arrancá-la do solo. Senti sua presença, e tenho certeza que sentiu a minha. Me afastei, não quis atrapalhar seus momentos íntimos, os quais eu invadia por medo, medo por ele. Enfim, ao limpá-la, ele a entregou para aquela jovem, e oh, como era belo... O dono de escrituras finalmente não estava a fazer arte para os outros, e sim, para si. Teu sorriso era gigantesco, assim como teu amor fervente. O ouvi em um flerte, e confesso, diário, que senti pequenas gotas de chuva caírem abaixo de meus olhos, pois alfim, pude sentir a felicidade de meu mais querido amigo.
Sorri, por uma última vez, e me afastei ao ver teu selo aos lábios da musa. Com aquele mesmo sorriso, desci as escadas, andei pela grande estrada de pedras a frente da mansão, e atravessei as ruas, e andei por aquele solo frio e escuro, iluminado pela magnífica lua, e suas amigas não tão brilhantes, as estrelas, sem, de forma alguma, olhar para trás. Alexander estava amando, e eu também. Porém, diferente dele, todos podiam observar o meu amor, a minha lua. Entretanto, de forma alguma, eu poderia me enciumar por isso, és tão magnífica, que seria impossível parar de brilhar para que pudesse ser somente minha. Pocima, pus meus pés em uma superfície mais macia, e ouvi um som um tanto engraçado, arrepiei, e vi meus sapatos esmagarem a areia. Parei meus olhares a grandiosa lua, e voltei a amar meu companheiro líquido, o mar, e sua grande extensão oceânica.
Essa memória é uma das minhas preferidas, querido diário de bordo, e claro, uma das mais profundas, assim como o mar. Sentei-me numa das pedras mais próximas do mar, e coloquei meus pés para baixo, lançando-os às águas gélidas daquela noite de festejos. Apesar de todo aquele frio, tive um prazer extraordinário, como se estivesse em contato com a pessoa que mais amo..., e junto a ela, em visão de todos, sem que me julgassem por meus desejos, sem que me chamassem de imoral, ou amaldiçoado. Enquanto tocava as curvas imparáveis das águas salgadas que jogavam-se a costa da praia, observei os movimentos lentos de minha lua, vagamente se deitando. Naquela noite, mal pude perceber, mas perdi totalmente meu sono, em um prazer único, de poder sentir e amar, ao mesmo tempo. Tocar algo que não posso segurar, e ver algo que não posso guardar, mas que sempre poderei ver ao elevar meu olhar. Em piscadelas pesadas, — e apaixonadas, devo admitir — adormeci, sobre uma dura pedra, faltando apenas poucas horas para o fim da noite, e o início da manhã.
Com o levantar quente do sol, abri meus olhos, e as águas não mais tocavam meus pés com carinho, mas com um pouco de agressividade, me molhando com força, mas sem irritar-me com isto, eu ri. Ri de minha situação, que guardei ao peito..., e guardei o amor, que não pudera entregar as minhas duas amantes, e em um levantar da pedra, seguido de uma escorregada desajeitada, corri pela praia, em meio a risos honestos, e sorrisos verdadeiros, como uma criança, vendo pela primeira vez, o mar. Elevando areias ao ar, com meus chutes imprecisos, sentindo a brisa quente da manhã se misturar com o frio de minha velocidade, e enfim, me jogar as águas, boiar-me, e descobrir por fim, meu maior sentimento, a minha paixão ardente, que queimava meu corpo, sem a menor dó!
Por minha sorte, era um dia de folga, não teria trabalho. Normalmente, sinto-me triste com tais notícias, pois ficaria longe de seus toques gélidos e salgados, querido mar... Portanto, naquele dia, fiquei sobre as águas marinhas, enquanto o sol se manteve sobre os céus azuis. Enfim, a noite deitou-se sobre a terra, e assim, deitei-me sobre o cais. Lá, enxerguei a lua, e sorri a ela, como se passasse o dia com um amor, e a noite com outro. Infelizmente, isto me tornava um infiel, alguém que não merecia nenhuma das duas amantes. Depois daquela noite, me afastei do mar, e passei a fechar os olhos ao deitar do sol. Acabei me afastando do trabalho graças a um choque de realidade, porém, pelo conhecimento de meus superiores sobre meu desempenho, deixaram que eu tirasse uma folga, tão longa quanto necessária. Durante 8 meses, me distanciei de tudo que amava, meus amigos, minha pena imparável, meu mar, e minha lua. Dessa vez, me senti afogado, no entanto, não pelos amores de minhas águas salgadas, e sim, pelo meu medo, e minha decepção amorosa, vinda de meus atos infiéis, e minha indecisão para com quem devo dar todo o meu amor. Dia 5, do mesmo mês, me levantei para meu escape de meu covil, iria em busca de comida, embora não estivesse me alimentando como deveria, mas ao me aproximar da porta, recebi uma carta, que passou por debaixo da tábua de madeira que abria passagem para minha saída. A carta era uma daquelas que sempre juntei a mesa, e ignorei pelos meses, cartas que continham perguntas, e afetos que eu tentava afastar de mim. Entretanto, aquela ação era um tanto recente, e naquele dia, eu enfim abri uma carta, a que havia recebido, e nela, continha apenas uma pequena frase... ‘Abra a porta.’
