Prólogo

15 1 0
                                    

Patrícia Morgan é inteligente. Trabalhava de dia ganhando uma pequena quantia de dinheiro, ampliando de pouco a pouco a fortuna que herdou do seu berço de ouro quando ainda residia no solo inglês, segundo familiares distantes, a Morgan se mostrou digna do sobrenome que carrega e colheu os frutos de seus esforços durante a infância. Sua estadia se deu início no dia 22 de abril de 2002. Ela tem 28 anos, tem sessões com psicólogos e professores particulares, e reside na sala acolchoada reservada apenas para maníacos perturbados, algo que, de longe, a Morgan não aparenta ser por sua calmaria e serenidade. Muitos compram a imagem de sofisticação que ela projeta e caem nos encantos do luminoso sorriso que ela esboça todo santo dia.

— Perguntei à alguns velhos moradores da região o que achavam dela, e a resposta era tudo bem amigável, apesar da ficha ter inúmeros casos de assassinatos brutais à certos tipos de pessoas, alguns mendigos, prostitutas.. Essa tal de Morgan parece ser uma maníaca qualquer, o que é que tem de tão especial nela?

— Ela é a menos afetada por nossas experiências desde que chegou, está aqui a anos e age normalmente, além de sabermos pouco sobre o passado dela, ela nunca toca no assunto ou chega perto de falar sobre.

(...)

"QUE PERCA TODA A ESPERANÇA AQUELE QUE ENTRAR AQUI"

Estava rabiscado em letras vermelhas na parede do edifício do Chemical Bank, próximo à esquina da rua onze com a primeira avenida. Escrito numa fonte grande o suficiente para ser avistado do banco traseiro do táxi, enquanto este vai dando guinadas no trânsito em direção à saída de Wall Street, e, justo quando Timothy Price se dá conta daquelas palavras, um ônibus para e o anúncio de Les Misérables estampado na carroceria bloqueia-lhe a visão, mas Price, que no momento trabalha na Pierce & Pierce e tem os seus vinte e seis anos, parece nem ligar porque promete ao motorista cinco dólares extras se o mesmo aumentar o volume do rádio, a canção é “Be My Baby” e o motorista, que é negro e não é americano, obedece o pedido.

— Sou talentoso – Price começa a dizer – Eu sou criativo, jovem, altamente qualificado. Olha, o que estou dizendo é que a sociedade não pode me perder.

Price sossega, continua a olhar pela janela suja do táxi, provavelmente para a palavra MEDO grafitada em aerossol vermelho na parede do McDonald's 

– Quero dizer que é fato que todos cagam para o trabalho que fazem, todo mundo odeia seus empregos, eu detesto o meu, e você me disse que odeia o seu. O que devo fazer? Voltar pra Los Angeles? De jeito nenhum.. Não pedi transferência da UCLA para Stanford para aturar essa merda. Cara, será que só eu acho que não estamos ganhando dinheiro bastante?

E como num filme, surge um outro ônibus, outro cartaz de Les Misérables, não é o mesmo ônibus porque alguém escreveu a palavra BICHONA sobre o rosto da personagem Eponine no cartaz

— Tenho um apartamento por aqui. Meu deus, tenho uma casa nas Hamptons.

— É dos seus pais. Dos seus pais.

— Estou comprando deles. Você quer aumentar o volume dessa porra? – diz num tom áspero, mas ainda assim distraído, ao motorista enquanto a banda continua sua berraria no rádio.

— Mais do que isso ele não vai — responde o motorista. Timothy ignora-o e continua a falar de forma irritante. 

— Poderia ficar vivendo nesta cidade se ao menos instalassem rádios Blaupunkt nos táxis. Talvez os sistemas de sintonia dinâmica? – Sua voz parece se amaciar por um instante.

— Detesto me queixar, juro, desta porcaria, deste lixo, de como essa cidade é nojenta, você sabe e eu sei que isto aqui é um chiqueiro...– E continua falando ao abrir sua nova maleta de couro legítimo comprada numa loja de grife e tira o jornal do dia – Na edição de um dia, de um só dia, vejamos aqui... Manequins foram estrangulados, bebês atirados do telhado de um prédio, crianças assassinadas no metrô, comunistas fazem comício, chefão mafioso aniquila.. Isso não importa. Bem, nazistas! – animado, ele folheia o jornal e continua o seu falatório – Jogadores de beisebol com AIDS, mais baboseiras da máfia, engarrafamentos, sem-teto, bichas pelas ruas, mães de aluguel, novela de televisão sai do ar, crianças arrombaram o zoológico e torturaram vários animais, mais nazistas... E a piada, a graça toda, é que tudo isso acontece só nesta cidade, em nenhum outro lugar, apenas aqui, que merda.. Espere, mais nazistas, engarrafamentos, vendedores de bebês, mercado negro de bebês, bebês com AIDS, bebês drogados, prédio desmorona sobre um bebê, bebê enlouquece, engarrafamentos, ponte cai…

Damas da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora