Capítulo 9 Dr. Bernardo

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Ana, apavorada, entrou no seu quarto, encolheu-se toda numa cadeira, tremia e tinha a boca seca. Só aos poucos foi se acalmando, olhou o relógio, faltava pouco para o horário do almoço. Pensou em não ir, mas não se alimentar não resolveria nada. Depois, tinha que ir à casa de Michel como prometera. Orou, repetiu preces mecanicamente, porém, mais calma conseguiu orar como se falasse com Deus. A prece, que saiu do coração, foi feita com sentimentos e isto a acalmou.
Pensou: "Fantasmas são pessoas desencarnadas que vagam. Eu vi o espírito de Alice, mãe de André. Meu Deus! Será que todos os que viveram aquele terrível drama do passado estão aqui reunidos? Estamos aqui para sermos castigados ou para nos reconciliar? E a mais rancorosa é, sem dúvida, Alice. Será que este espírito não me perdoará?"
Levantou-se da cadeira, ajeitou-se e desceu para o almoço. Elizete estava atrasada. Foi Sônia que veio lhe servir. Alegre, explicou logo:
- dra. Janice veio tratar de negócios com dona Eleonora. Estão conversando e logo virão almoçar.
- Ela ficará muito tempo aqui?
- Não. Ela me disse que irá embora amanhã cedo. Deverá ficar a tarde toda com dona Eleonora.
Ana agradeceu e pensou que dr. Bernardo estaria livre para conversar com ela. Desde que orou sentiu uma enorme vontade de falar com ele e pedir ajuda. Se Alice dissera que fora ele no passado quem predissera este reencontro, talvez fosse porque ele saberia conduzir, os acontecimentos no presente. A jovem professora sentia que ele era uma pessoa boa e que receberia ajuda e orientação dele.
     O almoço foi servido e Ana esforçou-se para comer; não queria ficar doente, já notava que, pelas suas roupas, emagrecera. Escutou vozes no salão de refeições, eram dona Eleonora, dra. Janice e dr. Bernardo, conversando animados, comentando assuntos de acontecimentos atuais.
     Ana acabou de comer, saiu, foi para a casa de Michel, e com boa vontade lhe deu a aula. Acabando, recusou o convite do menino para ir à horta, ela preferiu procurar o dr. Bernardo. Bateu na porta do quarto dele, mas ninguém respondeu. Então foi ao quarto de Cirilo, que sorriu ao vê-la.
     - Ana, entre, sinto por interromper as aulas, mas estou muito cansado. Quero aprender para ir me tratar no hospital da Europa.
     - Dr. Bernardo está aqui?
     - Ele foi até a biblioteca pegar um livro e já volta. dr. Bernardo é ótimo. Ele me trata muito bem, com carinho, mas tem umas idéies estranhas. Você acredita em sonhos? Sim - continuou Cirilo após a confirmação de cabeça de Ana. - Esta noite sonhei com minha mãe. Nos abraçamos e nos beijamos, depois ela me disse: "Cirilo, meu filho, não se chateie com seu pai, não vale a pena, dr. Bernardo e sua tia muito lhe querem. Eu o amo, estarei ao seu lado confortando-o. Logo estará morando comigo. Ore sempre. E que Deus o abençoe com todo meu amor". Desprendeu-se dos meus braços e foi se afastando. Acordei alegre, parecia que realmente eu a tinha visto. Mas "encuquei" por ela me dizer que logo iria morar com ela. Contei o sonho para o dr. Bernardo e ele me disse que provavelmente eu tinha encontrado com o espírito de minha mãe. Forcei-o a me contar o que ela tinha querido dizer ao falar que logo moraríamos juntos. Ele respondeu que eu não tinha entendido direito, que ela talvez quisesse dizer que gostaria de estar morando comigo. Mas acho, Ana, que devo estar com alguma doença grave e que devo morrer, ou, como ele diz, desencarnar logo. Não acho ruim esta idéia, ainda mais se for para ficar junto de minha mãe. Você tem medo de morrer?
     Cirilo se emocionou ao narrar o sonho e Ana o olhou com carinho, respondendo laconicamente:
     - Não.
     - Nem eu.
     Após uma leve batida na porta, dr. Bernardo entrou no quarto.
     - Os dois estão conversando animados, espero que não planejem novas extravagâncias - comentou dr. Bernardo, rindo.
     - Ciro - disse Ana -, sinto muito, acho que teve esta crise pelo nosso abuso.
     - Contou tudo ao doutor, heim? - protestou o menino. - Era segredo nosso, mas não faz mal. Não deve se culpar, tenho muito destas crises e ultimamente tenho piorado. Mas voltaremos lá. Quando eu ficar bom, iremos os três.
     - Guardo o segredo de vocês e aceito ir junto. Cirilo, me prometa não ir sozinho, pode ser perigoso - sugeriu o velho médico.
     - Se guardar segredo, prometo. Mas agora, por favor, me deixem dormir. O remédio que tomei há pouco me dá sono. Boa tarde!
     Ana ficou olhando dr. Bernardo ajeitar Cirilo no leito. O facultativo deveria ter quase setenta anos, tinha quase todos os cabelos brancos, olhos azuis e usava óculos de aro dourado e barba feita, tinha o rosto redondo e sorriso bondoso. Tinha estatura mediana e alguns quilos lhe sobravam, porém não era gordo. Ana o achava extremamente simpático, como todos que o conheciam.
     Dr. Bernardo e Ana saíram do quarto, caminharam em silêncio. Na frente do quarto do médico, ela sussurrou:
     - Quero lhe falar.
     - Não necessita falar tão baixo. Eleonora e dra. Janice estão lá embaixo no escritório conversando sobre dinheiro, certamente ficarão até tarde da noite. Entre no meu quarto, Ana.
     - dr. Bernardo - comentou a moça, logo que se sentou no sofá ao lado dele -, hoje eu vi a mãe de André, a dona Alice.
     - Acalme-se, Ana, conte-me tudo.
     Ela contou todos os acontecimentos, o médico a ouviu atento.
     - Acredito que tenha visto e ouvido Alice. Vou tentar explicar o que está lhe acontecendo. As visões que teve, desde que aqui chegou, podem ter sido por psicometria. Você com sua sensibilidade leu os acontecimentos que ficaram gravados nesta mansão. Ou foram recordações de pedaços de sua outra existência. A visão que teve no salão de baile foi tão forte que a fez desmaiar. Aconselho-a a não ir mais em qualquer lugar diferente nesta casa.
     - Dr. Bernardo, mas e Paula, a filha de dona Eleonora? Contaram-me que Alice aparecia para ela e a acusava por não tê-la deixado nascer. Será que ela ia ser filha de Paula e quando esta abortou passou a acusá-la?
     - Como se fala nesta casa! Pensei que ninguém sabia deste fato. Sim, Ana, é isto. Como sabe, nosso espírito reencarna várias vezes. Alice ia reencarnar, aproximou-se do embrião que Paula esperava, como esta abortou, Alice, inconformada, passou a persegui-la.
     - Como todos que abortam acontece isto? - indagou Ana, assustada.
     - Provocar aborto pode ser um drama violento, tanto ao organismo, como para a mente. Espiritualmente é um erro grave que pode trazer como conseqüência, sofrimentos. Quem o fez, deve pedir perdão a Deus e ao espírito que impediu de nascer e ter um propósito firme de não fazê-lo mais. Não deve se martirizar pelo remorso, e sim reparar no bem o erro cometido. Porque todos nós já erramos, o importante é depois de termos conhecimento do erro (neste caso, provocar aborto) não repeti-lo. O que aconteceu com Paula pode acontecer com muitas pessoas; no caso, ela via e ouvia, em outros casos e desencarnado age sem que o encarnado veja ou ouça, mas sofre sua influência. Se o espírito que ia reencarnar tem compreensão ao ser abortado, ele se afasta e tenta reencarnar em outro novamente. Mas, se o reencarnante for um espírito sem entendimento, ele poderá perseguir a mulher, ou o casal, por tê-lo impedido de nascer. Temos visto dolorosas obsessões por este motivo. Alice perseguiu Paula por tê-la impedido de reencarnar, mas cada caso é um caso.
     - Ela ainda persegue Paula?
     - Não, depois que Paula foi para o convento Alice desistiu. Agora, Paula, fazendo o bem, progride espiritualmente e saiu da faixa de vibração em que Alice podia obsediá-la.