Em meio a receios, elevei minha mão a maçaneta. Aqueles que vivem sem amor, deixam de viver, e apesar do receio, mesmo que fosse um assassino a minha porta, não iria mais me incomodar em abrí-la. Girei minha maçaneta, e como se estivesse indo encarar a morte, a abri, erguendo meu olhar para o que estivesse a minha frente... Mas me assustei mais do que pensava. Era uma moça, uma bela moça. Baixa, branca, e com cabelos negros e um tanto curtos. Ela me olhava aos olhos, e em minha mente, não havia motivo algum por ser visitado por uma musa tão bela... Seus modos eram impecáveis, vestia um vestido belo e azul claro, ambas as mãos estavam na frente de seu ventre, e com elas, agarrava as alças de uma pequena bolsa. Vi-me em ilusão, e pisquei diversas vezes, enfim, elevei meu olhar aos dela, mas notei na bela musa uma expressão de preocupação... Fiquei calado, pois senti-me a presença de uma rainha, a qual eu não poderia dizer nada sem sua permissão. Ela me reverenciou, e tentou forçar-se a sorrir. Olhando a mim, moveu seus belos lábios, respirando fundo, e com seu suspiro um tanto sensual, ela começou. ‘Com sua licença, senhor Anderson.’ ela disse, ‘Sou Clarissa, noiva pertencente ao meu pertence, Alexander.’ dizendo isso, ela olhava as cartas sobre a mesa, elevou sua cabeça, como uma dama, e me olhou novamente. Finalmente, percebi quem eras, a moça que antes cativou minha pena, e agora, noivos, senti-me surpreso, para não dizer assustado, novamente. ‘Se não deu-se tempo para ler as escrituras de meu noivo, não serei eu quem o contará o segredo.’ a musa sorriu, e como era assustador, uma beleza tão avassaladora!
Após a ouvir, em todas suas palavras que me pareciam ordens da realeza, me posicionei, curvando-me a ela, e enfim, a respondendo. ‘Perdoe-me, senhorita, por minha insolência e falta de coragem a ler as cartas de meu amado amigo.’ a clamei e pude ouvir um riso, ‘Se não vieste aqui para contar-me segredos, veio cobrar-me para que os descubra ao ler?’ dei um sorriso, mas vi o dela se desfazer, em conjunção a um movimento negativo produzido por sua cabeça. Parei, naquele instante, e com meus olhos, implorei por sua resposta. Ela me olhou aos olhos, e novamente, ao chão. Sorriu para mim, e por mais uma vez, me espantei. ‘Alexander, que homem de sorte!’ eu pensava, mas logo, meus pensamentos foram interrompidos por uma tosse forçada por ela, e com aquele sorriso falso, ela me disse ‘Estou preocupada com meu noivo, e muito, aliás!’ em seguida, perguntei a ela o motivo, e sua resposta fora um pouco mais séria, enquanto me encarava com todo aquele ar de preocupação. ‘Oh, senhor Anderson! Teu afastamento, não és óbvio? Oito meses, ele me diz todos os dias, oito meses! Meu noivo tem enviado cartas, porém a falta de respostas o deixa abismado! Venho a sua residência, implorar-te um único favor.’ ela parou, enquanto eu tentava entender toda aquela preocupação, mas ao vê-la a minha porta, apenas me entristecia mais! Uma inveja boa, eu diria! Alexander, meu velho amigo escritor, teve a sorte de achar alguém que se importe o suficiente para chamar a atenção de teus colegas, como uma rainha. Ela olhou para os lados fora de minha porta, e logo, se aproximou, quase adentrando a minha casa. ‘Encontre-o, hoje a noite, certo?’ ela não esperava minha resposta. ‘Quero vê-lo sorrir, assim como a ti, pois como um próximo de meu futuro marido, tens minha empatia!’
Tudo aquilo era querido demais para mim, mesmo tendo recebido cartas, nenhum afeto era igual ao que perdi de minhas duas amadas. Mesmo assim, consegui entender facilmente a paixão de Alexander, e balancei minha cabeça a ela, e a respondi, que sim, iria neste tal encontro. Ela deu de ombros, e pronta para sua delicada partida. ‘Na costa, sabes onde é, não? Prometa que irás! Pelas 7 horas esteja fora de sua residência, hoje!’ ela me pressionou, e mais uma vez, concordei. ‘Prometa, de dedinho! E se não for, tirarei satisfações!’ e com isto, entregou-me seu menor dedo da mão direita, o qual agarrei com gosto, com o uso do meu. ‘Eu irei, eu prometo.’ por fim, ela sorriu, e com um suspiro, despediu-se, ‘Então, sinto-me descansada. Um adeus por breves momentos, senhor Anderson. E sinta-se convidado pela própria noiva ao seu casamento!’ disse, dando finalmente suas costas, para que enfim, eu pudesse fechar a porta. Diário, nada dói mais ao peito que teu coração se despedaçar! E em seguida, ver a artista que pisou ao teu peito e fez uma obra com teu sangue. Senti-me como se fosse rever uma antiga companheira de lençóis, e encarar o passado, com o peito machucado, e pernas trêmulas, é como a morte. Entretanto, tive muito mais medo de ser suplicado pela noiva de meu maior amigo caso não fosse o ver. Reergui-me naquele momento, e pela musa de meu amado escritor, vesti-me bem, cuidei de mim mesmo, por uma última vez. E quando a lua chegou aos céus, saí de minha residência. Lembrei-me da promessa de nunca mais olhar para o céu durante a noite, pois não teria coragem de encarar a amada que iludi.
