Rebeca Smith é, numa palavra, popular. Linda, loira, de olhos azuis, cabelos lisos e compridos, sorriso bonito, nariz pequeno, alta, mas não tanto assim, magra e a líder da equipa de ginástica. Ela era maravilhosa nesta área, a ginástica e a dança eram a sua vida. Ninguém a batia naquela escola, ninguém era mais bonita ou popular que ela. Escusado será dizer que vários rapazes da escola, suspiravam, ou em algum momento da sua vida suspiraram por ela. Escusado será dizer também que várias raparigas queriam ser como ela ou tinham imensos ciúmes dela. Rebeca era sempre o centro das atenções. Apesar de toda a atenção que recebia parecia que ninguém reparava nas outras coisas que a jovem Smith também era.
Rebeca tinha ótimas notas, era uma ótima aluna, particularmente boa em ciências naturais e queria ser bióloga. Ninguém reparava que ela era boa aluna, talvez porque as pessoas achem que a beleza de uma mulher é inversamente proporcional à sua inteligência. Ninguém sabia que ela queria ser bióloga, porque ninguém em algum momento achou que ela quereria ser algo diferente de bailarina, ginasta, atriz, modelo ou cantora. Porque, obviamente, uma rapariga tão bonita tinha que querer ter uma profissão em que a sua beleza fosse um critério importante. Ninguém sabia que Smith fazia voluntariado numa instituição de apoio a animais e quase toda a escola achava que o motivo de ela ser vegan era para manter a linha, não era. Rebeca era vegan pelo mesmo motivo que as outras pessoas vegans o são, para proteger os animais e os seus direitos e, claro, também o meio ambiente. Ninguém sabia que Rebeca era feminista e que ela fazia parte de uma organização feminista que existia na cidade. Ninguém sabia que ela gostava de ler, ouvir música celta, colecionar selos, que tinha uma paixão por signos e que amava astronomia. Ninguém sabia isso, porque as pessoas acham que uma rapariga bonita só podia ser isso, bonita.
Anne Tyler era conhecida, mas não popular. No ano dela conheciam-na como a nerd e a melhor aluna daquela escola. Os professores e professoras amavam-na, porque ela era a melhor, mais pontual, cumpridora e empenhada em quase todas as aulas. Os alunos e alunas achavam-na uma chata. Tyler era negra, tinha olhos pretos, cabelos pretos também e curtos, muito curtos. Era baixa, magra, com um sorriso discreto que lhe iluminava os olhos. Ela era linda, mas ninguém percebia isso, porque as pessoas têm alguma dificuldade em achar uma rapariga negra linda. Anne também era nova na escola, tinha chegado naquele ano. Todos achavam que era só isso que havia a saber sobre ela, que ela era boa aluna, porque as pessoas também acham que uma rapariga não pode ser verdadeiramente inteligente e conciliar isso com ser uma pessoa interessante. Que raparigas com as notas de Tyler só fazem uma coisa, estudar. Isso, no entanto, não era verdade.
Anne amava ler, isso era algo que todos sabiam, afinal de contas ela andava sempre com um livro nos intervalos. Contudo, ninguém reparava no que ela lia. Todos achavam que ela só lia livros complementares às matérias estudadas nas aulas, ou do plano nacional de leitura, muito provavelmente ficariam chocados ao descobrir que os géneros preferidos de Tyler eram terror, triller, romance, fantasia, realismo mágico e comédias. Ninguém sabia que ela tinha uma tatuagem no braço, que era uma das milhares de fãs número um de Harry Potter, ou sequer que ela lia Harry Potter. Não sabiam que ela queria ser advogada ou juíza, que amava música rock, maior parte das pessoas achavam que ela só ouvia música clássica, ela realmente ouvia, mas preferia rock. Ninguém sabia que ela tinha uma paixão por animais e que fazia equitação. Não sabiam que ela gostava de correr, porque as pessoas também acham que quem é muito inteligente é um zero à esquerda em desporto. Também ninguém sabia que ela fazia voluntaria num lar de acolhimento para crianças ou reparava que ela era vegan. Ninguém sabia nada disto porque ninguém se dava ao trabalho de conhecer Anne, pois todos achavam que a única coisa que ela era, era ser inteligente e todo o mundo sabe que ser uma rapariga inteligente não é grande coisa.
Outros factos que ninguém sabia sobre Rebeca? Um deles era a história da sua irmã. Muitos nem sabiam que ela tinha uma irmã, que já estava na faculdade e que cursava engenharia aeroespacial. Ou muito menos que Mathilda Smith era uma mulher transexual. Ou que a Smith mais nova tinha aulas de alemão como atividade extracurricular, para além da ginástica, do voluntariado e do grupo feminista. Também haviam outros factos que ninguém sabia sobre Anne, como por exemplo que ela era adotada e tinha duas mães, Sarah Tyler e Lilian Tyler. Ou que para além da equitação e do voluntariado ela também fazia arte do clube de debate da escola e da mesma organização feminista que Smith. Este último facto ambas demoraram a saber, afinal elas pertenciam a correntes diferentes do feminismo. Anne pertencia ao feminismo negro e LGBTQIA+, enquanto Rebeca ao feminismo mais, digamos, tradicional.