     - Dr. Bernardo, ninguém sabe quem era o pai do filho de Paula. Mas eu acho que sei. Cirilo me disse que seu pai lhe contou que a namorou. O pai do filho de Paula era o sr. Raimundo. O senhor sabia disto?
- Quando Eleonora me chamou para cuidar de Paula, ela já tinha feito o aborto. Ela passou muito mal, delirou e... Você está certa, era Raimundo o pai do filho dela. Mas, por favor, não fale a ninguém, já passou tanto tempo e Paula já sofreu muito, nem Eleonora sabe disto. Namorou escondido o primo e quando ficou grávida Raimundo não quis assumir e viajou. Ela ficou desesperada e abortou. Quando se recuperou fisicamente, o espírito de Alice passou a persegui-la acusando-a de não tê-la deixado reencarnar. Paula não entendia nada de reencarnação e achava impossível ter privado a alguém de nascer. Pois Alice já havia nascido e morrido, quando Paula nasceu. Quando Raimundo casou, Paula, desiludida, achou que só no convento, orando e fazendo o bem, iria ser perdoada pelo seu crime. Ela é uma boa irmã de caridade. Aprendeu a conviver com sua mediunidade e não fala a ninguém o que vê e ouve. Mas muitos empregados da mansão naquela época viram Paula falar com Alice ou com um fantasma e, como eles não viam ou ouviam, achavam que Paula era louca.
- Ela sofreu muito - disse Ana. - Não falarei a ninguém sobre este assunto. Mas, dr. Bernardo, por que eu vi Alice?
- Você é médium. Aqui nesta casa, os espíritos podem dispor da mediunidade de Eleonora. Ela nunca quis trabalhar com sua mediunidade. E os desencarnados usam os fluidos de Eleonora para conseguir ser ouvidos e assustar algumas pessoas.
- E o que me diz de Alice ter falado que o senhor também esteve reencarnado aqui e que predisse que íamos nos reunir novamente?
- Sempre achei que tinha algum laço com esta casa. Recordei alguns fatos do meu passado. Sei que já tive conhecimentos do ocultismo. Gertrudes, a feiticeira do passado, era somente uma sensitiva, estudiosa do ocultismo e por isso ganhou este apelido de "feiticeira". Se Alice lhe disse que fui ela, vou pesquisar mais sobre sua vida e talvez recorde. Se no passado eu disse, ou Gertrudes disse, que nos reencontraríamos todos aqui, talvez foi porque sabia que necessitaríamos todos de nos entender para progredir. Não é por acaso que, certamente, estou aqui.
- Dr. Bernardo, me ajude. Se errei no passado, não quero errar mais. Depois, tenho medo, Alice quer me castigar. Não é justo. O passado passou e agora nada fiz de errado.
- O passado passou e não podemos mudá-lo. Tudo que fazemos é de nossa responsabilidade. Você agora pode lhe pedir perdão, orar e enviar a Alice pensamentos bons e de carinho. Vou ajudá-la, aqui estou para ajudar a todos.
- O senhor é tão bom. Já sofreu na vida?
- Sim. Quem não passou por momentos difíceis? Fiquei órfão de pai com dois anos e minha mãe fez muito sacrifício para nos criar, eu e meus outros dois irmãos. Estava com oito anos quando ela se casou novamente. Meu padrasto era antipático e muito ordeiro, mas nos deu estudo. Meu irmão mais velho desencarnou na adolescência. Érica, minha irmã, ficou solteira e mora comigo. Casei logo após ter-me formado, enviuvei dez anos depois. Meus filhos estudaram e nenhum quis residir por aqui por achar a cidade pequena. Amo muito minha profissão e, mesmo aposentado, trabalho. Mas, sempre fui considerado um menino problema, via e falava com meu pai e com parentes desencarnados. Olhava as pessoas e dizia se vi algum desencarnado com elas, às vezes, previa o futuro. Minha mãe chateava-se com estes fatos e era castigado por ela ou pelo meu padrasto. Uma tia me convenceu de não falar mais para os outros o que via ou sentia para não assustá-los. Mas, para mim, estes fatos eram simples e não entendia o porquê de serem problemas. Então aprendi a calar e isto resolveu em parte meus problemas. Quando fui estudar Medicina numa cidade maior, comentei estes fatos com a dona da pensão em que morava e ela me recomendou que fosse a um centro espírita. Querendo realmente me ajudar ela me levou até lá. Como gostei! Amei desde a primeira vez as reuniões da casa espírita, maravilhei-me com a Doutrina Espírita e com os ensinamentos de Allan Kardec. Passei a fazer parte do grupo. Conhecer o Espiritismo foi a melhor coisa que aconteceu comigo. Compreendi que tudo que via e sentia tinha explicação e que eu era médium. Comecei desde então a usar este dom para fazer o bem. Formei-me, vim para cá, onde organizei um grupo de estudo e trabalho espírita; reunimo-nos todas as terças-feiras e aos sábados.