Ao caminhar pelas ruas de minha cidade, evitei elevar o olhar acima de minha cabeça, e para esquecer que aquela que eu machuquei estava sobre mim, iluminando meu caminho, recobrei-me, naquele momento, que havia deixado as cartas de lado, para que não descobrisse o tal segredo que tanto me apoquenta, assim, talvez, fosse ter uma surpresa que poderia trazer de volta os sentimentos ao meu peito gélido e abandonado por mim mesmo. Durante a passeata, mal tive algum estímulo que pudesse animar-me, apenas poucos pensamentos sobre meu consorte que não via há séculos! Ainda olhando ao chão, notei a diferença do solo, e mais uma vez, aquele som engraçado das areias esmagadas pelos meus pés veio aos meus ouvidos, porém, junto deste som, o mar rugiu a minha presença, o que me fez gelar por um momento... O rugido impediu-me de ouvir mais, porém, ouve uma terceira movimentação sobre as areias, e por fim, um abraço que lançou-me ao encontro com o arenoso solo. ‘Harry!’ soergui o olhar, e finalmente, vi aquele rosto sorridente a mim, o escritor mais gélido de meu conhecimento, aquecendo meu coração frio e morto.
Ainda surpreendido, fui levantado por ele e sua destra cansada, como sempre, dura pelos calos. Apesar de um escritor, conhecedor de uma variedade imensa de palavras para tocar nossos peitos, ele, o maldito, e bem amado, literato, não conhece a palavra "descanso". Me arrastou, puxando-me pelo braço, como uma criança em vontade de mostrar algo ao seu pai, ou neste momento, guiando uma criança, como eu me sentia, em relação a aquele amor caloroso, quente o suficiente para aquecer meu peito gélido que tinha se escondido por tanto tempo. Diário, por mais uma vez, devo dizer-te pois ele jamais deixará de ser o maior amigo que eu pudera ter em uma ou mais vidas! Sentados, sobre as pedras onde brincávamos quando éramos jovens, repousamos de nossos dias inquietos, e perdi meu medo, de encarar minha antiga apreciadora, o mar. O encarei, com sombrancelha rígidas, enquanto novamente, recobrava-me de meus atos bifrontes.
O som do mar era calmo, seu bater de ondas era frágil aos meus ouvidos, e a cada palavra dita pelos lábios irreais do pélago faziam-me carminar às minhas bochechas. Ao olhar — sem desviá-lo — para o mar, a vi, minha amante, dançando com suas luzes tímidas sobre as águas salgadas de minha esposa. Tocava incessantemente sobre meu pulso direito, arranhando-me, como se suportasse a sedução de ambas as belezas naturais. Todo este tempo, calados, me fazia refletir, mas enfim, levei meu olhar para algo que pedia minha atenção, minha pena, Alexander. Seus olhos, eram os mesmos de sempre, eu suponho, entretanto, havia algo complexo naquele olhar, um olhar maduro, mais experiente, havia um sorriso bem curto aos lábios, enquanto observava também, minha antiga musa. Logo, ele respirou fundo, e ergueu melhor seu corpo ainda sentado. ‘Qual sua resposta, Harry?’ ele me perguntou, do incrível nada. E me confundi, suficiente para o perguntar sobre o que falavas. Ele riu, e provavelmente, sabia que não havia lido suas cartas, abaixei meu admirar aos meus sapatos, sujos pela areia que prendia-se aos pequenos buracos do calçado. Ele me olhou, colocando sua mão mais próxima ao meu braço, o apertando, e enfim, aproximando seu rosto... Usava óculos, os quais não usava a não ser em questões muito necessárias, e naquele olhar, além das lentes, percebi mais uma vez a evolução de meu colega, diferente de mim, um abandonado, um lunático.
‘Tua noiva me assusta,’ eu disse, ‘É esbelta, e seu olhar é poderoso, senti-me na presença da rainha! E como ela me colocou contra a parede! Alexander, um maldito sortudo, eu lhe digo, aproveite-se, e ame, ame mais do que eu possa oferecer, pois ela, em poucas palavras, provou-me que seu amor por ti é maior do que o oceano.’ Alexander ouviu-me sem dizer nada, com um sorriso na face. Olhamos juntos o mar, mas percebi seu dilatar de pupilas. ‘Tu tens um grande amor por ela, huh?’ perguntei, e obviamente já sabia sua resposta. Entretanto, algo me batia, eu sei bem que suas palavras são verdadeiras, mas quis ouvir dele, e olhar em seus olhos, e sentir sua verdade amorosa invadir o meu peito ciumento.
