- Haja luz! Disse Lilye ao estalar a língua.
- Ouch! Esqueci que está não é minha função.
Um sorriso irônico desenhou em seus lábios. Sabia que estava nas trevas e amava.
Estava nua, coberta somente por um lençol preto de seda. O quarto estava escuro num breu parcial contendo apenas as luzes da lareira acesa a sua frente, as quais se encontravam dançando sobre seu rosto satisfeito, com expressões leves, desfrutando da sensação de dever comprido.
Sentada confortavelmente em sua poltrona estilo vitoriana clássica, tendo toda sua estrutura sustentada em ferro fundido banhado a bronze. O metal parecia ter sido cuidadosamente conduzido para a formação dos pés, o contorno dos braços e todo o apoio de costas. O móvel tinha um design arredondado, com almofadas do assento e apoio em acabamento botonê, marcando geometricamente seu tecido na cor cereja. O móvel era considerado perfeito para Lilye, pois além de deixar o ambiente do quarto numa composição mais colonial e refinada, ainda possibilitava a combinação com sua personalidade, mantendo um ar de sensualidade, erotismo e luxúria.
Despiu-se do lençol e andando totalmente nua deixava a mostra sua tatuagem que tomava quase toda a sua costas como tela, um desenho com detalhes em preto e branco. O desenho possuía a imagem de um anjo ajoelhado apoiado em seus calcanhares, com as pernas levemente afastadas e com olhos em direção ao céu, como num clamor em sofrimento. Tinha o queixo erguido, o peito aberto alongando seu corpo e seus braços estendidos para baixo com somente as pontas do dedo apoiadas no chão. Todos os contornos de seus músculos e traços eram perfeitamente desenhados. A imagem possuía grandes asas negras, que se iniciavam atrás do anjo e ocupava em linhas perfeitas um grande espaço da parte superior das costas de Lilye. Além disso, a figura do anjo caído apresentava uma longa cauda que saía por detrás de seu corpo, contornando-o de tal modo que a ponta pontiaguda em formato de lança quase tocasse a sua mão esquerda. A tatuagem representava a lembrança de sua queda, de suas escolhas, de seus caminhos.
Tomava a forma que desejava, por hora estava abusando em sedução. Seus cabelos ondulados pretos curvavam em seus ombros e desenhavam ao redor de seu rosto, leve e claro como leite. Covinhas acompanhavam seu sorriso acrescentando ainda mais leveza e tornando seu semblante cada vez mais agradável, um sorriso que inclinava a ponta do nariz de um jeito extremamente perfeito. Seus olhos e sobrancelhas escuros formavam par ao cabelo, dando mais destaques a cor clara de sua pele. Qualquer um que olhasse se encantava com a pele e o corpo perfeito.
Ao se levantar foi lhe oferecido um roupão, por Tallys, o quarto em sua legião que se inteirava em sete ou seus múltiplos. Lilye alcançou o roupão e cobriu seus ombros arredondados, deixando-o semiaberto. Cruzava o quarto e caminhava até sua lareira, sempre acesa, que clareava uma mesa comprida a sua frente aonde o topo batia em suas coxas, com desenhos em sua estrutura de ferro num dourado envelhecido escuro, uma linda obra de arte, segurando a tampa de vidro fino e delicado. A sensação é que a qualquer toque mal intencionado ou esbarro poderia se partir em mil pedaços.
Sobre a mesa havia uma peça em cristal de estrutura oval em estilo francesa, desenhado com pequenos fios de ouro e acabamento em bronze. Dentro havia uma lembrança, um sentimento de posse. Era uma fruta vermelha como sangue, com algumas mordidas, mas uma em especial, que era perfeita. Uma lembrança guardada por milênios.
- Eva. Suspirou.
Nunca viu outra criação tão perfeita. Talvez o maior dos motivos de se tomar pela forma feminina, seu encantamento pela mais linda e perfeita das criações dEle. Sim, poderia dizer que tinha inveja dessa específica criação, talvez não entendesse o amor dEle por criaturas tão insignificantes quanto aos humanos e mortais, tão frágeis e manipuláveis. Mas feitos à imagem e semelhança, perfeitos em aparências.
Esticou sua mão esquerda para alcançar seu isqueiro e, ao fazê-lo, notava-se outra tatuagem no seu antebraço pelo lado de dentro. Era uma serpente nas cores verde e preta, com tons amarelados e os olhos vermelhos, além de pequenas asas acima de sua cabeça. Conforme movia seu braço esquerdo a tatuagem bruxuleava, resplandecia, numa percepção de movimento, como se a serpente estivesse se arrastando do meio dos braços até quase a palma das mãos.