     - Dona Eleonora mesmo sendo médium não se interessou em ir nestas reuniões?
     - Não, conversamos às vezes sobre este assunto. Ela já viu muitos desencarnados e os escuta com freqüência, mas não se interessou em estudar ou ser útil com sua mediunidade. Gosto de comparar a mediunidade com um talento que o Pai nos dá e a usamos conforme queremos, porque nosso livre-arbítrio é respeitado. Muitos, ao receberem este dom, reencarnam e multiplicam este talento no trabalho do bem e muito aprendem. Outros, como Eleonora, enterram seu talento, deixando-o enferrujar por falta de uso e terão de prestar contas disto. Não trabalhando para o bem, prejudicam muito a si mesmos. Outros, infelizmente, usam o seu dom para o mal, prejudicando o próximo e muito mais a si mesmos. A mediunidade é um dom pelo qual devemos dar graças, ser agradecidos por termos esta oportunidade e, por ela, aprender e reparar erros. Se aqui vivi como Gertrudes, tive mediunidade, não devo tê-la usado muito para o bem. Sabe, Ana, pensando bem, devo ter sido realmente Gertrudes. Esta mansão sempre me atraiu. Lembro com emoção quando aqui estive pela primeira vez para atender a mãe de Eleonora, eu...
     A cortina da janela mexeu como tocada pelo vento. Ana e dr. Bernardo olharam-se assustados e o vulto de Alice apareceu. Os dois a viram. Ana ficou sem fala, branca e imóvel. dr. Bernardo olhou o vulto, sentiu quem era e gentilmente falou:
     - Alice, seja bem-vinda. Quer conversar conosco?
     Alice falou, só que dr. Bernardo não conseguia escutá-la ou entendê-la. Viu que ela mexia os lábios querendo comunicar-se com ele. Alice, então, aproximou-se de Ana, fixou sua mente na dela. E começou o intercâmbio, ou seja, uma incorporação. Por fios de transmissão da mente da desencarnada à mente da encarnada, Ana começou a transmitir pela fala o pensamento de Alice:
     - Boa tarde, Gertrudes - disse Alice, pelo aparelho mediúnico de Ana. - Escutava vocês dois conversando, falaram muito de mim. dr. Bernardo, como se sente agora nesta miserável veste de um charlatão pobre e aprendiz de medicina.
     - Bem, muito bem, tenho aprendido muito nesta encarnação com a oportunidade que me foi dada. Se como Gertrudes conhecia as leis sobrenaturais, como dr. Bernardo uso-as para o bem. E você, Alice, como se sente a perseguir e a se negar a perdoar?
     - Mal, muito mal e por isso com mais ódio.
     - Você está aqui há muitos anos na ociosidade, poderia ter aproveitado melhor seu tempo.
     - Ociosidade? Desde quando uma pessoa rica vive na ociosidade? Trabalho é para serviçais.
     - Que vale agora a riqueza que desfrutou? - indagou dr. Bernardo, com tranqüilidade. - Agora é rica de bens materiais? Que possui?
     - É isto que mais me revolta. Sei que posso reencarnar e ser uma empregadinha.
     - Uma pessoa assalariada é mais feliz que você. O trabalho faz com que cresçamos. Devemos ter orgulho em trabalhar. Você sem trabalho foi feliz? É feliz?
     - Não, sabe que não - continuou Alice falando por intermédio de Ana. - Você é danada, Gertrudes! Se antes já sabia muito, agora se aperfeiçoou. Quis conversar com você para lembrá-la. Sabe que sofri muito com as tragédias que aconteceram com o meu filho André. Você sabia quem era o inimigo que meu André procurava e não falou nada. Era o próprio filho, meu neto Luiz. Agradeço-lhe por isto, evitou mais morte com seu silêncio. Todos sofremos muito. Vi, desde então, meu filho triste e amargurado. Tornou-se um assassino por amor a esta Vitória. Você predisse que tudo indicava que no futuro nos reuniríamos todos aqui. Passado de boca em boca, alguém inventou que apareceria na torre a bandeira branca. Agora, com todos aqui, eu coloquei a bandeira no mastro. Deve começar o julgamento. Devemos castigar a culpada. Eu a condeno e tenho um plano...
