Ninguém sabe ao certo quando aconteceu no entanto às provas permanecem vivas até hoje. Muitos ainda podem visitar o túmulo dele para fazer pedidos e orar por sua pobre alma, outros não vivem tempo suficiente para ver seus pedidos se realizarem.
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Ainda era o tempo dos senhorios e da escravatura. Nessa época existia homens que comandavam assentamentos e possuíam escravos para trabalhar em suas terras, muito tempo após a abolição. Antes de ser fundada no interior não muito longe da minha atual cidade morava um senhorio numa casa de janelas amplas, varanda grande e fachada toda em branco. Dizem que ele comprou vários lotes de terra e tinha vários escravos para satisfazer suas vontades. Um homem rico.O patrão de nome Raimundo plantava milho, feijão e arroz em suas terras e comercializava para outros senhorios da região, podia cobrar qualquer valor que no final ainda teria alguma renda. Dentre todos seus escravos, existia um em especial, ele quem cuidava das terras, arava, vigiava, plantava e colhia e seu nome era Zezinho, homem alto, corpulento de olhos profundos e amargurados pelas constantes surras que levava do seu senhorio mesmo sem saber o motivo. Ele não deveria ultrapassar dos vinte anos senão fosse às marcas do sol e do trabalho forçado que o deixava mais velho e de aspecto seco como a terra seca pelo sol escaldante do Nordeste. Ninguém sabia de onde ele veio ou se nasceu ali mesmo, só se sabia que ele era um menino trabalhador, honrado e servo fiel às suas crenças.
Certo dia quando levava algumas mercadorias para vender na cidade Zezinho deixou cair um pequeno saco de milho que levava em sua carroça e isso mal se notou até porque o saco não era muito grande e nem fazia tanta diferença de peso, então continuou . Ao retornar para casa ele repassou todos os valores para o patrão que era homem calculista e notou imediatamente a falta de alguns Réis, o senhor havia calculado precisamente quantos sacos tinha enviado, quanto valiam e quanto deveria receber, mas não falou nada, portanto iria rever novamente tudo o que tinha anotado para ter certeza que não estava errado.
Na manhã seguinte Zezinho acordou com o patrão chamando seu nome para ter uma conversa e logo não se demorou para seu encontro. Quando chegou lá viu que o senhor estava irritado por algo, só não imaginava o que seria. De repente uma aflição caia sobre o escravo que permanecia imóvel frente ao patrão, cabisbaixo e silencioso pensando somente no que haveria de ter feito para causa tamanha irritação. O senhor falou em alto e bom som que o Zezinho havia roubado uma saca de milho, e ainda por cima teve coragem de vender para ficar com o dinheiro. "Um absurdo" explanou ele "Meus réis são meus".
Atordoado com as acusações ele não podia acreditar naquilo , sabia que era mentira. Nunca havia roubado nada e era homem suficiente para não fazer aquilo que o patrão disse. Nem chances de explicações foram lhe concedidas. Somente após terminar às acusações o senhor ordenou que levassem para fora e que dessem cinquenta surras de vara seca para que Zezinho aprendesse a lição. E ainda que o sangue fresco escorresse por suas costas ele trabalhou durante toda a tarde feito um cão. Os outros admiravam por tamanha força de vontade, trabalhava como se não tivesse acontecido nada, absolutamente preso em seus pensamentos
Naquela mesma noite ainda sofrendo com as dores e cortes profundos em sua pele ele teve um surto de loucura, não queria mais ficar ali estava e decidido abandonar todo aquele sofrimento vividos anos após anos, nem se lembrava como era sorrir e isso o deixou mais triste então foi quando decidira ali naquela noite com aquelas dores fugir para longe mesmo que fosse para morar na mata e somente assim seria um homem livre.
Tudo foi planejado em menos de poucas horas e começaria no meio da madrugada quando todos estivessem dormindo, inclusive o capitão do mato que era responsável pela vigia dos arredores sua função era clara, se alguém fugir seria capturado, surrado ou se necessário morto.Quando chegou ao ponto alto da lua Zezinho percebeu que já era bem tarde e portanto poderia sair furtivamente pelos fundos da casa de taipa, abriu a porta olhou para os lados, olhou para entrada e como não viu o capitão do mato começou a sair bem devagar, sem fazer barulho e prestando bem atenção a qualquer movimento que o entregasse. Seria uma escapada fácil, sair, correr, pular a cerca de arame e ir para o mato se esconder. Era sem erro exceto pela lua brilhante e céu limpo que o podiam dedurar. Passando pelo terreiro devagar como um gato a única coisa que o separaria da liberdade era a barreira de arames da cerca. Quando percebe que está demorando muito cuidadosamente apresa o passo e quando vê já está tentando atravessar a cerca, o seu coração dispara, ele soa, sente o sereno frio da noite e corre. Ele corre como se estivesse fugindo de um animal com os pés descalços e com roupas velhas rasgadas atravessando espinhos e pedras, sentindo apenas mato seco que cortava suas pernas e o único sentimento era de liberdade, forçada e imaculada liberdade.