Ninguém conhecia muito bem as duas raparigas, só os estereótipos que elas representavam, o da rapariga popular e o da rapariga nerd. Talvez por isso todos na escola tenham ficado chocados quando viram a famosa Rebeca Smith na biblioteca, repito na biblioteca, na companhia de Anne Tyler, repito Anne Tyler, a escolher e a procurar livros nas prateleiras. Rebeca gostava de ler? Ela sabia ler? E desde quando é que ela se dava com Anne? Todos ficaram ainda mais chocados quando as duas começaram a passar parte das tardes de quarta-feira a estudar juntas. Ou quando elas começaram a aparecer juntas nas ruas da cidade, ou quando Anne começou a assistir aos treinos de ginástica à sexta-feira e no final dos mesmos, em vez de ir com o resto da equipa ver os futebolistas da escola treinar, Smith passou a acompanhar Anne para fora da escola e seguiam juntas para onde quer que elas fossem. Tyler era conhecida por nunca desperdiçar tempo. Por que é que uma rapariga que nunca tinha demonstrado interesse na equipa de ginástica e que considerava um monte de coisas um desperdício de tempo ficaria a assistir aos treinos da mesma? Isso não era um gigantesco desperdício de tempo?
Todos ficaram ainda mais chocados quando Rebeca e Anne começaram a passar os intervalos juntas e quando cada uma apresentou os seus amigos para a outra. Quando eu disse que ninguém conhecia as duas raparigas de verdade eu exagerei um pouco, afinal Jonh e Katherine, os dois amigos de Anne, apesar do pouco tempo juntos conheciam-na bem e Frida, Dasy e Ilisabeth conheciam a sua grande amiga Rebeca como a palma da sua mão. No entanto, a restante comunidade escolar pouco sabia sobre as duas raparigas, achavam que elas eram opostas e que nuca seriam amigas. Se as conhecessem sabiam que isso não era verdade, as duas tinham muito em comum.
Rebeca e Anne amavam ler, eram fãs de Harry Potter, tinham uma paixão por animais, preocupavam-se com o meio ambiente, tinham opiniões políticas semelhantes, adoravam conversar, tinham uma paixão por coisas antigas, um gosto musical que mesmo diferente se encaixava, gostavam do estilo uma da outra, de estar juntas lá fora, de atividade desportiva. Gostavam de fazer bolos e comê-los, de beber chá e amavam as suas famílias. Elas tinham muito em comum, as outras pessoas é que não sabiam. Então foi sim um choque para todo o mundo quando “aquilo” aconteceu.
Todos os anos a equipa de ginástica participava numa competição e desde que Rebeca assumira a liderança da mesma a dita nunca tinha perdido. Com Smith como capitã a vitória estava garantida, os festejos estavam garantidos. Agora, certamente ninguém esperava que, logo após a capitã erguer a taça, Anne corresse para o campo e beijasse a sua namorada. Rebeca Smith, a Rebeca Smith tinha uma NAMORADA???!!! O QUÊ??? Choque destacava-se nas expressões de cada um. A Rebeca linda, loira, perfeita e completamente dentro do padrão Smith não era hétero? Como é que isso era possível? Como é que ela, uma rapariga que podia ter quase todos os rapazes da escola aos seus pés e que inclusive já tinha namorado com diversos rapazes tinha uma namorada? Ela era lésbica? Não, ela não era, bissexualidade existe, apesar da maior parte dos seres humanos não saber isso. Rebeca Smith era bi e namorava com Anne Tyler que era lésbica. Ninguém ficou muito chocado ou chocada com isso, Anne tinha cabelo curto e usava roupas ditas masculinas, ela “parecia” lésbica. Pelo menos correspondia ao estereotipo de lésbica.
No entanto, a verdade era que Rebeca Smith, a loira popular e Anne Tyler a nerd negra namoravam.
Porque raparigas loiras não são burras.
Raparigas podem ser lindas e inteligentes.
Populares não têm de ser superficiais.
Raparigas negras também são lindas.
Nerds são mais do que apenas nerds.
Está tudo bem em ser uma rapariga com um estilo masculino.
Bissexualidade existe e principalmente:
Raparigas gostam de raparigas!
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Vermelho e Branco
RomanceHistórias sobre raparigas. Raparigas únicas e diferentes. Brancas, negras, altas, baixas, magras, gordas, mais femininas, mais masculinas... Raparigas que gostam de raparigas. Raparigas feministas. Apenas raparigas de todos os tipos.