Capítulo 4 O Salão de Baile

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Ao descer para a copa, Ana ouviu conversas na sala ao lado. A jovem professora, curiosa, com toda cautela olhou pelo vão da porta que estavam um pouco aberta. A outra sala de refeições era luxuosa, mas não prestou muita atenção, olhou quem conversava. Era dona Eleonora e um senhor alto, que se trajava elegantemente, de maneira sóbria, um pouco à antiga. Era louro e aparentava ter sessenta anos. Ana simpatizou-se com ele. Temendo ser descoberta voltou logo para seu lugar na mesa. Logo foi servida, teve vontade de fazer algumas perguntas a Elizete, mas não teve coragem, lembrava bem da resposta que ela lhe dera na outra vez. Ao lhe servir um doce de sobremesa, ouviram uma risada na sala das escadas e foi Elizete quem comentou:
     - A dona Eleonora está subindo com o dr. Bernardo, certamente irão ver o pequeno Cirilo, depois jogar cartas até tarde na sala de jogos. Os dois têm uma amizade muito antiga. Ele vem muito aqui, para visitar nossa patroa e para ver o menino doente. dr. Bernardo é muito simpático, está sempre elogiando minha comida. Agora vou jantar. Boa noite, Ana.
     - Boa noite!
     Ana comeu seu doce rapidamente, ia subir, mas não estava com vontade de ficar no seu quarto sozinha. dona Eleonora havia subido, Elizete estava jantando e ela aproveitou para ver com detalhes a sala ou salão de refeições ao lado. Entrou cautelosamente na sala que estava encantadoramente iluminada. Candelabros riquíssimos de cristal enfeitavam o teto, quadros belíssimos ornavam as paredes, grossas cortinas bege e amarelo-claro com acabamento em marrom cobriam as janelas. Vasos de flores e plantas exóticas enfeitavam a imensa sala. No centro, uma mesa comprida de ébano, cadeiras de madeira com assento de veludo bege. Numa ponta da mesa ainda estavam os talheres do jantar recém-servido. Encantada, chegou perto, os talheres eram de prata, copos de cristais, pratos lindíssimos de porcelana e havia uma garrafa de vinho francês sobre a mesa que estava revestida de uma toalha branca de linho bordado.
     "Tudo tão lindo! Esta sala ficaria melhor com as cortinas verde musgo. Que idéia! Parece que conheço esta sala!"
     Curiosa, Ana abriu a porta à direita. Estava escuro. Entrou e acendeu a luz ao lado da porta e defrontou-se com uma bela sala de estar onde eram servidos café ou licor após as refeições. Dois lindos quadros enfeitavam as paredes, poltronas confortáveis e dois sofás de cor bege serviam para o descanso de hóspedes. Viu três mesas com grandes e luxuosos cinzeiros e, nos vasos, flores artificiais. Havia outra porta e Ana a abriu; dava para um pequeno jardim com bancos e balanços. O jardim era murado, alto. Ana lembrou de ter visto o muro do pátio. Fechou logo a porta, porque o frio era intenso. A noite escura demonstrava que ia chover novamente. Algumas revistas de moda e fofocas estavam num antigo porta-revistas. Sentiu-se atraída por aquela peça. Abaixou e não se interessou pelas revistas, mas sim pela obra de arte.
     "Meu Deus, que beleza! Do outro lado deve estar a figura da deusa Vênus."
     Virou a peça e lá estava, encantadoramente, a deusa Vênus a lhe sorrir misteriosa, desenhada em relevo no cobre da peça, como a lhe dizer:
     "Até que enfim você novamente para me dar valor."
     Passou a mão admirando a peça e a virou dando realce à deusa.
     "Parece até que esta peça já foi minha, e que gostava muito dela. Lembro-me que ganhei de presente de alguém muito querido. Bobagem! Só a achei bonita."
     Colocou as revistas novamente no lugar e resmungou:
     "Seria interessante se pudesse levar estas revistas para meu quarto. Mas não posso levá-las sem autorização e agora não tenho a quem pedir."
     Apagou a luz e saiu. Voltando ao salão das refeições, escutou um barulho e se escondeu atrás de uma cortina. Elizete tirava os talheres resmungando. Quando ela saiu rumo à cozinha, Ana suspirou aliviada, deixou seu esconderijo, pensando em ir para seu quarto. Mas estava curiosa para conhecer o resto da mansão e abriu a porta do lado contrário àquele pelo qual entrara. Chegou numa sala pequena em comparação com as outras, mobiliada com móveis antigos e escuros e decorada com grandes quadros de paisagens. Não havia poltronas ou cadeiras, o que demonstrava que a sala era de passagem. Todas as cortinas eram iguais, no mesmo tecido, somente com acabamento mais requintado: as pontas das cortinas apresentavam bordados em dourado com pingentes da mesma cor.
