Ouve-se um rugido vindo dos céus, a deusa Hera descia do Olimpo rapidamente em direção a casa da fada da noite, Electra. A chuva densa e cortante deixou aquele momento ainda mais dramático e melancólico. A sensação da grama e terra molhadas grudando na sola de seus pés, era excitante. A corrida contra o tempo, a salvação de tudo e todos aqueles que podemos tocar, estava por um fio. Seus pulmões já doíam, implorando por ar. A única chance de sobrevivência estava prestes a ter fim.
A deusa corria para que a fada não abortasse seu feto. Hera, apesar de ser totalmente oposta a ideia de uma mulher ter um filho que não quer, no momento tinha o dever de alertar que o feto em formação na barriga de Electra seria quem salvaria todos do fim.
Assim que colocou seus delicados pés sob um tapete de veludo, que ficou manchado de terra, avista a casa simples, mas aparentemente acolhedor, caminha até a porta e sem anúncio adentra na casa.
— Pare! — Ela ordenou.
Electra olhou confusa para a bela mulher de olhos cintilantes.
Há séculos Hera não descia para o segundo o mundo, porém a segurança do feto, que um dia se tornaria a chave para salvar tudo e todos, foi a razão dela voltar a colocar seus pés no mundo sujo dos seres de segunda origem.
Os anjos e os demônios eram considerados muito inferiores aos deuses, ainda mais por sempre entrarem em guerra. Os deuses nunca interferiam em nenhuma das discussões, aliás, até desejavam que os desentendimentos resultassem em morte.
— Sou Hera, deusa do casamento, e ordeno que não retire seu feto! — Apesar de o tom de sua voz não estar elevado, o poder daquela frase fez os quadros da parede da casa tremerem.
— Deusa Hera, pelos deuses! — Electra se ajoelhou no chão assustada.
— Levante-se fada da noite! — Imediatamente ela se levantou — O motivo da minha vinda é lhe alertar!
Electra ainda em choque soltou um suspiro assustada.
— Deseja algo? Água? Ou...
— Não!
Hera respirou fundo e sentou-se no sofá velho junto de Electra.
— O que direi pode parecer bobagem.
— Diga-me, minha senhora!
Electra amava e era fiel aos seus deuses, se não frequentasse o castelo de Orfel poderia até virar uma sacerdotisa.
Jamais imaginava que veria pessoalmente uma deusa. Hera estava bem a sua frente, com uma expressão aflita, aquilo lhe causava medo, mas tentava disfarçar.
— Seu feto tem grande participação e responsabilidade em uma profecia! — A fada arregalou os olhos incrédulos. — Uma profecia tão antiga que nem mesmo você havia nascido quando foi feita. Uma guerra acontecerá daqui alguns anos. Será sangrenta e avassaladora, o ser que cresce em sua barriga terá grande importância nesta guerra, ela possui um elemento poderoso da mãe terra.
— Ela?
— Sim, é uma menina.
Electra permanece em silêncio por alguns minutos. Queria protestar e dizer que a escolha é dela, mas afinal, Hera é uma deusa, se a contrariasse amaldiçoaria pelo menos quinze de suas gerações, além disso, a fada passou a vida estudando sobre “a escolhida por Hécate”. A escolhida salvaria todos de uma guerra, mas era (até então) apenas uma lenda, e o tempo todo a própria Electra carregava em seu ventre a escolhida.
— Mas Orfel, ele é o rei! Não pode ter filhos fora de seu casamento, se eu não matar a criança, ele vai!
— Não se preocupe. — Diz a Deusa. — Daqui cinco meses voltarei neste mesmo dia, e na mesma hora para te levar ao reino de Declan. É muito perigoso ir agora, muitos deuses querem a morte da sua filha. Fique tranquila, a rainha de lá é generosa, conte sobre a profecia e certamente irá lhe acolher. No entanto, me prometa uma coisa Electra. — Hera segurou nas mãos da fada. — Faça desta criança brilhante! Mas não conte da profecia antes de seus dezoito anos para que ela não se assuste e já tenha responsabilidade o suficiente. E se algo de ruim acontecer a ela eu a culparei. Sentirá tanta dor que irá implorar por uma morte rápida!
Electra a olhou assustada, mas logo puxou ar para os pulmões e disse:
— Não irei desapontá-la, deusa.
