Transtorno do estresse pós-traumático

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POV Juliene

Estou no carro com a mamãe, coloquei Girl on Fire da Alicia Keys no rádio, minha música preferida no momento. Mamãe me olha com cara de que não aguenta mais essa música, dou risada.
Olho para frente, já são dez horas da noite, estou voltando da minha aula de Taekwondo, faz uns quinze minutos que saímos de lá e ainda não chegamos, minha mãe é muito responsável no trânsito, ela anda na quilometragem certa, acho irritante, papai já teria chegado. Já deixei de discutir com ela isso a muito tempo, ela nunca escuta mesmo.
Minha mãe encosta o carro, olho para ela sem entender nada. Ela sorri para mim, mais confusa que agora eu não fico.

- Julie, eu tenho algo para você. Sei que seu aniversário é só amanhã mas estou mega ansiosa para te dar. Eu comprei numa loja de antiguidades, achei sua cara! - Ela diz isso com muita empolgação, disfarço um pouco quando ouço "loja de antiguidades", o que tem lá que é minha cara? Nem sou velha.
Dou um sorriso forçado, não quero deixá-la mal.
Ela pega uma caixinha e me dá. Ela está mais ansiosa que eu. Eu abro já com decepção, mas não deixo transparecer, quando levanto a tampa da caixinha meu queixo cai no chão. É tão lindo e tão, tão... eu. Ela estava certa, é minha cara.

- É lindo, mamãe - digo com lágrimas nos olhos, essa velha me conhece tão bem. - É perfeito.

- Vamos, se vira, deixe eu colocar em você.

Me viro e levanto meu cabelo. É uma pedra pequena, com formato de coração, ela é um azul claro, a sensação que dá é que está brilhando, tem uma redinha em volta como se guardasse algo em si que não pudesse sair. A corrente é de prata, realmente combina comigo, até nisso, não é de ouro, tenho alergia a ouro, quem imaginaria, né. Sinto cada vez mais que esse colar foi feito para mim, como se após anos me aguardando, finalmente nos encontramos, e é só um colar.
Viro para minha mãe e a abraço com todo amor que tenho.

- Te amo, mãe. - o sorriso que ela me dá me faz pensar no quanto eu sou grata por ela existir.

- Eu te amo mais, Violet. - meu segundo nome, só ela que me chama assim. Como se só nós duas soubéssemos dele. Quase isso, fora as pessoas mais próximas minha família, ninguém sabe, não é algo tão importante para ser dito, né.

Voltando ao presente, minha mãe liga o carro e volta para a pista, ela começa a fazer a curva, que sempre diz ser a mais perigosa da nossa cidade, nunca acreditei já que é a que menos tem acidente por aqui.

Olho para vê-la, tão feliz, me deixa feliz também ver ela tão cheia de luz. Seu semblante muda rapidamente, não entendo porquê até eu olhar para frente. Um carro vem em nossa direção, tão rápido que nem pisco direito e ele já nos acerta, mamãe entra na minha frente.

- NÃO!!! MAMÃE NÃO!!!

POV Julian

- NÃO!!! MAMÃE NÃO!!! - ouço gritos, me levanto assustado, corro imediatamente para o quarto da Julie.

- Julie! Julie, acorda. Julie acorda! - balanço minha irmã, mas não consigo fazer ela acordar. - Julie, por favor! Acorda!!!

- Julie! Papai tá aqui, estou aqui. - meu pai chega e abraça ela, tentando acordar ela com voz calma. Funciona!

Minha irmã abre os olhos lacrimejantes, sussurrando "não, mamãe, não". Meu coração se parte mais uma vez, ver minha irmã passando isso por anos e não sou capaz de fazer nada por ela. Dou a volta na cama e sento, passo a mão nos seus louros cabelos e dou um meio abraço.

- Me desculpa, Julie, me desculpa.

Ela me olha confusa.

- Isso não é sua culpa, nada disso. Nem aquele dia, nem o meu problema.

- Mas eu não posso fazer nada para te ajudar, isso me deixa muito mal. - digo, preocupado.

- Pense que isso acabará em breve, não vai ser para sempre. Eu vou sair dessa, com vocês. - ela sorri forçadamente.

- Tomou seu remédio? - meu pai perguntou, alarmado. Percebi ela desviar os olhos por uns segundos, ela não está tomando os remédios?

- Tomei sim, pai. - ela mente, como ela consegue? Isso é para o bem dela. Deixo passar para que eu possa conversar com ela antes, talvez ela tenha só esquecido.

- Tudo bem, então. Dorme, minha pequena. Quer alguma coisa antes?

- Não, tô bem assim.

- Tá bom. Julian, vai dormir também, já são 3 horas da manhã. - Ele diz enquanto beija a testa da Julie.

- Já tô indo, pai. Só quero falar um negócio com a Julie antes. - Digo como se não quisesse nada demais.

- Tá bom. Boa noite, cambada. - ele diz bagunçando meu cabelo. Pais.

Espero ele sair e me viro para Julie, ela arruma o travesseiro tranquilamente se preparando para deitar.

- Vai enganar ele por quanto tempo? - solto a pergunta sem nenhum pingo de receio.

Ela me olha confusa, nem tem ideia do que estou falando, ou finge não ter.

- O remédio. - seu rosto se fecha abruptamente.

- Não sei do que você tá falando. Vai pro seu quarto, vai. Já tá tarde.

- Não tente me enganar, isso te ajuda, ele evita que você passe esse tipo de coisa a noite. Ele te deixa dormir bem!

- Eu sei! Eu sei, tá! Eu tava bem, por isso parei, eu não quero ser a garota que toma remédio todo santo dia. Eu quero ser normal! - ela diz brava e triste.

- Você é normal, você é perfeita, esses remédios não fazem de você menos por tomá-los. - digo enquanto me aproximo para abraça-la. Ela funga, tentando se recuperar.

Após uns minutos assim, me levanto e abro a gaveta da sua mesinha de canto. Pego seu remédio e dou para ela. Ela me olha receosa, mas insisto. Ela pega e coloca na boca rapidamente para não ter tempo de se arrepender.

- Não conte para o papai, e também não fale sobre isso na escola. Não quero que saibam que tenho TEPT. - ela diz como se isso fosse o fim do mundo.

- Tá bom, tá bom. Não vou. - tranquilizando ela.

Passo a mão por seus cabelos, ela confia tanto em mim quanto eu nela. Sou grato por termos essa relação. A morte da mamãe nos mudou, pelo menos nos aproximou.

- Fica comigo até eu dormir? - ela pergunta. Percebo o quanto ela está cansada disso tudo.

- Fico - digo, me deitando.

Ela fecha os olhos aliviada pela companhia. E eu olho para cima, desejando o fim desse sofrimento dela.

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