‘Enorme, caro amigo. Maior do que o oceano, e mais profundo que essas águas que nos referimos.’ ele disse, sem mover seu olhar, enquanto eu observava cada movimento. ‘Não poderia, de forma alguma, me apaixonar mais por outra, ninguém se compara a minha rainha.’ ele me olhou, nossos olhos se cruzaram, e pude sentir seu amor atingir-me ao peito, como uma flecha vermelha. Este era o mesmo olhar que me deu quando nos conhecemos, crianças, amigos de longa data. Ele ergueu a sombrancelha em um sorriso maroto, e em poucas palavras, me perguntou, ‘E tu, querido marinheiro? Há alguém que lhe balance o peito como as águas do mar?’
‘Querido amigo,’ suspirei, ‘Ninguém me balança como ondas como ela, mas ninguém me ilumina como a outra.’ sorri, forjando-me, ‘Estou indeciso, e em meio a indecisão, perdi-me em todo o curso, olhei para a outra, tão longe, enquanto uma me molhava aos pés sempre que me aproximava.’ quis chorar, mas senti sua mão mais uma vez, agora sobre meu ombro, olhando para lua, e em seguida, para o mar, tossi, e enfim, chorei. ‘Eu me apaixonei pelo mar, mas o trai em olhares para a lua.’ ele não me respondeu, ‘Eu sou um lunático, Alexander! Um mal amado, que ama o que não pode apenas me amar! Pois nunca encontrarei alguém como a ti, minha pena.’ fui puxado, e abraçado por ele, que com suas pequenas mãos cheias de calos, alisou minhas costas, com alguns tapas leves, toques que só o vejo dando a sua máquina, ou a pena, quando faz tua arte. ‘Um lunático, huh?’ ele riu ao meu ouvido, ‘Somos todos lunáticos, meu querido, por amor, somos loucos, sem remédios. Deixe-me dar-te o maior conselho que já recebi, tal qual mudou minha vida.’ ele me soltou, e olhou para o mar, que agora, calmo, refletia a luz da lua. ‘Passe teu tempo em observação, Harry. Olhe a elas, olhe as águas, olhe as luzes, não são opostas inimigas, são companheiras no amor, e se deixaram-te se aproximar de ambas, e desfrutar, é um amor. Não é uma traição, quando pode-se amar as duas, como as duas se amam, e te amam. Esta é a magia do amor, querido marinheiro... Não há um limite.’ ele sorriu, fiquei curioso, pois nem mesmo me perguntou se eu estava falando a sério, e por fim, disse-me mais, ‘Cativou-se por elas?’ ele riu, e não entendi no momento do porquê. ‘Escute, jovem dominador de ondas e apreciador de luzes tímidas e brancas, estas são aquelas que lhe roubaram o coração. Ou o pegas de volta, ou se entrega completamente!’
Perplexo, não o respondi, mas me pus em pensamentos quase eternos, e em seu rosto, percebi que apenas mantinha seu sorriso maroto, tendo noção de meus questionamentos, e aparentemente, confiava em minhas confissões sobre amores para com entidades tão distantes de minha carcaça humana. Ele virou-se para mim, novamente, e com um suspiro, me disse ‘Bom, isto tu tens tempo, e tenho certeza que nem a lua ou o mar vão desistir de ti, ainda mais um esbelto marinheiro!’ deu-me um soco ao peito, ‘Eu tenho para ti, uma questão bem mais imediata, querido domador de águas salgadas... Minha musa disse-me que negou-se a contar-te sobre o pedido secreto, uma vez que desrespeitou-me ao não ler minhas cartas!’ ele riu, enquanto a culpa arrastava-se sobre minhas pernas, subindo com suas unhas que me perfuravam, ‘Harry, meu mais antigo amigo, mais querido, juntamente de nosso amigo da realeza irreal, tenho-me guardado com tal pedido que ignoraste antes, e agora, terás de me responder a face!’ parei de pensar sobre minha lua e meu mar, e o encarei com curiosidade, o segredo estava próximo de sua revelação, tanto que abri meus lábios, e abri levemente a boca em conjunto, o olhando com tanta precisão, e o vi ajoelhar-se em apenas um joelho, estendendo sua mão direita. ‘Vós-me-cê, Harry Anderson, aceitaria ser meu padrinho de casamento?’
Perplexo, por mais uma vez, hesitei tocar a sua mão estendida, mas ao olhar dele, senti o amor que tinhas por ela, e sabia que enquanto aqueles olhos brilhassem no escuro da noite, ou detalhassem a luz do dia, eu poderia viver em meio ao amor. ‘Sim, mil vezes, sim.’ forjei-me a emoção, como se fosse a noiva, e em um riso curto, segurei a sua mão, e em um aperto, o levantei. Rimos por um pouco, e por fim, ficamos a conversar durante toda aquela noite, alfim, vi a lua descer, e se deitar sobre o mar lentamente, ‘Vá se despedir, marinheiro. A verá mais tarde, mas como quer que ela se sinta querida se não notas sua partida?’ com um semblante de seriedade, encarei a luz tímida da lua, que se escondia em sua outra amada, que também tinha meu coração, o oceano. ‘Até logo, querida lua.’
Por fim, ficamos apenas mais um pouco, e ao longe, Alex notou a presença de sua rainha, e não poupou esforços a se levantar e correr a ela. Parecia brava, é claro, passou a noite fora sem um bilhete. Ela se aproximou, e me reverenciou mais uma vez, tendo agora em mente, que sim, eu havia cumprido o combinado. Encerrando toda aquela conversa, Alexander decidiu, com a concordância da futura esposa, ter um casamento num lugar diferente, a praia. Ela concordou em partes, caso não houvesse tanta areia para incomodar seus calçados e seu próprio vestido, estaria tudo bem. Em conclusão, eles se foram, e como fiz a lua, me despedi de meu mar, tocando-o com poucos três dedos, e indo para minha casa em repouso.
Voltei a visitar o mar, e anotava minhas experiências em papéis, como antes aconselhado, comecei a notar o amor entre ambas as entidades, e como me amavam de volta, me senti em um triângulo amoroso, o qual, os três amam os três. Passou-se quatro meses, e mesmo com a minha reaproximação com meus queridos amigos e minhas duas amantes, meu coração ainda pedia por algo a mais. Era dia 1, de Fevereiro, o mesmo dia em que um ano atrás, eu descobri meu verdadeiro amor, assim como Alexander. Me lembro bem daquela noite. Naquela inesquecível noite... o casamento aconteceria, em meio a praia, num lugar com menos areia possível. Vesti meu melhor terno, e tomei apenas uma taça de vinho tinto, para que pudesse, ao menos, sentir o mínimo do amor que ambos exalam ao se olharem. Aprendi com Alexander, que o vinho, juntamente de rosas e velas vermelhas, poderiam me conectar mais ao amor, e ao fazê-lo, estava mais do que pronto.
Saí de casa com confiança, era o padrinho, enquanto o Príncipe, o financiador. Em meus passos olhei ao céu alaranjado, que aos poucos se tornava mais escuro, o suficiente para que precisasse de minha futura esposa para o iluminar. Aos poucos, ouvi os chamados de minha outra paixão, o bater de ondas, misturado com um toque gentil sobre as cordas de um violino, com um som deslumbrante, o que obviamente, teria sido uma obra em conjuto do Príncipe e a noiva. Devagar, me aproximei da praia, que aparentava ter sido tocada por instrumentos de jardinagem, haviam alguns símbolos pela areia, longe da passagem que tínhamos até a doca, a qual era um pouco larga e longa, algumas cadeiras aos cantos — tais quais eram tão recobráveis a minha memória, cadeiras de um jardim um tanto fabuloso, o qual abrigou o primeiro selo das estrelas da noite —, e um espaço ao meio, o suficiente para a passagem da noiva.
Adentrei-me naquela celebração, e com toda a minha melancolia e todo meu amor, olhei por tudo, arrastando meus olhares pelas areias, mas finalmente, os encontrando nos mares, sorri a minha amada, e ergui a cabeça para a lua. Logo, ao longe vi Alexander, um tanto trêmulo, talvez, nervoso. O ofereci um pouco do vinho que carregava em um cantil, mas claro, fui negado com facilidade. A espera foi longa, e Alexander acabou por aceitar apenas um gole, a celebração teve seu início logo em seguida, e como um bom padrinho, estive ao lado do noivo por todos os momentos, o acalmando, e lançando aqueles pensamentos pessimistas para o mais longe possível. Todos estavam sentados, familiares e amigos mais próximos... Passando meus olhos por cada um, notei uma moça, elegante, a qual eu conhecia bem, a mãe do noivo, sentada ao lado de uma cadeira vazia, e por tal, supus que era o lugar de seu falecido pai. Como Alexander, era muito bela, e era incomparável com qualquer outra donzela de sua idade. Ouvi aquela melodia, e instantaneamente, olhei para Alexander, ‘Philip?’ ele negou com a cabeça, e por detrás de mim, senti uma mão ao ombro.
‘Olá, Harry.’ ouvi a voz do mais amado musicista. ‘Alexander, meu querido amigo, meus parabéns... peço perdão por não ser aquele que trará a música para o teu amante coração.’ ele sorriu, e se afastou lentamente. Novamente, acredito que tenho algum poder sobrenatural, em sua voz, senti a falta, senti a tristeza, era como se toda a felicidade estivesse concentrada em Alexander, que tremia ao meu braço esquerdo, abraçado em mim. Philip, enquanto se afastava, e sentava-se, notei que estava sozinho, a cadeira ao seu lado, ocupada por uma pessoa que eu não conhecia, e provavelmente, ele também não. Mesmo assim, algo mais deslumbrante roubou a atenção, — não só a minha, como a de todos — a entrada da noiva ao lado de seu pai, que usava um terno chique. Ela desfilava como a maior modelo do mundo, sobre o chão cheio de pétalas, fazendo pequenos estrupos com sua passeata sobre as madeiras da doca. Subiu ao altar, que a sua volta, tinha buquês com grandes variedades de flores brancas, os pilares, aos lados, tinham diversas flores, e finalmente, à cabeça de ambos, o casal, foram dadas duas coroas de flores, aquilo me dava a impressão de um dia no campo.
