[1] A gente

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A gente se olha, se cheira, se toca.

A gente de esfrega, se beija, se sopra.

A gente se curte, se zoa, fala bobagem.

A gente gostou da maneira que os nossos corpos, mentes e textos se corresponderam. De ver o rosto um do outro ao acordar de um pós festa do primeiro encontro. Assim já fazem três noites que compartilhamos a cama, os desejos, os medos, as neuras, as rotinas, e que nossos corpos ainda não se provaram. Ainda esperamos ansiosos por mais essa sede de conhecer o desconhecido, de colocar os pés na lagoa fria um do outro e saltar, assim como quem espera o inesperado. Assim como quem quer, o que quer que seja, de um estranho. Uma recíproca. Essa é a nossa sede. Do que provavelmente não fomos saciados.

Mas é lindo ver essa dose diária de reciprocidade que alimentamos involuntariamente, despretensiosamente. Alimentar um desconhecido. A sensação é que quanto mais você alimenta, mais está sendo alimentado. Assim é doar sem esperar nada em troca. Ou melhor, a gente sabe, a gente soube desde a primeira conversa que existiria troca. Sim, a gente soube. 

A gente tem trocado muito, tudo. A gente quer se ver, se beijar, se esfregar, se cheirar, a gente quer... a gente quer qualquer coisa um do outro. A gente quer essa escuta, esse falatório, essa risadaria, esse dormir colado, agarrado, amassado. A gente quer se chupar, e gozar e gozar e gozar. Ah, como a gente quer! A gente quer essa doçura, essa leveza de se querer sem frescuras, sem remorsos, sem remédio pra dor. A gente quer o domingo, abraçado, alternando entre a minha e a sua vez de colocar a música. A gente quer ser a própria preguiça ao levantar da cama só pra se olhar, se beijar, se cheirar, se curtir, se abraçar. A gente quer tomar café e conversar e conversar e conversar. A gente talvez não saiba que quer tanta coisa até se dar conta que a gente tem tudo.

Guerras e acordos de pazOnde histórias criam vida. Descubra agora