Thiago

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O cheiro acre e o crepitar da lenha queimando no fogo da lareira invadiram os meus sonhos.

Neles, Thiago havia partido. Eu estava de volta aos meus aposentos de Hastings e sentia-me solitário como sempre. Isso não era novidade; desde minha infância eu me sentia assim... Mas agora a sensação era muito pior, porque eu já conhecia o oposto, o delicioso prazer de saber-se amado por alguém.

Meu ombro latejava de dor, e me lembrava do que havia acontecido. Com um suspiro infeliz, abri os olhos. Pisquei, perguntando-me se ainda sonhava; eu estava deitado em uma cama, e na penumbra do quarto iluminado pela lareira podia ver que não estava nem um pouco sozinho. Dois rapazes dormiam comigo, sentados no chão ao meu lado com os troncos inclinados sobre o colchão.

Jack estava aos meus pés e pousara a mão sobre minha perna. Sua cabeça descansava sobre o outro braço e em seus lábios pairava um leve sorriso; mechas dos cabelos loiros cobriam parte de seu rosto e refletiam a luz do fogo com reflexos dourados. Como de costume, até mesmo no sono, ele parecia feliz e em paz.

Tranquilizado pela visão, voltei-me para observar Thiago. O rosto dele estava muito próximo do meu; seus cílios longos e escuros estremeciam levemente, e os lábios comprimiam-se um contra o outro, tensos. A mão dele apertava a minha com força, e ele parecia perturbado por um sonho ruim.

Suspirei de novo, desta vez de alivio e alegria. Eu, que me sentira solitário e odiado por toda minha vida, agora não estava mais sozinho. Ao contrário, estava cercado pelo amor de ambos.

A presença de Jack me trazia conforto e segurança, e fazia meu peito se aquecer. Thiago, ao contrário, fazia meu coração doer e minha boca encher-se de um sabor amargo e forte. Era como estar diante de algo que desejamos longamente, e mesmo quando o conseguimos continuamos a desejá-lo, porque lá no fundo sabemos da possibilidade de um dia perdê-lo.

Eu os amava de um jeito diferente, se é que podemos dizer isto em relação ao amor. Porque o amor é o amor, em qualquer forma que ele apareça diante de nós. O amor é como um faixo de luz e calor que se infiltra no mundo, e depois espalha-se em vários raios de cores múltiplas, desiguais entre si, mas ao mesmo tempo originadas de uma só fonte, abundante e infinita. Embora tivesse me decidido firmemente por Thiago, sabia que nem por isso deixara de amar Jack.

Em meio à meditações deste tipo, observei os dois longamente, aquecido e feliz, até que Thiago deixou escapar um resmungo nervoso e tremeu, perdido em seu pesadelo.

— Thiago... — sussurrei, pousando a mão em seu rosto com um toque suave.

Ele estremeceu mais forte. Chamei-o novamente, mais alto.

— O que? — Thiago abriu os olhos, ergueu o tronco com um sobressalto e virou o rosto para os lados. Sua testa estava franzida e os olhos se sombreavam, cheios de desespero e dor.

— Estamos em Locksley! — apressei-me a lembrá-lo. Eu conhecia bem o teor de seus pesadelos - a maldita torre de Aslan e o perverso Gawain.

Deixando o ar escapar com força, ele passou a mão no rosto e esfregou os olhos. — Sim... É claro! — murmurou, parecendo aliviado.

Eu sorri e ergui minha mão para acariciar seus cabelos, mas interrompi o gesto ao meio, quando uma pergunta veio à minha mente.

— Por quê foi embora? — indaguei, ansioso. A felicidade que eu sentira ao acordar desaparecia por completo ao recordar-me do fato.

Ele respirou fundo e abriu a boca para responder, mas depois hesitou e parou, voltando os olhos para Jack, que também acordara e bocejava, espreguiçando-se.

— Você está bem? — Jack indagou-me.

Eu assenti. Ele desviou seu olhar para Thiago, e depois de novo para mim. A seguir, se pôs de pé com mais um bocejo e ajeitou a túnica amassada.

GillianOnde histórias criam vida. Descubra agora