Yeda Berusende está morta. E ela sabe disso.Sabe que seus músculos relaxaram, a pele começou a enegrecer, os olhos ficaram de um tom leitoso e a barriga inchou como um horrendo balão. Yeda tinha um orgulho primitivo de dizer que em seus dezenove anos de vida conhecerá diversas pessoas com suas singularidades, pessoas que podem ser consideradas loucas ou transtornadas, e ela era uma dessas. Achava que há um quê de doçura na morte, esgueirando-se pela garganta, possuindo os orgãos e fazendo sua barriga se revirar como uma batedeira da pior qualidade.
Na verdade, ela acha que o cheiro é o que realmente desperta e fala a algo asqueroso, dentro de todos os seres. A mesma parte que ativa o sentimento mais antigo dentro da raça humana, á mesma parte que os mortais, temem a escuridão. O medo. Que sabe, sem sombra de dúvida, que não importa quem você seja ou faça, não importa o quão religioso foi na vida, os vermes haverão de banquetear-se de sua carne, e em poucos meses, você e tudo que você já foi sumirá do mundo completamente.
E Yeda tentava não pensar em seu belo corpo sendo devorado por vermes malditos. Na realidade, quando sua alma voou livre e o resto ... escorreu, a unica coisa que aflingia sua mente era quanto tempo demoraria para que o corpo ficasse tão podre a ponto de alguém sentir o cheiro a milhas de distância. Porque ela sabia que essa era a única forma de acharem o que restou dela, ninguém a encontraria antes disso, ninguém a procuraria.
E nada cheira tão mal quanto um cadáver.
Ainda assim, mesmo estando relativamente calma, tendo aceitado a morte completamente, uma agonia e confusão tomava conta do seu não-corpo. Ela ainda estava com os brincos de pérola nas orelhas, uma breve tentativa de que emprestassem um pouco de sofisticação naquele vestido preto curto, tão colado à pele que poderia pintado ao seu corpo, o decote generoso acentuando a pele salpicada de dourado entre os seios . Ela tinha 19 anos e tinha o direito de tirar proveito da silhueta curvilínea, é o que achava. Grampos prateados estrategicamente elaborados para resolver o problema dos fios rebeldes do cabelo loiro escuro, uma camada de rímel para reavivar os olhos castanhos, acompanhado do batom vermelho-boquete nos lábios formato cupido. A aparência identica a momentos antes de sua morte.
A aparência identica a momentos antes de descobrir a morte das únicas pessoas que se importava no mundo todo.
E isso a incomodava como as trevas. Ela esperava algo mais escandaloso, alguma coisa que gritasse a todos pulmões "Ei babaca, bem vinda a vida após a morte" ou um simples aviso que sinalizasse onde diabos ela estava ou pertencia. Céu ou inferno, luz eterna ou escuridão eterna. Dizia a si mesma a cada passo que aquilo poderia ser sua punição, dizia a si mesma que a realidade desagradável da vida sempre a perseguiu e na morte não iria ser diferente.
Fazia horas que ela andava, horas que suas pernas seguiam em frente -apenas em frente- sem descanso, igual a um maldito burro de carga. Ela esperava que naquela altura do campeonato suas pernas estivessem cansadas, seu corpo mole e o cansaço iminente tirasse o ar dos seus pulmões. Diferente de Aprill que tinha o costume de fazer uma caminhada matinal todo santo dia, Yeda preferia uma boa manhã de sono. Mas ali estava ela, caminhando com seu não-corpo pela imensidão branca a sua frente sem nem indicar um suspiro de desistência, os saltos ultra altos vermelho sangue nas mãos.
Quando sua alma saiu do corpo ela era apenas uma bola de luz, uma explosão. Luz branca, ofuscante, irrompendo do corpo dela, libertando-se daquele lugar secreto do fundo do seu coração. Suas únicas memorias entre a vida e morte era a imagem de seu próprio corpo sem vida vazando-lhe sangue por entre os seios, os olhos arregalados e o cabelo loiro bagunçado como uma juba de leão. O momento foi breve, pois no segundo seguinte ela estava ali, em uma imensidão de nada. Sem saber como chegou. Sem nenhum buraco no peito e o cabelo arrumado.
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A Melodia Da Morte
Tiểu Thuyết Chung"O pássaro é livre na prisão do ar. O espírito é livre na prisão do corpo. Mas livre, bem livre, é mesmo estar morto." - Carlos Drummond de Andrade. Pois Yeda está morta, e tem total consciência da sua situação atual. Todos eles estão mortos...