Acendeu um charuto observando a lareira queimar. O quarto escuro cheirava a sexo, luxuria, uma mistura de álcool com charuto e chá. Chá de hortelã com melissa e gotas de limão, que era o seu favorito, mantinha o cheiro característico de enxofre longe de sua pele e hálito.
Há pouco estava acompanhada, esse tipo de prazer humano lhe encantava. O prazer tirava a razões dos normais, não os deixavam pensar. Fazia com que seu trabalho fosse fácil. Perverter e corromper eram deliciosos desta maneira.
O cheiro da inocência e pureza lhe atraia, trazer ao pecado era o objetivo. Prazer e um contrato e pronto! Mais uma alma estava em suas mãos. Quem hoje em dia não quer poder, dinheiro, fama e exibição? Quem não ignora o amor, por um pouco de atenção e interesse? Antigamente, ganharia suas almas em troca de outras ou em troca de vida, mas quem ama ao próximo hoje em dia?
Não se importava como as pessoas estavam vivendo, não era seu objetivo. Mas o amor, ah! Destruir isso era uma fixação. Sem amor, sem amor próprio, sem piedade, sem humanidade.
Seu objetivo era destruir toda a criação e começaria por esse sentimento.
Nem precisa de esforço físico quando se tem o dom das palavras. Atingir e entender o que exatamente precisa ser dito naquele momento ou o que satisfaz o ego, entra na cabeça se torna verdade e vai para o coração.
Engana-se quem pensa que anda de uma forma assustadora por aí, jamais! Deixa seu rabo e chifres bem encobertos, atrai pela beleza, artificial e fraca. Quem olha o coração e as intenções primeiro? O superficial, o oco, o nada! Os olhos são os primeiros que quer agradar em seu corpo.
Todos têm escolhas e sempre estão livres para fazê-las, mas tem fraquezas, e são essas que assopra a seus ouvidos. Palavras...
Começou muitas guerras assim. Oratórias e linguagens bonitas, disfarçam ruínas, preconceitos e violência. Homens se ergueram assim, em cima das suas verdades sem se importarem com sentimentos e causas alheias, carregando a capacidade de provocar perturbação e tormenta. Reafirmando, palavras...
Não vigia sono ou se esconde nas sombras, é cansativo, apesar de ter essa necessidade ás vezes. Muitas lutas, luminosidade, orações, rezas e meditações impediam seu trabalho e aproximação. Era exaustivo ir por esse caminho, preferia andar caçando e buscando alguém que não estava vigiando seus próprios passos. Lutou pela luz, aprendeu a lutar pelas trevas. Grandes são as batalhas, pois todas as almas são disputadas.
Mas como sempre, os humanos acabavam abaixando a guarda, afastam bons espíritos e protetores. O seu psicológico é fraco, repleto de desilusão, com falta de reciprocidade, sempre em busca de aprovação e quando não acontece...
Qual a necessidade do seu coração e como poderia entrar? Já foi um ser de luz, conhece muitos sentimentos bons.
Foi corrompido com um terço, arrastado pela cauda e lançado sobre a terra, como estrelas caídas do céu. Quis ser maior, ser dono de tudo, abusou do orgulho, então caiu, nu. Um dos escolhidos, andando sempre ao lado, à esquerda. Presente na queda, nas escolhas de vida e morte, na recuperação da vida eterna aos humanos. Lutou nos três dias de silêncio, ouve um fracasso, mas prometeu vingança. Ganhou o mundo para si e abdicou da vida eterna. Conhece seu destino, mas levaria a máximo que podia consigo.
Almas...
Foi designado para ficar ao lado do trono como acusador por milênios, mas seu tempo está acabando, profecias e vaticínios de um Apocalipse pregado por séculos e séculos, então voltou a terra, agir próximo ao pecador lhe daria mais prazer e orgulho.
Estava ali parada em sua atual forma, terminando seu charuto, traçando meios de alcançar mais almas, soprando a fumaça em círculos perfeitos e sentindo todos da legião ao redor. Esperando a noite passar, para bradar e comandar como líder, espiando e tragando almas atingíveis. Escutava os sussurros de vozes o seu ouvido, estava acompanhado dos seus, líder em uma legião de sete.
Amanhecia...
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Vezes Sete
ParanormalO caminho certo ou errado é algo relativo. São as decisões que alteraram as trajetórias em boas ou ruins, trazendo diferentes tipos de consequências. Lilye sabia disso e se aproveitava das escolhas. Já havia sido um anjo de luz, escolhendo o orgulho...