O pai da noiva parou, e antes de entregá-la ao altar, encarou Alexander, o que me fez congelar por um momento, seu rosto mantinha a expressão furiosa, e por uma vez, deu um sorriso papalvo, balançando sua cabeça, em respeito ao noivo, e dando espaço para o casal e sua celebração. Aquele que iria abençoar a junção de ambas as almas já estava lá, e aos poucos, ia proferindo as palavras mais presentes em casamentos. Apesar de meu tédio, a felicidade de meu amigo atiçava toda a minha curiosidade, e com olhos famintos encarei-os, e ouvi todas as palavras, para afinal, ser declarado que agora, a noiva falaria. Em suas mãos, havia uma rosa, vermelha como sangue, e com ela a altura do peito, esticou os braços, a entregando as mãos de Alexander, que a segurava, e por isso, ela segurava as mãos dele. ‘Meu único, e amado, Alexander,’ ela iniciou, e com isto, meus olhares curiosos grudaram-se nela. E apesar de toda a atenção estar vidrada na noiva, Clarissa não desviou olhares, e com todo o seu amor, e um sorriso verdadeiro, continuou suas falas, ‘não possuo o dom na arte das palavras como ti, amado... e confesso-te, que fiquei dias tentando encontrá-las em meio à emoção que brotava em meu peito todas as vezes que pensei que seria tua em matrimônio.’ ela deu uma risada, aparentemente envergonhada, mas confiante. ‘Lembrei-me de quando conheci-te, diferente de todos aqueles que me propuseram danças, apenas aceitei tuas mãos aos meus quadris... todo aquele tempo, após nossa separação no jardim, não pude parar de pensar, pensar em ti, em tua rosa, e teus selos tão tímidos.’ ela olhava para baixo, onde suas mãos se encontravam envolta das mãos dele, ‘Até que... recebi tuas cartas, e meu coração explodiu em amores, e me lembrando disto, para este dia tão especial, para nós dois...’ ela olhou para ele, nos olhos, ‘percebi a realidade, e os fatos, o amor e a alegria que tenho por ter-te por perto, e mais, por ser meu! E claro, eu ser tua, e somente tua, são indescritíveis.’ Alexander não tirava os olhos dela, e por uma das poucas vezes que vi aquela expressão, quando lia poucos trechos de outros que o agradavam, Alexander sentiu-se atraído, por palavras que não eram suas. ‘Não há verbos, adjetivos ou metáforas que representem com veracidade o que ocorre dentro de meu peito quando tu me olhas, o que ocorre na pele quando tu me tocas, e o que ocorre na minha mente quando sequer penso em ti.’ ela continuou, e aos olhos de meu amado escritor, vi pequenas lágrimas. ‘Eu te amo, com todo o meu coração, com toda a minha alma, e com todas as minhas vidas..., meu querido, e único, Alex, amarei-te por todo o sempre.’
Sem precisar das falas do mestre da comunhão, o escritor pôs-se a falar, ‘Clarissa, minha rosa sem espinhos, minha rainha sem coroa, e minha amada, sem aliança.’ ouvindo aquelas palavras, eu o encarava, e aos poucos, me afundava em suas falas, o que me fez encarar o mar, e nele, o vislumbre da luz luar, ‘Em toda minha carreira, e não só a ela, como em toda minha vida, trabalhei com palavras, desde aquelas aventurescas, até as mais românticas...’ por culpa do escritor, perdi-me, e o ouvia, com tamanha precisão, que pudera aos poucos, sentir teu amor, e o transformar em meu. ‘Sempre me mantive sobre o controle de minhas obras, como se escrever um romance não afetasse meu peito, e diferente de muitos, não costumo ler, caso palavras não sejam de meu agrado. Tu, mais do que qualquer um, senhorita, atingiste-me ao peito, com palavras tão simples, sobre alguém tão simplório.’ ao meu lado, estava Demian que suspirava, sofrendo de amores — eu tinha certeza —, mas o mar, mais uma vez, roubou minha atenção, assim que virei-me para o olhar, notei algo que fizera-me olhar de volta para o Príncipe em um único segundo. Ele olhava para o chão, trêmulo, suspirando pesadamente, ele chorava... ‘Passei minha vida a admirar artes, pintadas, escritas e cantadas. E dentre todas as musas, maravilhosas, intactas, e que nunca irão envelhecer, adentro de quadros, eu nunca pensei que olhos humanos, e frágeis, como os meus, fossem abençoados para que eu pudesse vislumbrar uma deusa, fora de seu trono, em um festejo que de longe era de seu agrado.’ Alex continuou, e tanto eu, quanto Demian, voltamos nossa atenção a ele, enquanto ria de sua frase. ‘Meu caminhar, saindo de perto de musas pintadas, para próximo de uma verdadeira musa viva, nunca foi tão assustador, mas eu nunca quis tanto correr na minha vida inteira, somente para ouvir uma das palavras mais doces saírem de seus lábios, os lábios mais belos que botões de rosas...’ e como ela, olhou a sua mão, a alisando, e sorrindo, logo, olhando-a nos olhos, ‘Agora, eu digo-te, que contei cada suspiro que dei a espera de finalmente encontrar-te num altar, para que pudesse ver-te num vestido branco como este, e que pudesse, por mais uma vez, beijar-te, e sentir, além do toque, o desejo de nosso amor. No fim, não tenho nenhuma palavra que chegue aos pés das tuas, e desta vez, és minha romancista, e tens meu amor eterno, como as chamas em meu peito, acesas pelo seu beijo.’
