Peões
Ela estava nervosa, ou melhor, curiosa. Já se fazia quatro meses que, após assinarem os papéis do divórcio, não se viam. Suspirando fundo bateu à porta. Ela sabia que ele iria esperar o terceiro toque para atender.
A ansiedade falou mais alto e na segunda batida, mas precisamente no intervalo da segunda para a terceira, quando a mão dela já estava no ar outra vez para ir de encontro com a madeira de cor clara, ele abriu a porta.
Lá estava ela, com um vestido simples preto e os cabelos presos em um rabo de cavalo. Ele sabia que ela tinha se esforçado para se arrumar da melhor forma possível, afinal ela sempre se esforçava. Ele, como sempre de calças de linho e camiseta clara, deu passagem para entrar. Os segundos de silêncio eram constrangedores para ambos.
-Olá. - Disse ele coçando a garganta, tentando ao máximo afastar o nervosismo daquela situação.
- Olá. - Respondeu enquanto o seguia até a sala.
Pelo corredor ela via as caixas da mudança organizadas por tamanho. Pelo jeito ele ainda não teve tempo para deixar tudo em ordem, pensava. O silêncio ainda era constrangedor quando chegaram à sala. Numa vista superficial reparou numa estante já montada com alguns enfeites, num sofá “cor de burro quando foge”, e numa mesa de centro da cor da estante.
- Cor de burro quando foge. - Disse ele apontando para sofá. – Sua cor favorita.
Ela deixou-se rir pelo comentário. Ao menos o senso de humor ele não perdera nesse meio tempo.
-Claro que é. - Disse ainda rindo. – Bem, Marcos, como você está?- Perguntou tentando ser simpática, afinal o casamento tinha acabado de maneira amigável, não havia motivos para inimizades ou ressentimentos.
-Bem, eu acho. - Coçando a cabeça e sentando-se no sofá a convidou, com um gesto de mão, para fazer o mesmo.
-Está nervoso?!- Aquilo não foi uma pergunta propriamente dita, ela sabia de todos os trejeitos dele, ele estava claramente tentando se controlar perto dela.
- Estou. - Respondeu de imediato. – Mas você já sabe disso. - Falou mostrando um sorriso nervoso e arrumando o par de lentes grossas.
- Bem, a que devo a honra do convite? Não foi para lhe ajudar na mudança, foi? – Disse tentando afastar o clima pesado da sala. Ele estava ficando mais relaxado ha medida que ela parecia mais segura naquele lugar, ela percebera isso de imediato. Suas pernas já não estavam se movimentando freneticamente como antes.- Não, nada de arrumação para você. - Disse ainda com um bom humor aparente. - Vou ser direto, sei que não gosta de rodeios Lívia. Eu te convidei para entender de uma vez por todas como chegamos aqui. – Levantou-se inquieto. – Não conseguia dormir, ficava dando voltas e voltas tentando entender o que aconteceu conosco até que a doutora Julia disse que era preciso me lembrar dos detalhes. Mas meu TDH me atrapalha um pouco nessa parte, aí pensei que você pudesse me ajudar.
Enquanto ele falava rápido demais e andava de um lado ao outro ela percebeu que ele, ali naquele momento, estava se despindo de vaidade e orgulho. Ela o entendia, também precisava das mesmas respostas.
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XADREZ
Short StorySobre um tabuleiro de mármore escuro as peças estavam dispostas. Cada movimento, calculado ou não, despertava certa angustia no par que ali jogava. Grandes guerras podem ser travadas em pequenos passos. Suas mentes, já confusas pelo tempo ali gasto...