— Assim espero. Até logo.
Antes mesmo de piscar, Hera havia desaparecido.
Aquilo foi um choque, Electra nunca sonhou em ser mãe, planejava viver para sempre naquela casa simples junto de sua irmã. Odiava cuidar de crianças.
E então desabou, chorou enquanto pensava. Se desobedecesse a deusa estaria morta, mas passar a vida inteira cuidando de alguém que não queria era ainda pior.
Após mais ou menos cento e cinquenta e dois dias, Hera desceu novamente do Olimpo, como o combinado. A fada da noite fugiu de Orfel e mal saia de casa para que ele não visse sua barriga. Electra havia sido repreendida por sua irmã, Mirela. Que achava que tudo era invenção, afinal por qual motivo aquela criança, fruto de um adultério, seria tão poderosa? Aquilo não fazia sentido.
— Você nem gosta de crianças! — Exclama a irmã mais velha.
— Irmã venha comigo! Deusa Hera chegará em breve!
— Pare de mentir! Hera não perderia seu tempo com uma criança inútil!
Naquele instante um estrondo fez com que toda casa tremesse. Electra e Mirela soltaram um grito agudo se segurando em alguns móveis. Hera entrou na casa furiosa.
— Jamais ofenda a escolhida por Hécate! — Gritou.
Mirela se ajoelhou imediatamente com a testa encostada no chão, sentiu tanto medo que teve certeza que vomitaria.
— Electra, o rei descobriu que não tirou a criança, daqui alguns minutos estarão aqui! — Hera estendeu o braço indicando que a fada deveria se aproximar.
— Espere um momento. Irmã, por favor venha comigo!
— Não, isso é loucura! Demoramos tanto tempo para construir nossa casa.
— Quem é você para dizer isto mera Agnus! — A deusa estava prestes a se descontrolar com a insolência de Mirela.
— Como sabe que sou uma Agnus?
A condição batizada de “Agnus” era mais comum entre as fadas e sereias. Mesmo sendo seres que possuem habilidades especiais, devido a complicações durante a gestação e parentes mortais na árvore genealógica, nascem sem poderes e sem a sua imortalidade. Electra sabia que sua irmã viveria apenas por algumas décadas, mas a amava incondicionalmente e evitava pensar nisso.
— Venha Electra, mesmo que sua irmã quisesse ir junto, não poderia!
A fada da noite sentiu seus olhos arderem, suas lágrimas estavam prestes a escorrer por sua bochecha, correu abraçando sua irmã que a empurrou.
— Nunca mais volte! A partir deste dia você está morta para mim.
Hera puxou Electra antes que respondesse algo.
A fada sentiu seu corpo ser contraído ao adentrarem o primeiro portal, segurava na deusa com força para que não caísse, suas lágrimas flutuavam por conta da gravidade do portal, a única coisa que conseguia enxergar era uma forte luz roxa que logo se tornou vermelha ao entrarem no segundo portal.
— Declan não é tão longe de Crowl, por que está demorando tanto? — A fada pergunta enquanto observava as faíscas azuis que flutuavam próximas às duas.
— Como já disse muitos querem a morte de...
Hera solta um grito ao sentir que estava caindo.
— O que aconteceu? — a fada segurava ainda mais forte na deusa
— Nos descobriram! Electra, irei te empurrar, não se mexa ou não dará certo! Não deixe que machuquem esta criança!
— Mas...
Antes de completar sua frase, ela foi empurrada para o terceiro portal. Tentou gritar ao sentir uma terrível dor de cabeça, mas som algum saiu. Ao curvar um pouco sua cabeça para o lado viu a divisa do reino de Declan, mas ao olhar para frente viu três homens mascarados segurando Hera, um deles sacou uma faca do bolso e tirou sua vida.
— Não! — Ela gritou chamando a atenção dos homens.
Antes que conseguissem pegá-la, já havia ultrapassado o portal.
Electra abriu os olhos lentamente, estava deitada sobre o chão do reino mais próspero de todas as terras.
Soltou um grunhido com a mão em sua testa tentando abrir os olhos com aquela dor de cabeça. Antes que conseguisse se levantar vários guardas estavam com espadas apontadas em sua direção.
— Quem é você? E o que faz no reino de Declan? — Pergunta um dos guardas.
