XI
Minha mãe era muito ocupada para se preocupar com nazistas, comunistas e outros igualmente desagradáveis, e, se meu pai não tinha dúvida de que era alemão, ela, se isso fosse possível, duvidaria menos ainda.
Simplesmente não passava pela sua cabeça que algum ser humano são pudesse questionar seu direito de viver e morrer naquele país. Ela era natural de Nuremberg, onde o pai, advogado, havia nascido, e seu alemão ainda tinha um sotaque afrancesado.
Uma vez por semana, reunia-se com as amigas, quase todas casadas com médicos, advogados e banqueiros, para comer bolo caseiro de chocolate recheado, tomar bules de café, e fofocar sobre criados, problemas familiares e peças que tinham visto.
A cada quinze dias ela ia à ópera, e uma vez por mês, ao teatro. Tinha pouco tempo para ler, mas às vezes entrava no meu quarto, observava desejosamente os meus livros, pegava um ou dois na prateleira, tirava o pó e colocava de volta. Depois, perguntava como eu estava me saindo na escola, e, de mal-humor, sempre respondi:
- Muito bem.
Ela me deixava sozinho, levando as meias que tinham de ser remendadas ou sapatos precisando de conserto. De vez em quando, com um movimento nervoso, ela ensaiava pôr a mão no meu ombro, mas passou a fazer isso cada vez menos, percebendo minha resistência a essa pequena demonstração de ternura.
Só quando ficava doente é que eu aceitava sua companhia e me rendia, grato, aos seus carinhos contidos.
XII
Acho que meus pais eram belos espécimes físicos. Meu pai, com sua testa alta, cabelos grisalhos e bigode bem aparado, tinha ar distinto, e sua aparência era tão pouco "judia" que uma vez, num trem, um oficial o convidou para entrar no Partido Nazista.
Quanto à minha mãe, mesmo seu filho, não podia deixar de ver que, embora nunca usasse roupas da moda, ela era uma bela mulher. Nunca me esqueço de quando eu tinha uns seis ou sete anos e ela entrou no meu quarto para me dar um beijo de boa-noite.
Ela estava vestida para ir ao baile e olhei-a como se fosse uma estranha. Agarrei o seu braço, impedindo que saísse, e comecei a chorar, deixando-a transtornada. Será que ela entendeu que eu não estava infeliz ou doente, e meu único problema era tê-la visto objetivamente, pela primeira vez na vida, como a criatura atraente?
Quando Konradin entrou, eu o levei até a escada, pensando em fazer com que subisse direto para o meu quarto, sem apresentá-lo à minha mãe. No momento, não sabia exatamente por quê, mas, hoje, é mais fácil perceber por que tentei fazer com que ele entrasse às escondidas.
Por alguma razão, achava que Konradin pertencia apenas a mim, e não queria reparti-lo com ninguém mais. Talvez, e isso me envergonha até hoje, eu não considerava meus pais "nobres" o bastante. Nunca tinha sentido vergonha deles. Sempre tive orgulho deles, e naquele momento fiquei horrorizado ao descobrir que, por causa de Konradin, me comportei como um esnobezinho idiota.
Quase o odiei por me dar conta de que era por causa dele. A presença dele é que fez com que me sentisse daquele jeito, e, se eu desprezasse meus pais, desprezaria a mim mesmo ainda mais. Mas, assim que chegamos à escada, minha mãe, que deve ter escutado nossos passos, me chamou.
Não havia escapatória, e tive de apresentá-lo. Atravessamos a sala de visitas com os tapetes persas, a pesada mobília de carvalho, os pratos azuis e o aparador com cálices de vinho azuis e bordôs. Ela consertava um par de meias no jardim-de-inverno, debaixo de uma seringueira, e não pareceu nada surpresa em me ver com meu amigo. Quando eu disse:
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O REENCONTRO
Short Story"Quando você não diz o que sente, o outro vai embora sem saber que tinha motivos para ficar." Para a família de Hans Schwarz, judeu, a perseguição é temporária, passará como "uma doença". Na cômoda da mãe de Konrandin von Hohenfels, seu aristocrátic...