VI
Mas meus medos se mostraram sem fundamento. Assim que entrei na classe, Konradin caminhou em minha direção e se sentou ao meu lado. Seu prazer quando me viu foi tão genuíno, que até mesmo com minhas suspeitas mais inatas, perdi todo o medo.
Ficou claro, pelo que ele disse, que tinha dormido muitíssimo bem, e que por nenhum momento duvidara da minha sinceridade. E isso me deixou envergonhado por ter suspeitado dele. Desse dia em diante, tornamo-nos inseparáveis. Sempre saíamos juntos da escola, nossas casas ficavam na mesma direção, e todas as manhãs ele esperava por mim.
No começo, os outros alunos se espantaram, mas logo aceitaram nossa amizade, exceto por Bollacher, que passou a nos chamar de Tico e Teco, e do Caviar, que nos ignorava. Os meses que se seguiram foram os mais felizes da minha vida. Com a primavera, toda a região foi tomada por flores e frutos, e os álamos cobriram-se de prateado e os salgueiros, de um amarelo-limão.
As colinas estavam coroadas por castelos. As cidades medievais tinham à sua frente gigantescos frontões, e do alto de suas fontes, dispostos em cima de pilares e circundados por monstros que vertiam água, haviam duques de bigodes espessos e armas, ou condes que tudo observavam, cerimoniosos. E o rio Neckar corría suavemente em torno de ilhas carregadas de chorões.
Tudo transmitia uma profunda sensação de paz, de confiança no presente e esperança no futuro. Aos sábados, Konradin e eu tomávamos um trem e passávamos a noite em alguma antiga pousada de madeira, onde podíamos conseguir um quarto limpo e barato, comida excelente e vinho da região.
Às vezes, íamos até a Floresta Negra, cujos bosques escuros, aromatizados por cogumelos e por gotas de resina amarelada, eram cortados por riachos repletos de trutas, com rodas-d'água em suas margens. Outras vezes, íamos até o topo das montanhas e, a uma distância em que tudo adquiria tons azuis, conseguíamos ver o vale do Reno, caudaloso e rápido.
Algumas vezes íamos para Hegau, com seus sete vulcões extintos, ou para o lago Constança, o mais belo de todos. Outra vez fomos para Teck, e Hohenstaufen. Daquelas fortalezas não havia restado pedra sobre pedra, nenhuma trilha que lembrassem a estrada pela qual os cruzados tinham seguido até Bizâncio e Jerusalém.
Um pouco mais longe ficava a casa de Hölderlin, nosso poeta preferido, que havia passado trinta e cinco anos de sua vida alucinado. Do alto da torre, víamos sua doce prisão, e recitávamos nosso poema preferido.
VII
E assim se passaram dias e meses, sem que nos perturbasse. Fora de nosso círculo mágico havia rumores de inquietação política, mas o centro da tempestade estava muito longe em Berlim, de onde chegavam notícias de choques entre nazistas e comunistas.
Stuttgart permanecia calma e aprazível como sempre. É verdade que havia um ou outro incidente de pouca importância; umas suásticas começaram a aparecer nas fachadas, um cidadão judeu foi agredido, alguns comunistas, espancados, mas no geral a vida seguia seu rumo. Os cafés se enchiam com as pessoas discutindo onde iriam passar as férias de verão.
Meus pais mencionaram a Suíça, e Konradin disse que viajaria com os dele para a Sicília. Parecia não haver com que se preocupar. A política era coisa para gente grande, e tínhamos nossos próprios problemas a resolver. Entre eles, acreditávamos que o mais urgente era aprender a viver melhor, além de encontrar o objetivo da vida, se é que existia algum, e qual seria a condição humana em meio a este universo assustador.
Estas, sim, eram questões de significado real e eterno, muito mais importantes do que a existência de figuras efêmeras e ridículas, como Hitler e Mussolini. Foi então que um acontecimento chocou a nós dois, e teve um grande efeito sobre mim. Até aquele momento, eu tinha como certa a existência de um Deus poderoso e benevolente. Meu pai nunca falava comigo sobre religião, deixando que eu acreditasse naquilo que preferisse.
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O REENCONTRO
Short Story"Quando você não diz o que sente, o outro vai embora sem saber que tinha motivos para ficar." Para a família de Hans Schwarz, judeu, a perseguição é temporária, passará como "uma doença". Na cômoda da mãe de Konrandin von Hohenfels, seu aristocrátic...