Capítulo 1

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O sol era forte aquela época do ano e Farraya sentia as mãos grudentas devido ao suor que as impregnava. Encarou os gêmeos mais a frente tendo uma discussão acalorada sobre – Farraya torcia para ter escutado errado – marmotas gorduchas dançando em nuvens. Era sempre assim, começavam falando sobre quando chegariam às próximas provisões do exército e terminavam discutindo sobre a cor da língua de unicórnios. Rowellyn gesticulava ferozmente com os dedos finos e elegantes ao passo que o irmão apenas a encarava com ar de desdém. Vez ou outra, a garota olhava por sobre os ombros como que se certificando de que Farraya ainda os seguia. Rowlly, por outro lado, parecia completamente perdido em seus próprios pensamentos e periodicamente assentia para a irmã indicando que estava prestando atenção. Farraya observou o modo como a cicatriz que cortava o rosto de Rowlly desde a sobrancelha até pouco acima da boca brilhava sob os raios impiedosos do sol. Era a única coisa que maculava a beleza impressionante do amigo e ainda sim contribuía para deixá-lo mais charmoso e com ares de durão, o que Farraya sabia não passar de aparência. Já Rowellyn, apesar de extremamente parecida com o irmão, tinha uma carranca rabugenta que nunca abandonava o rosto e que assustava qualquer garoto que fosse se engraçar para cima dela. Ao lado dos dois melhores amigos, Farraya se sentia um patinho feio. Não que fosse como dizia Clymene, desprovida de atributos físicos, era só que os gêmeos tinham uma beleza hipnótica. Com seus olhos cinzentos e cabelos preto nanquim Rowellyn e Rowlly atraiam olhares e admiradores por onde passavam.

-Mas não tem nada a ver o que está dizendo. Marmotas raramente bebem água, então não precisariam sugar as nuvens- disse Rowellyn exasperada. Farraya não conseguia compreender como eles tinham a capacidade de manter uma conversa por tanto tempo sobre um assunto tão ridículo. Quer dizer, marmotas dançarinas? Não faz o menor sentido, aquele diálogo todo não fazia sentido- O que acha Fay?- concluiu lançando a Farraya um dos olhares que dizia "concorde comigo ou trucido você!". Farraya é claro não era insana ao ponto de contradizer a amiga e, portanto não pestanejou ao concordar.

-É claro. Tem toda razão- disse mesmo sem fazer a menor ideia com que estava concordando exatamente.

-Está vendo? Até Farraya concorda comigo!- prosseguiu Rowellyn enquanto lançava ao irmão um sorriso vitorioso.

-A opinião da Fay não vale! Você praticamente a ameaçou com seus olhares mortíferos- contradisse Rowlly.

-Mas é claro que a opinião dela vale e não ameacei ninguém. Fay sabe que eu seria incapaz de machucar uma mosca sequer- disse piscando os cílios de uma forma doce e angelical, o que não combinava nem um pouco com ela- Além do mais me cansei de falar sobre marmotas- concluiu.

Estavam quase chegando à vila onde moravam. Era dia de coleta e como não tinham nada a oferecer tiveram de sair bem cedinho para caçar. Acabaram topando com um grupo de marmotas e conseguiram abater quatro dos animais. Farraya torcia para ser o bastante, mas com os dalraks nunca dava para saber, eram totalmente imprevisíveis. Já dava para ver as silhuetas das casas despontando no horizonte juntamente com algumas carruagens pretas com a insígnia dos ventus gravada em tinta dourada. O coração de Farraya disparou ao ver que já tinham chegado e a cabeça começou a doer ao se imaginar tendo que dar explicações do por que tinha chegado atrasada.

-Droga!- exclamou Farraya- por que já estão aqui? Só deveriam chegar daqui três horas.

-Não sei, mas é melhor corrermos se não quisermos ser açoitados em praça pública! -ciciou Rowlly com a voz levemente tremula e Rowellyn mesmo com a carranca tinha arregalado os olhos de forma quase imperceptível. Os três começaram a descer correndo as colinas. Os pulmões de Farraya ardiam pelo esforço e as pernas estavam bambas e quase falhando. Já haviam coberto metade da distância e a vila se erguia de forma mais clara. As casas eram todas simples e seguiam o mesmo estilo, uma ou outra se destacava por ter mais de um cômodo ou uma varanda maior. Algumas possuíam tintura e se sobressaiam no cenário. As ruas eram de barro batido e havia uma praça no centro do complexo onde uma fonte desgastada e com pedras encardidas esguichava água. Farraya parou na entrada da vila com o tronco curvado e as mãos nos joelhos. Atrás dela Rowlly e Rowellyn faziam o mesmo, suas roupas outrora limpas agora se encontravam sujas de terra e sangue. Provavelmente enquanto corriam o sangue das marmotas abatidas respingou nos trajes. Uma multidão abarrotava a praça. Havia três mesas no total e em cada uma delas um ventus recolhia os impostos. Discretamente Farraya e os gêmeos se prostraram no fim de uma das filas de recolhimento.

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