Como se o mestre não mais suportasse esperar, para que pudesse, enfim, abençoar um casal tão amável, terminou seus mandatos, e por fim, ambos seguraram a rosa, em um símbolo de seu amor, a rosa que os lembrava o início de sua paixão inacabável, e no fim ‘Pode beijar a noiva.’ um selo foi dado, e assim, um amor selado a mindinho, uma relação quase perfeita, e aos meus olhares, pude ver águas salgadas, mas nos meus olhos, tentando me comparar a minha amada água marinha. A partir daquilo, uma festa se iniciou, e após os meus parabéns serem dados a eles, afastei-me, sobre a mesma pedra a qual havia dormido há um ano, sentei-me, e apesar de todas as palavras de meu amigo, eu não poderia me juntar a elas, não era digno, e minha matéria não permitiria. A culpa de uma traição se foi, mas ao seu lugar, se estabeleceu a baixa autoestima, que me botava no meu lugar mortal, e junto de minha alma amante, estava preso um coração depressivo.
Eu estava desolado, e por detrás, Alexander se aproximou de mim, em suas mãos, a rosa abençoada por seu amor. Sentou-se ao meu lado, quieto, enquanto junto de mim, observava os mares. ‘O que houve?’ ele perguntou, e respondi que não era nada, novamente, ele se calou, e eventualmente, se levantou, entregando-me a rosa. ‘Não posso aceitar!’ clamei, ‘Deves morrer em suas mãos, Alex!’ ele me negou com um movimento de sua cabeça, e pressionou a flor contra meu peito, até que eu pegasse. Me olhou, de cima a baixo, e sorriu, ‘A rosa uma vez me contou ao ouvido, marinheiro, que sua cor é o amor, que sua cor é o sensualismo, e que sua cor, é o desejo. Com ela, querido amigo, dou-lhe o desejo, um desejo que possa gastar como quiser, contanto que tenha amor por ele. Assim como tive um ano atrás, e fui atendido. Peço-te que não desistas de teus amores, e com essa rosa, se conecte a eles.’ Ele deu as costas, e começou a andar de volta para a festa, mas antes que se afastasse de mim, o chamei. Ele me olhou, com um sorriso, e se aproximou de mim. ‘Em troca disto, peço-te meu desejo. Se eu morrer, antes de ti, Alexander, como sempre te pedi, me romantiza, me faz algo, como tuas incríveis obras.’ ele riu, se aproximou de mim, e tocou ao meu peito, empurrando novamente a rosa. ‘Não gastes teu desejo com uma suposição, mas atenderei teu pedido, sem que gastes sua magia. Supondo que morras antes de mim, por que eu deveria escrever sobre algo que é triste a todos?’
‘Pois, o que há de mais romântico que a vida, senão a morte, não é, romancista?’ ri, e em um abraço, nos despedimos. Alexander, por sua vez, olhou me uma última vez, tocou em minha nuca, e encostou nossas cabeças ‘Estaremos sempre juntos, Harry.’ finalmente, ele juntou-se com sua esposa, e passaram o resto da noite em festanças, enquanto eu, me afastei por um pouco, voltei a pedra, e suspirei em sofrimento... Olhei a rosa, e senti-me como um criminoso que pagou os anos na cadeia, e por fim, fora solto. Os ares gélidos da noite batiam em meu rosto, como a liberdade de minha alma. Encarando o mar, ouvindo suas palavras doces em suas ondas salgadas, mal pude ouvir o som das areias tocadas pelos pés humanos.
‘Harry.’
‘Sim, Damien?’
‘Tu também estás apaixonado.’
‘Damien, eu li as cartas que me mandou. Eu peço perdão por me afastar por tanto tempo, e nem mesmo ter a empatia contigo sobre teus amores. Em troca disto, eu peço que... procure por mim, algo que seja um resquício de mim. Olhe-a, Príncipe, aos olhos. Sem máscaras.’ Sentamos juntos, como dois apaixonados, com inveja boa de nosso companheiro, tão feliz. Juntos, suspiravamos por alguém, e juntos, decidimos enfim fazer nossa última jogada. ‘Eu irei vê-la, Harry.’ ele disse, e eu concordei. ‘Irei dá-la meu amor!’ eu concordei, e deixei de olhar o mar, assim que ele tocou meu rosto.
‘E tu?’ ele perguntou, e por fim, olhei para a rosa em minhas mãos.
‘Entregarei todo o meu amor a isso.’ ergui a rosa, ‘E a entregarei diretamente com minha alma para a quem eu amo.’ apertamos as mãos, e enfim, me despedi da festa, deixei meu Príncipe, e deixei minha pena.
Diário, oh, diário de bordo... Esta foi a última vez que conversei com meus queridos amigos, e guardo em minha memória todas as palavras proferidas naquela noite. E neste momento, em minhas mãos, depois de 13 dias, tentando ao máximo evitar a morte desta rosa, carrego seus restos, que acredito que ainda contenham sua magia. Estou com cada pétala a minha mão, e uma jangada pronta para meu despedir, e agora mesmo, a derrubo sobre o mar, e desejo com todo o meu coração ‘Que eu possa me libertar de meu coração melancólico, e juntar-me com a alma amante para com minhas duas entidades tão amadas.’ Deixo sobre ti, um bilhete, e com um selo sobre teus papéis, me despeço de ti também, deixo vós-me-cê sobre esta rocha, e tenho certeza que será entregue ao seu novo dono. Agradeço-te, por tudo, e agora, deixo-te. Amo-te, diário de bordo.