     - Alice, quando levaram a mulher adúltera a Jesus, Ele não a condenou. Se Ele não a julgou, não devemos nós julgá-la - disse o velho médico, gentilmente.
     - Doutor de uma figa! Está do lado dela? Esqueceu do meu sofrimento? Gertrudes, você disse que nos reuniríamos...
     - Todos nós devemos nos reconciliar com o nosso próximo. Reunimo-nos todos aqui, é verdade, mas não para castigos, e sim para nos reconciliarmos. Quem não errou, Alice? Todos nós, minha amiga, já erramos. E todos perdoamos uns aos outros, menos você. André perdoou, reencarnou como empregado onde foi senhor, para aprender a ser humilde. Michel é filho de um dos trabalhadores da propriedade, devota sincera amizade a Rodolfo, os dois são amigos. Eliane, outrora orgulhosa e arrogante, foi assassinada e perdoou, agora não quer Rodolfo para marido, mas não o odeia. E você, Alice, sabe que Rodolfo não a ama e nunca a amou, ele quer reparar o erro que cometeu com ela, por isto a protege. Rodolfo, outrora André, seu filho, assassinou duas esposas. Lembre, Alice que ele também assassinou Vitória e esta o perdoou e agora lhe quer bem. Você quer castigar Ana e não percebeu que a vida dela não é fácil. Ela faria Rodolfo feliz, se este a quisesse. Vitória desencarnou assassinada, sofreu muito, perdoou, pediu perdão e não parou no tempo. Reencarnou e luta para progredir. Aqui está para reconciliar e não para ser castigada.
     Enquanto dr. Bernardo elucidava Alice, dois companheiros desencarnados envolveram-na limpando-a dos seus fluidos deletérios e transmitiriam energias benéficas. Ela sentiu-se bem e começou a ter sono.
     - Que está fazendo comigo, seu velho bruxo? Está me curando? Tenho sempre muitas dores e não durmo há muito tempo. Agora estou com sono.
     - Alice - aconselhou dr. Bernardo, com muito amor -, largue tudo aqui, nada é seu e não lhe cabe castigar ninguém. Reunimo-nos aqui não foi nem pela sua vontade ou pela minha, mas de Deus. Pela necessidade que cada um de nós sentiu de se reconciliar e ter paz. Deixe que os encarnados se entendam. O menino Cirilo não está bem.
     - O Artur de outrora, orgulhoso e mau, agora é frágil e leproso. Você está aqui, mas não é para se reconciliar você não teve desavenças, está aqui ajudando de fato. Observo Cirilo e tenho medo. Quem virei a ser quando reencarnar? Não fui melhor que Artur, fui orgulhosa e má.
     - Alice - continuou dr. Bernardo a elucidá-la -, não reencarnamos só para sofrer, mas para progredir. Se conseguir ajudar você, que outrora fez parte da minha família consangüínea, me alegrarei, porque amo todos como meus irmãos, filhos do mesmo Pai. Você não deve se preocupar em resgatar erros pelo sofrimento, poderá repará-los no trabalho do bem. Recomece perdoando e pedindo perdão. Perdoar faz bem a nós mesmos.
     - Se todos tiverem de ser castigados, Ana colherá o que plantou - disse Alice pela voz de Ana. - Num ponto você tem razão, não é preciso castigar ninguém, nossa consciência é nosso maior carrasco.
     - Colhemos, sim, do que plantamos, mas, novamente lhe digo, não precisamos só sofrer para resgatar nossos erros. Podemos, pelo trabalho no bem, modificar o plantio.
     - Há tempo, Bernardo, que não me sinto assim, sinto-me bem. Você me trata bem, acredito em você, devo deixá-los e cuidar de mim. Eles que se virem!
     - Alice, você vê estes dois espíritos ao seu lado?
     - Onde? São maus? Não quero!
     - Estes são bons, são meus amigos e companheiros. Querem ajudá-la.