Após alguns minutos depois da fuga ele não esperava que o capitão do mato iria fazer a vigia na casa de taipa apenas para checar se estava tudo bem, isso era incomum pra hora que tudo aquilo acontecia e por isso Zezinho não se preocupou em pensar nisso. Para a surpresa do capitão um escravo faltava e foi nesse momento que ele percebeu que uma fuga foi feita, imediatamente ele chama os outros capitães, acorda o senhor para avisar da fuga de um dos seus escravos e parte em direção a mata montado a cavalos com dois cachorros farechadores, um facão em punho e uma espingarda.
O escravo apreensivo dentro da mata a noite ouvia não muito longe o barulho dos latidos então ele já sabia que estavam rastreando seus passos e que se não se apressasse seria pego rapidamente. O chefe dos capitães do mato era um homem mau, louco e viciado em maltratar às pessoas foi escolhido justamente por ter sangue frio e sem nenhum remorso pelas coisas que fazia, seu melhor instito era o de rastreador conseguindo rastrear qualquer coisa não importando o tamanho ou velocidade que atingia. A caçada pelo escravo durou apenas algumas horas e não demorou muito para Zezinho ser pego num campo aberto com a lua alta iluminando toda planície. Quando finalmente o cercaram, ele caiu de joelhos sob o chão pois sabia que era seu fim. Apenas olhou para cima e houve um momento de silêncio assustador, o vento batia nos galhos secos e a brisa leve da noite roçava os rostos de todos que ali estavam.
O capitão do mato desceu do seu cavalo e caminhou em sua direção com aquele sorriso de ponta a ponta como se tivesse ganhado um prêmio e com aquele olhar macabro como se já soubesse o que fazer. Zezinho permaneceu calado o tempo todo nem mesmo se importando em suplicar por misericórdia , bem sua situação não permitia que palavras saíssem de sua boca. O que aconteceu em seguida foi um ato de terror inexplicável, sem qualquer aviso prévio o capitão pegou seu facão deslizando pelo peito de Zezinho."Eu podia te caçar de novo" diz e continua "Queria deixar você correr, sabe? Só por prazer"
Rápido como um bote de cobra em um levantar de braço pousa a lâmina cega no pescoço do escravo cortando sua garganta com tamanha brutalidade que assusta os outros homens presentes. O corpo de Zezinho caiu como uma pedra no chão lutando para respirar em todo aquele sangue, ele sente o frio, dor à cada engasgo com seu próprio sangue, sente a morte em sua espinha consumindo seu corpo e o capitão por outro lado vendo aquela cena não parou de dar golpes no pescoço dele, golpe após golpe até arar sua cabeça de todo o resto no fim parecia estar se divertindo.
Logo em seguida não demoraram para tentar esconder tudo aquilo, pois sabiam que o senhorio iria perguntar o que houve com seu escravo. O capitão por si próprio preferiu mentir, cortou às partes do corpo de Zezinho e espalhou mata a dentro, em locais onde ninguém havia de entrar para procurar cada parte minuciosamente colocada na mata fechada. Ao voltar para a fazenda relatou que o escravo havia realmente fugido e não se falou mais no assunto. Nenhum dos homens contou a verdade porque sentiam medo, sabiam que haviam cometido um crime cruel e desumano por isso preferiram o silêncio.
Com passar dos anos, é claro, foi feito um túmulo no meio da floresta para o Zezinho e ali foi considerado por muitos um local sagrado. Aqueles que vão até lá deixam um presente para ele, geralmente são partes do corpo humano feitos de argila, madeira e outros materiais ao deixarem às peças é acredita-se que é concedido um desejo. Poucos se aventuram ao pedir algo, porque acham que a alma do pobre homem é dominada pela raiva e por ódio e com isso o pedido poderia ser tornar algo ruim, até mesmo matar quem o desejou. Era como se a morte de Zezinho lhe torna-se um santo que ajudava os que pediam algo.
Sabe-se que nada cresce sobre o local onde fizeram o túmulo e é um lugar bem afastado de qualquer casa ou estrada, um lugar cheio de espinhos e caminhos traiçoeiros, houve vários relatos durante o passar dos anos sobre algo que ficava nas redondezas que se ouvia principalmente a noite ou cedo pela madrugada, como se fosse algo rastejando pelas folhas de uma maneira bem diferente de qualquer animal, alguns dizem que são as partes de Zezinho rastejando pela mata procurando o resto do seu corpo.
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Interior Macabro Vol.1
TerrorUma coletânea de histórias macabras escritas por uma mente perturbada. Algumas reais, outras ficarão ao seu critério. A cada semana uma história. O Torso Sexo com cadáver Homem das malhadas Espíritos do cerrado 7 crianças Caminho maldito Mutilad...