[Anexo ao diário de bordo, Harry Anderson]Deixo para ti, meu querido amigo, o meu companheiro de viagens. Por favor, sei que não chego aos pés de sua magnitude, amado escritor, mas o leias, com teu peito, e o imagines dito por mim. Esta é a despedida que eu te devia, portanto, agradeço-te por tudo. E devo te alertar, cativei-me por ambas, e como a ti, entrego-me completamente, e aceito meu fim, ao lado de quem amo. E não esqueci-me do Príncipe, de forma alguma! Uma surpresa o aguarda abaixo de seu nariz, mas em breve ele deverá notar isto. Bom, isso é tudo, querido, mas não esqueças-te,
O amo, querido, e único, Alexander.
Diário de bordo, Alexander Winry Marie, 25/04/1845
Passaram-se 2 meses e 11 dias desde o desaparecimento de Harry, — o qual eu temo saber o porquê — tenho lido e relido este diário por dias, e finalmente, abusei de seu uso, peguei minha pena, e agora escrevo sobre ele. Harry, meu grande amigo, deixou-me ao mundo, mas tenho certeza que sua despedida fora muito bem orquestrada por teus pensamentos, desejos que tinha que seguir, pois, sem o amor, sentiu-se deprimido, e no fim, achou a forma perfeita de se juntar àquelas que ama, deixando a casca que o prendia para trás. Estou em um barco, minha esposa se encontra nos aposentos adentro deste passeio, está enjoada, talvez barcos não sejam de seu agrado, entretanto, não pude deixar de vir aqui.
Lembro-me com prazer, quando Harry trouxe eu e o Príncipe para este mesmo lugar no meio do mar, onde se pode ver a cidade nos seus dedos, e as montanhas nos polegares. Tenho encarado as águas salgadas por um bom tempo, e aqui, também foi o local o qual a marinha encontrou os restos de uma jangada... Mas sem um corpo. Acredito que aqui está a alma de meu querido amigo, submersa, presa, dentro deste corpo que queria tanto se livrar. Acredito nisso, pois não vi a lua sorrir, as estrelas dançarem por uma nova companheira, e os mares cantarem, por teu amor surfar as suas ondas em alma. E como dizem, espíritos se prendem a um último desejo, que se não atendido, os prende para sempre. Como um amigo, deixei de molhar teu diário com gotas d'água salgadas, caídas de meus olhos, para o mergulhar no verdadeiro oceano. Mas não somente isto, atendi teu pedido, teu último pedido, que o questionei antes de teu último abraço, e aqui... ‘Lhe entrego a tua salvação, meu amado marinheiro.’ e com isto, lanço esse diário ao mar![Anexo a última página do diário de bordo]
The Ocean of My Heart
Harry Anderson, o marinheiro
Sobre minha jangada, remo, com pedaços de madeira que uso como remos! O mar, desta vez, não está calmo mas mesmo assim, seus movimentos gélidos são mais sensuais e atraentes do que qualquer movimento de quadris femininos. Sobre suas águas salgadas, eu remo, e me empurro ao local que me encontro com reminiscências, momentos os quais passei amando e me apaixonando cada vez mais com o mar. Neste lugar, olho para cima, e lá está ela, a amante do mar, e dona de meu coração, em divisão com o oceano, a lua.
Finalmente, deito minha cabeça sobre as madeiras mal amarradas da jangada, e tenho de admitir, nunca me senti tão quente, como se estivesse coberto, e minha cabeça estivesse a repousar sobre um travesseiro fofo. Respirando fundo, pisquei lentamente, e senti ao longe a morte me olhar, ao invés de rir de minha situação, ela abaixou a cabeça, em respeito a minha decisão. Fechei meus olhos, por uma última vez, e sussurrei ‘Eu estou pronto.’ os sons das águas salgadas, agora eram mais intensos e presentes, suspirei, e repeti, ‘Eu estou pronto.’ sussurrei, e a luz do luar, antes tímida, agora parecia-me uma luz forte, como a do sol...
Repeti, então, em alto som, como se gritasse, ‘Eu estou pronto!’ e por último, os sons pararam, não senti superfície alguma, até que fui, mais uma vez, iluminado a frente, como um abraço, e os braços gélidos e salgados abraçavam minhas costas, ao longe, pude ouvir uma resposta, ‘Eu sei.’ e para que eu pudesse finalmente, estar junto de quem amo, sem me prender às leis humanas e ao meu corpo depressivo, recitei ‘Meu coração..., o entrego completamente.’ ouvi, enfim, uma gigantesca onda, me levantando, e sem poder me mexer, estava ainda no abraço da luz e das águas... Não ouvi mais nada, não sofri mais nada, não chorei por nada, mas senti, por uma última e eterna vez, o amor.De Alexander W. Marie, para seu melhor amigo, Harry Anderson.
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Lover Of Her's
RomanceAlex's Diary, 31/01/1844 'Querido diário, sabes que confio em ti mais do que em todos. Queria contar-te que incrivelmente, meu coração ainda permanece gélido às minhas próprias criações, as quais conseguem sentir em teu peito, as chamas quentes d...