     "Quantos metros de tecidos foram gastos nestas cortinas! Vestiriam dezenas de pessoas" - murmurou.
     Desta sala, passou para outra, de luxo exagerado. Dava para a porta principal da entrada da mansão. Grande, com as cortinas iguais às da outra sala. Quadros encantadores e lustres de cristal maravilhosos, tapetes combinando com as cortinas. Estava dividida por móveis em três ambientes. Tinha muitos enfeites. O ambiente da frente era mais antigo, com muitas mesinhas, sofás e poltronas verde e bege. No fundo, o ambiente mais moderno destacava um barzinho com copos e bebidas. Parecia ser a parte para visitas jovens.
     Na frente da sala, do lado esquerdo, havia uma porta grande. Ana abriu e nada viu. Com a escuridão não conseguiu achar o interruptor.
      "Onde será que se acendem as luzes desta sala?" - pensou. "Mas se acender alguém lá fora irá ver e perceberá que estou aqui."
     Entretanto a curiosidade a atiçava. Procurou no escuro e acabou achando onde acender. A eletricidade havia sido instalada na mansão fazia pouco tempo. Os candelabros à vela ali estavam e, também, lâmpadas elétricas colocadas nos cantos, em paredes e abajures.
     Era um salão de festas enorme. Algumas janelas davam para a frente da casa, outras, para o lado direito. Neste salão não havia móveis. Ana chegou perto de uma janela, afastou a cortina com cuidado e viu que dava para o jardim. Examinou o salão. No fundo, um piano de cauda sobre um tablado de madeira e, do lado direito, mesinhas e cadeiras. O assoalho era de madeira trabalhada em quadrados, uns escuros e outros claros.
      Ana examinava tudo com atenção, sem conseguir sair do lugar. Sentiu-se mal. Parecia rodar em ritmo de valsa. Viu-se toda enfeitada, com um vestido vermelho, armado, todo bordado e com um grande decote. Usava muitas jóias. Ria contente, admirada e invejada por todos os convidados. Sabia que era um sucesso. O som da música, de uma valsa, era alto e ela achava a canção muito bonita. Ria feliz e esnobava os admiradores. Festa luxuosa. O salão lotado. Sentiu-se cair no chão.
     Foi voltando ao normal, levantou-se confusa, o salão agora estava vazio e silencioso.
     "Meu Deus! Que coisa estranha! Estarei doente? Como posso imaginar isto tudo? Este ar de velharia está me fazendo mal. Parecia que estava numa festa do passado. Virgem Maria!"
     Deveria ter tido festas incríveis neste salão de baile. Ana apagou as luzes, fechou a porta, atravessou a sala principal e entrou em outra. Olhou mais uma vez para os quadros, e como sempre falou em voz baixa:
     "Quantos quadros! Quantos candelabros de cristal! Que riqueza nestas peças antigas!"
     Viu uma porta do lado direito. Forçou para abri-la. Estava trancada. Sentiu-se atraída por aquela porta. Concluiu que era a sala trancada, que Cirilo lhe falou, a dos retratos. Estava com forte dor de cabeça e resolveu voltar para seu quarto. Apagou todas as luzes, olhou o relógio na sala das escadas, era bem mais tarde do que pensava:
     "Devo ter ficado caída por muito tempo. Será que desmaiei?"
     A mansão permanecia silenciosa. Sem fazer barulho voltou para seu quarto e logo adormeceu.
     Sonhou. No seu sonho ela descia as escadas e ia direto à sala trancada. Abria a porta e olhava para uns objetos, diante de um quadro, assustava-se e levava a mão à boca para não gritar. Acordou com a mão na boca, aflita. Levantou e tomou um remédio para a cabeça que doía terrivelmente. Procurou acalmar-se, ajeitando-se na cama.
     "Que será que vi no quadro que me assustou? Não lembro! Que sonho estranho! Sonho é sonho e não se deve dar atenção. Devo dormir!"
     Mas nada de adormecer novamente. Então, começou a ouvir vozes. No começo pareciam estar longe, foram aos poucos se aproximando. Ana tremia, puxou os cobertores, colocou a cabeça embaixo do travesseiro. Nada, continuou a escutar as vozes. Não conseguia entender direito o que falavam. Orou aflita. Novamente o silêncio. Ajeitou-se no leito.
     "Estou apavorada. Vozes são de pessoas. Alguém deve ter acordado, levantado e conversado. Nesta mansão tão grande deve dar até eco. Neste silêncio qualquer voz parece fazer um barulhão. Devo acalmar-me e dormir. Mas tenho vontade de ir à sala trancada. Não sei por quê. Ainda irei lá."
     Ana estranhou, nunca foi tão curiosa. Por que será que estaria com tanta vontade de ir à sala trancada? Também começava a procurar-se com sua saúde. Estavam acontecendo fatos estranhos com ela.
     Cansada, acabou dormindo.

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A Mansão da Pedra Torta (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora