Conto

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Ele nem ergueu os olhos para ela. Não precisava ver seu rosto para saber que ela estava furiosa. Muito furiosa. A intensidade da fúria de sua esposa podia ser medida pelo som do salto de seus sapatos batendo no chão. Sofia olhava fixamente para frente, os olhos verdes, ocultos pelas lentes escuras dos óculos de sol, soltavam faíscas. O corpo rígido mantinha distância do seu acompanhante.

— Em que tipo de confusão você está nos metendo? — ela perguntou, belicosa.

— Ora, querida, um bom restaurante sempre é movimentado.

Ela varreu o grande estacionamento com o olhar. De cada carro, desciam três, quatro, cinco mulheres. Um ônibus estacionou e desceram... mulheres! Definitivamente, isso não era normal.

— Beretta, o que isso significa? O que você está aprontando?

Ele sentiu o olhar de Sofia sobre si, mas continuava sem coragem de fitá-la. Assim como ela, Beretta se dera conta de que havia algo acontecendo ali, mas não tinha a mínima ideia do que seria.

— Eu não estou aprontando nada, apenas trouxe você ao mais famoso restaurante italiano da cidade — defendeu-se Beretta, com o olhar fixo nos quadris ondulantes dentro de um jeans apertado que via à sua frente.

Vendo a expressão de seu marido, Sofia acompanhou-lhe o olhar. Imediatamente, ele se curvou por causa de uma forte dor nas costelas.

— Você podia ser mais delicada — queixou-se Beretta.

— Delicadeza é um adjetivo que sempre esteve longe, muito longe, de mim — replicou Sofia, sem tirar da mulher um olhar mortal. — E você sabia muito bem disso antes de casar.

— Pensei que o amor fosse te suavizar — disse ele.

— Tolas ilusões sobre o amor — retrucou ela. — Também tive as minhas. Pensei que você fosse se tornar um homem menos sem-vergonha.

Ele ficou quieto. Se tentasse continuar aquela discussão, ouviria coisas que não queria lembrar. Continuaram atravessando o estacionamento em silêncio, acompanhando o fluxo de pessoas. Quando se aproximavam de uma escada que conduzia ao prédio, ela parou.

— Duvido que isso aqui seja um restaurante — declarou Sofia. — Viemos ao lugar errado.

— Claro que é um restaurante, aonde todas estas pessoas estariam indo na hora do almoço se não fosse um restaurante? — ele começava a se irritar com ela.

Sofia tinha que concordar com o argumento dele, mas ainda não estava totalmente convencida e sentiu necessidade de rebatê-lo.

— É grande demais para ser um restaurante.

— Você está pensando assim porque está acostumada com a Europa, onde tudo é apertado. Estamos no Brasil, Sofia, lembre-se que Silva sempre disse que aqui os lugares eram espaçosos — justificou Beretta — Tudo no Brasil é grande.

— Tudo? — perguntou ela, com um sorriso travesso nos lábios.

— Sim. Veja o tamanho do Silva — disse ele com inocência.

— Pois era exatamente nos homens que eu estava pensando — disse ela — Imaginando se tudo é grande.

— Sofia! — ele a fitou, furioso. — Não permito que tenha esse tipo de pensamento, e muito menos, ao meu lado!

Ela gargalhou.

— Está com medo? — perguntou Sofia com um sorriso provocante.

— Esqueça essa conversa — rosnou ele, tomando-a pelo braço para levá-la à entrada.

As polentas da discórdiaOnde histórias criam vida. Descubra agora