     - Agora estou vendo. São diferentes, são bonitos.
     - Eles vão levá-la para um lugar onde deveria ter ido há muito tempo. É um posto de auxílio no plano espiritual onde será tratada e aprenderá muitas coisas. Mas antes perdoe, Alice, para ser perdoada.
     - Só a Deus peço perdão.
     - Pois o faça e perdoe - pediu dr. Bernardo.
     - São simpáticos estes seu amigos. Deixo tudo, não está sendo fácil ver meu André sofrer assim. Que Deus me perdoe e perdôo esta Ana, perdôo Vitória.
     Alice dormiu e os amigos socorristas a levaram. dr. Bernardo deu um passe em Ana que despertou confusa.
     - Que aconteceu? Parecia falar, falei sem querer. Foi esquisito, tudo me parece tão confuso. Nós vimos Alice. Agora aonde ela foi?
     - Alegre-se, Ana, reconciliou-se com seu próximo. Agradeçamos a Deus. Alice partiu e não a verá mais. Você como médium serviu de intérprete e conversei com ela orientando-a. Vamos orar.
     Dr. Bernardo abaixou os olhos e com a voz harmoniosa recitou a Prece de Cáritas.
     "Deus nosso pai..."
     Ana escutou emocionada. Não teve mais medo. Afinal havia se reconciliado com Alice, isto lhe fez muito bem. Quando nos entendemos com nosso próximo, sentimos uma alegria pura. Queria que Alice fosse feliz. Sentiu sono e quis dormir.
     - Vá, filha - disse carinhosamente dr. Bernardo -, vá descansar.
     Ana agradeceu, sentiu-se grata para com aquele velho e bondoso médico. Foi para o quarto, deitou-se e dormiu serenamente.
     Dr. Bernardo agradeceu aos seus amigos desencarnados, eram companheiros de trabalho que gentilmente vieram atender ao seu pedido logo que viu Alice. Os dois amigos sorriram. "Companheiros não agradecem" - disse um deles -, "pelo trabalho comum progredimos e aprendemos juntos".
     Ficando a sós, dr. Bernardo pôs-se a pensar. Ele amava Eleonora há muito tempo, desde que a vira. Ela casou e ele também. Enviuvaram e nenhum dos dois se casou novamente. Nunca se atreveu a falar diretamente do seu amor a ela. Eleonora era fria e, se a conversa ia ter neste assunto, ela desconversava. Quando o marido de Eleonora ficou doente, ele a fez prometer que não ia casar de novo. Depois de desencarnado, ele apareceu muitas vezes cobrando-lhe a promessa. É que ele ficou vagando pelo seu ex-lar, pela mansão. Ele sofria e não queria que ela casasse de novo. Eleonora tinha muito medo dele. Mas, um dia, dr. Bernardo e seu grupo espírita doutrinaram o ex-marido de Eleonora. Esclarecido, ele foi para o plano espiritual. Anos depois, voltou para pedir perdão a Eleonora e lhe disse que não precisava mais cumprir a promessa. Porém, ela achava-se velha, com muitos problemas para casar novamente, ou porque ela nunca amara dr. Bernardo como ele a ela. Tinha, sim, amizade, queria-o bem. Ele respeitou seu modo de pensar e sentia-se feliz com sua amizade. Nunca se preocupou com o que tinha sido no passado, o que fora em outras encarnações. O passado já passou, e o importante é o presente, o que devemos fazer é aproveitar no bem as oportunidades que temos. Agora, ali estava como uma peça do passado, tentando ajudar irmãos a se reconciliarem. Pensou em Cirilo, queria bem o garoto, o antigo Artur, que agora tinha vindo para desencarnar na mansão, nas terras que usufruiu com justiça e amor o que Deus nos entregou. Ali estava André, o criminoso, agora Rodolfo, que aprendia a servir, Vitória como Ana, Michel que fora Luiz, a esposa assassinada, como Eliane, e ele. E que Deus o iluminasse para que pudesse ajudar a todos. Pensando em Jesus, orou com sinceridade e fé.
     Num salto levantou-se da cadeira, havia passado dez minutos do remédio do Cirilo, foi rápido ao quarto do seu pequeno paciente.
     Ana só acordou com Sônia chamando-a para o jantar.

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A Mansão da Pedra Torta (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora