Meu Jasmin.

12 4 0
                                    

Perdido. Era assim que eu me sentia. Há três semanas eu não tinha mais contato com Kyungsoo. E há três minutos fiquei sabendo que ele não estava mais vivo.
Já não era mais tão cedo, eu sabia que nossos amigos sempre iam visitar o pequeno rapaz de óculos redondos e olhos brilhantes nesse horário, depois disso vinham para faculdade e nos encontrávamos lá.
Eu não me sentia muito bem desde quando rejeitei ele naquela noite. Na minha cabeça, bem estúpida por sinal, ele era apenas mais um interesseiro, assim como todos aqueles outros casos superficiais que eu haveria tido ao longo daquele ano. Ledo engano, não é mesmo? Eu me sentia mal com a ideia, mas meu orgulho resolveu falar mais alto naquele instante.
Ele parou de frequentar as aulas, quase não o via mais naquele lugar vasto que estávamos e olha que fazíamos o mesmo curso, diferenciando apenas nossas classes.
Um dia eu topei com ele pelos corredores. Eu pude perceber que ele já não era mais o mesmo daquele dia. Kyungsoo estava pior. Mais magro, olheiras fundas, olhos apagados, o rostinho de bochechas rosadas e gordinhas estava bem mais magro e pálido, inchado como se tivesse chorado horas à fio. Eu esbarrei nele, estava junto com uma ficante qualquer minha, quando seu corpo aparentemente fragilizado e anemico foi ao chão, seus olhos foram de encontros aos meus, brilharam tão diferentes. Ele parecia um pouco aliviado em me ver novamente, mas ainda assim sentia como se aquele brilho fosse um alerta que os cacos cristalinos daquela alma delicada e gentil, já quebrada, estivesse fraturando-se, rompendo-se e se espalhando. Tudo isso era um aviso para mim, ou coisa da minha cabeça? Preferi a segunda opção, naquele momento ele era menos que nada pra mim. Ou eu achava que era. Mesmo sentindo o peito apertar, eu fiz minha escolha.
Simplesmente tratei o homem que sempre esteve comigo, como trataria um pedaço de merda. A garota de voz irritante e rostinho de boneca que estava comigo até tentou fazer algo, mas eu, puramente imbecil, um babaca de primeira, não deixei e ainda fiz questão de humilhar o pobre coitado. Realmente, se fosse eu no lugar de outra pessoa que me conhecesse, no máximo, eu me daria um chute na boca por ser tão desgraçado das ideias.
Depois disso não vi mais Kyungsoo por lá. Os meninos sempre foram mais grudados com ele do que comigo, e eu era a mesma coisa, mas agora sem Kyungsoo para preencher aquele lugar vago na nossa mesa no horário do almoço, tudo parecia muito estranho pra mim. Até que em uma das conversas acabei descobrindo por meio deles que o pequeno moreno de óculos grandes havia trancado a matrícula.
Okay, talvez eu tenha percebido 1% da merda que eu tinha feito. Eu estava sentindo sua falta e ela era imensa. Como eu queria seu sorriso de volta, suas risadas das minha idiotices sem cabimento colorindo meu dia, seu olhar brilhante sempre que falava sobre a literatura clássica, ou aqueles livros doidos se ficção científica que você amava ler, seu rosto vermelho de raiva sempre que algum de nós insistia em apertar suas bochechas gordinhas alegando que faziam você parecer o pororo, ou quando alguém te abraçava falando que você era pequenininho demais e muito fofo para um marmanjo de quase 26 anos que parecia um colegial de 15. Eu até ri com essas lembranças, elas me faziam bem. Você me fazia bem e agora eu sentia sua falta, Do Kyungsoo, porém eu era muito teimoso, arrogante, orgulhoso e cabeça dura para admitir isso no momento certo. Eu até estava pensando em te pedir perdão por toda aquela merda sem sentido, e quem sabe talvez, nós ficássemos bem, não só na amizade, como em tudo mais.
Os garotos estavam meio estranhos comigo, certeza que nossos Hyungs suspeitavam que eu havia feito algum mal à você. Quer dizer, ainda mais do que eu já tinha feito nesses quase 26 anos e amizade.
Naquele dia, Suho, foi o único que veio para a aula, ele frequentava o mesmo curso que nós dois, mas ele não havia vindo para assistir nenhuma das metodologias ou práticas medicinais, ele havia vindo conversar comigo. Pediu até ao diretor que autorizasse minha saída por hoje, eu achei estranho aquilo.
Até o momento em que chegamos nos portões vazios, ele se mantinha calado, não dizia uma palavra sequer. Os olhos inchados e vermelhos não eram um bom presságio. Naquele momento eu reparei em suas roupas, por que ele estava de terno preto? Alguém tinha morrido?
- Suho, você não me parece bem cara... O que aconteceu? Alguém morreu? - Sorri desconcertado coçando a nuca, claramente aquilo foi uma piada de mal gosto, e eu só fui descobrir mais tarde o por que.
Ele mantinha um olhar duro, nunca focava em mim, sempre olhando para frente de cabeça baixa, porém naquele instante ele virou os olhos escuros para mim, com a mandíbula truncada as lágrimas escorregaram como cachoeiras grossas pelas maçãs do rosto.
A voz rouca que parecia fraca e triste me deixou sem chão.
- Sim, Jongin, alguém morreu. Infelizmente não fui eu, mas sim o Kyungsoo. -
E... Nossa, isso me deixou em choque.
Eu comecei a rir, mas era de desespero, angústia, aquilo deveria ser muita brincadeira.
Quase arranquei meus fios de cabelo fora, quando percebi. Era Suho que tinha me dado essa notícia. Suho não era de fazer brincadeiras idiotas com esse tipo de assunto. Suho não era infantil e idiota como eu. Naquele momento eu percebi que a única brincadeira sem graça foi a que eu fiz com você.
Eu parei, lágrimas brotaram em meus olhos sem eu perceber ou permitir sua existência, eu não acreditava nisso. Eu não queria ver que você tinha ido embora e me abandonado.
- Eu quero vê-lo... Eu quero ver o Kyungsoo! Isso não é verdade! Me leve até ele agora! ELE TÁ BRINCANDO COM A MINHA CARA E EU QUERO VER ELE AGORA! - Eu gritei com ele.
Eu estava nervoso, bravo, triste, estava em choque e não percebi nem quando entrei no carro do nosso amigo ou quando fui arrastado por ele para presenciar uma cena que me assombra até hoje nos meus piores pesadelos.
Chaneyol e Sehun, para mim sempre foram um dos mais sensíveis entre nós. Infelizmente, só hoje eu pude ver e comprovar esse fato; Eles choravam e soluçavam feito crianças, chamavam baixinho pelo seu nome Kyungsoo, eles estavam inconsoláveis junto ao Byun, ele que também não conseguia nem levantar a cabeça apoiada em seus braços pelos joelhos, mas só pelo chão molhado eu podia ver que eles estava tão triste quanto os outros dois. Kris abraçava Tao que estava arrasado e o consolava tentando segurar as lágrimas com Luhan ao seu lado, os três estavam longe de parecerem bem. Suho estava ao meu lado, apesar de quieto eu podia ver que ele estava tão quebrado com a sua perda quanto os outros, eu nunca havia o visto chorar, nem mesmo nos tempos de escola, mas ali, o Kim estava resumido apenas a lágrimas e dor. Depois fui descobrir que assim como a sua mãe, Lay havia desmaiado quando recebeu a notícia e estava no hospital, Xiumin e Chen, que haviam te encontrado naquela manhã, estavam até aquele horário da tarde aos prantos, sem comer, beber ou fazer nada que não fosse sentir a sua perda da maneira mais dolorosa o possível. Apesar de não ser tão velho assim, Xiumin te enxergava como um filho, assim como o Suho. Eu via como era triste a cena de vê-lo te chamar baixinho enquanto dormia no ombro do Kim, os olhos tinham pequenas lágrimas mesmo que estivessem cansados e ele adormecido, Chen parecia tão nervoso e emocionado que tinha certas dúvidas se ele também não desmaiaria à qualquer momento, aquele dia foi uma das únicas vezes que eu havia visto aquela dupla alegre e brilhante, sem um único sorriso para colorir o dia. Seu padrasto e sua irmã, que não te via à anos, choravam sentados em um banco do lado de fora, abraçados, ela não tinha nem coragem de te olhar. Seus outros parentes, como tios, primos e até mesmo seus avós, pareciam que iam desmoronar ali mesmo, estavam do lado de fora, pois certamente assim como sua mãe e Lay, não iriam aguentar ver você daquele jeito. Pálido e sem vida. Você era tão amado Kyung, como pode acontecer isso?
Eu não sentia mais nada naquele instante, tudo estava longe e eu não conseguia ouvir nada, o que eu consegui fazer foi andar até você.
Nessa altura do campeonato eu já não controlava mais minhas lágrimas e nem meu próprio corpo ou mente.
- Kyungsoo?... - Chamei baixinho, mas você não me respondeu. Eu sabia que aquilo era verdade, mas não queria acreditar. Eu não queria aceitar que nunca mais veria aquele sorriso doce em formato de coração, que você me oferecia de bom grado, e que me aquecia até mesmo no inverno mais caloroso.
- Kyungsoo... Por favor, Kyungsoo... Kyung... Me responde, Dyo... Por favor, eu tô aqui Hyung... Me perdoa, eu fui um idiota, mas isso não tem graça... Acorda logo, para com isso e volta pra mim Hyung... K-Kyung... E-eu tô aqui... - Chamei uma, duas, três, milhares de vezes, mas eu não escutei sua voz baixinha, me chamando de modo carinhoso, como sempre fazia. - Kyung, isso não tem graça... - Soluçei mais uma vez, meu coração estava cada vez mais apertado e pequeninho no peito.
Cheguei perto de você, apesar da visão embaçada pelas lágrimas, eu conseguia ver os olhos castanhos e grandes, tão lindos que sempre se iluminavam para nós todos aqui, fechados. Eu ousei pegar sua pequena mão, apesar de você parecer um floco neve de tão branquinho que era, eu sabia que suas mãos eram quentinhas e macias. Mas não agora. Não mais.
Você estava realmente morto, aquilo infelizmente não era uma brincadeira. A realidade amarga havia batido na minha porta.
Eu nunca mais veria seu sorriso? Ou seus olhos que pareciam duas estrelas achocolatadas? Nunca mais poderia escutar sua risada, sentir seu abraço, sua voz agora era apenas uma lembrança, assim como o calor e alegria que seu corpo irradiava, Kyungsoo. Por que você foi embora? Por que você me abandonou Hyung?
- S-soo... Me desculpe! Me perdoe, Hyung! Eu devia ter sido melhor pra você, eu deveria ter tido que te amava, Soo... Por favor, eu juro ser melhor, juro nunca mais esquecer seu aniversário e nem te dar chocolates, juro que vou começar a gostar daqueles filmes de ficção científica que você tanto ama e assistir cada um deles juntinho com você sempre que quiser, eu juro nunca mais te trocar por ninguém! E-eu vou ser uma pessoa melhor, eu juro, juro mesmo, mas só volta pra mim! V-volta Soo... Por favor, nós precisamos de você... E-eu preciso de você Hyung... Eu j-juro de dedinho, se você quiser! - Eu atropelava as letras, gaguejava as palavras, soluçava, tudo isso enquanto permanecia com as minhas duas mãos atadas a sua palma gélida e estranhamente pálida.
Colei nossas testas, com os olhos fechados e ainda chorando, eu rezei, Kyungsoo. Rezei para que tudo fosse um sonho, e se caso não fosse, Deus tivesse piedade da minha alma, perdoasse tudo o que já havia feito e te devolvesse para nós, eu já havia aprendido à lição que ele queria me ensinar, então você podia voltar e tudo ficaria bem entre nós de novo. Eu não acreditava em Deuses, santidades e nem nada do tipo, mas queria tanto que você voltasse, tinha tanta fé que aquilo fosse tudo um engano e que você estivesse bem. Infelizmente, Deus até poderia ter me ouvido, porém ele não iria me devolver você. Eu chorei, chorei feito um bebê, tudo por que eu te queria de volta Hyung... Por que você se foi?
- Eu vou esperar Soo, eu vou te esperar, eu juro! Eu vou te esperar... Eu vou... Eu juro que vou... Sempre... - Sussurrei entre soluços, para alguns aquilo até seria horroroso de se fazer, mas eu selei seus lábios nos meus.
Eles estavam gelados, pareciam cubos de gelo. Me lembro de quando éramos crianças, você sempre me dava um beijinho na bochecha quando íamos embora pra casa depois da escola, éramos bem pequenos, nossas mães achavam uma graça aquilo, eu ri amargo disso. Beijei sua testa, nem havia percebido que minha mão acariciava uma das suas bochechas gordinhas, que sempre estavam rosadas e te deixavam adorável quando ria, todo fofinho. Sorri mais uma vez e sai de perto do meu pequeno Hyung à passos lentos, deixei sua mão ali ao seu lado. Eu não tinha mais tempo para ver como você ficava sorrindo todo infantil com coisinhas bobas, eu não tinha mais tempo para criar boas memórias com você. O meu tempo para viver com você havia acabado.
Suho ainda estava parado no mesmo lugar, quando me virei para ele minha primeira reação foi desabar. Eu caí sobre meus joelhos, cadê o homem que se dizia forte naquele momento? Cadê o canalha que te tratava feito lixo sempre? Naquele momento, ali só havia aquele moleque que vivia grudado com você, aquele Jongin adolescente que vivia dizendo que você parecia um penguim andando, o Kai bobinho que não se aguentava de fofura quando via você dormir lá em casa com o pijama de ursinho que eu te dei de aniversário. Ali apenas restou o idiota que te tratou mal, apesar de te amar, foi orgulhoso e egocêntrico, e agora... Bom, e agora ele te perdeu. Senti os braços de Suho me enlaçarem ali mesmo.
- POR QUE SUHO? POR QUE COM ELE? POR FAVOR, DEUS, TRAGA ELE DE VOLTA PRA MIM! EU PRECISO DELE! EU QUERO MEU SOO! Me devolve ele... Trás meu Soo de volta, Suho... Fala que eu sinto falta dele, que eu me arrependo de tudo que fiz com ele, trás ele de volta pra dizer que eu amo ele... Kyungsoo! Por favor, me leva no lugar dele, mas devolve meu penguinzinho de volta, Deus... - Eu gritei, berrei, soluçei, me engasgava com meu pranto e me cansei de tanto chorar, eu queria meu pequeno solzinho de volta, isso era pedir muito Deus? Os meninos todos estavam se desfazendo em lágrimas, e lá mesmo, naquele chão frio do seu velório que eu percebi que só te dei valor quando nunca mais poderia te ter.
- Deus... Se você realmente existe, se você realmente é bom, por que isso aconteceu? - Indaguei rouco, minha cabeça estava sobre o ombro de Suho, ele soluçava, eu estava sentindo minha garganta doer e raspar pelos gritos e berros, eu só não queria viver naquele momento. Não queria viver naquele agora.
Eu senti uma mão no meu ombro e Suho me afastou com delicadeza, assim que virei meu olhar para cima, pude ver Xiumin.
Ele estava com a carinha murcha, sem ânimo, olhos apagados e sem sorriso algum.
- Eu achei isso com... Com o Soo... Provavelmente, ele iria querer muito que você ficasse com isso... - Sua face estava com um turbilhão de lágrimas e sua voz quase sumiu quando disse o seu apelido, mas ele apenas se abaixou e pegou minha mão, deixando um objeto que eu conhecia de longe, após isso ele voltou para o lado de Chen, pelas suas costas, pude ver seus ombros tremendo.
Olhei para a minha mão, chegava até ser engraçado o contraste do objeto pequeno com a palma que de pequena não havia nada.
Lá estava ele de novo.
O seu presente para mim. O nosso pingente, Soo.
Ainda estático com os olhos mais atentos, eu peguei a pequena joia com todo o cuidado do mundo, percebi que poderia abri-la e assim fiz.
Lá dentro havia uma foto nossa e um papelzinho dobrado. Suho parece que sabia que não deveria ficar ali, era um momento pessoal. Ele me ajudou a me levantar, e antes de se afastar disse.
- Ele te amava muito, tenho certeza que sempre vai amar, então não faça nenhuma besteira. Ele não gostaria de te ver mal, Kai.
Eu senti minhas pernas tremerem, só assento com a cabeça e sai daquele lugar.
Não sei como andei até lá, nem como cheguei naquele lugar, mas lá estava eu no parquinho onde vinhamos sempre, até mesmo para beber e jogar conversa fora de vez em quando à noite depois de um turno muito puxado, ou um dia estressante.
Eu ri, você era sempre tão calminho, o meu contrário exato.
Sentei em um dos balanços, esse mesmo que você costumava sempre sentar, pois dizia que azul lhe trazia sorte. Mais uma vez eu ri bobinho no meio de tantas lágrimas.
Eu abri o pingente e abri o papel que estava ali.
Era a sua letra e tinha o seu perfume.

Para Sempre Eterno.Onde histórias criam vida. Descubra agora