— Eu sou uma fada da noite. — Electra se levanta lentamente com as mãos para cima.
— O que faz aqui ser das trevas?
— Eu... é... Será que poderia falar com a rainha?
Os guardas caíram na gargalhada.
— Por que a rainha falaria com uma fada da noite?
— Não notaram que está mulher está grávida? — Uma bela mulher de olhos azuis, pele preta e cabelos enrolados apareceu atrás dos guardas.
— Majestade! O que faz aqui? — Um deles exclama se curvando.
A rainha ignora a pergunta bufando.
— Leve-a para minha sala.
Os guardas arrastaram Electra de forma bruta até o castelo, ao entrar foi guiada por algumas empregadas até a sala. Seus olhos brilhavam ao observar o castelo, havia tapeçarias deslumbrantes do tom mais vivo dos vermelhos por todos os lados, os objetos eram feitos de ouro, pinturas expressivas cobriam a maioria das paredes. E o cheiro de comida fez sua barriga roncar, mas logo parou de se encantar com o lindo lugar, quando uma das empregadas chamou sua atenção indicando que haviam chegado.
— Entre — a rainha ordenou enquanto estava sentada em seu trono.
Electra se aproximou da rainha de cabeça baixa tentando não observar as lindas pinturas no teto. Se curvou brevemente. Enfim acreditou nos boatos que diziam que Declan era o reino mais rico e bem-sucedido. Um reino comandado por uma mulher, claramente seria bem-sucedido.
— Diga-me qual seu nome?
— Me chamo Electra, majestade.
— E o que faz no lado da luz, Electra?
Ela suspirou se preparando para explicar.
Devido ao desespero, a fada falava tão rápido que a rainha pedia várias vezes para que repetisse. Rainha Ângela soltou um suspiro ao ouvir o nome do ser que mais odiava, Orfel.
— Estou grávida, ele ordenou que eu matasse a criança, mas a deusa Hera disse que não poderia fazer isto por conta de uma profecia. — Electra torcia para que aquilo tivesse sido convincente.
— Está com quanto tempo?
— Quase seis meses, majestade.
— Há muito tempo falam sobre a tal escolhida, muitas mulheres apareceram aqui dizendo que seus filhos eram os escolhidos. Mas a deusa me alertou dizendo que a verdadeira apareceria no dia do solstício de outono. Sei que não está mentindo. — Ângela se aproximou e sorriu. — Bem-vinda ao reino de Declan.
Usava um vestido azul cheio de detalhes, mal conseguia se olhar no espelho de tão pequena que ainda era. A doce Ayla estava animada para o grande baile que teria, mesmo não sendo princesa morava no castelo, o motivo? Sua mãe nunca explicou.
— Se comporte! Não diga uma palavra a não ser que alguém fale com você! — Electra diz enquanto penteava os cabelos da filha.
Ayla sorria enquanto observava sua mãe através do espelho, não recebia amor, mas era terrivelmente apaixonada por sua mãe. Electra não fazia ideia de como dar amor, por isso criava sua filha de forma fria.
O baile estava entediante aos olhos da pequena, um bando de reis e rainhas vindos de outros reinos bebendo e conversando sobre seus reinos prósperos. Ayla caminha para fora do castelo sentindo o vento gelado, no reino de Declan, mesmo que não estivesse no inverno, todas as noites eram frias.
— Venha criança! — Uma voz a chama.
— Quem está aí? — A pequena pergunta assustada.
Uma risada assustadora vinda da floresta deixa Ayla ainda mais intrigada. Era proibido que saísse até a floresta, ainda mais a noite. Mas teimosa como era, pega uma tocha e corre até a floresta.
— Por aqui… — Ouve a voz vindo de seu lado esquerdo, Ayla olha atentamente as árvores, e logo começa a tremer por conta do frio.
— Olá, pequena Ayla. — Uma mulher de cabelos ruivos estava sentada próxima a uma grande árvore.
A escolhida pulou de susto com os olhos arregalados
— Quem é você?
— Eu? Eu sou... Sou sua bisavó!
— Bisavó? — Lentamente ela anda para trás.
— Não precisa temer, querida! — a mulher caminhava em sua direção. — Sou mãe do seu avô, que é pai do seu pai!
Ayla observa confusa e ainda com medo.
— Mas, eu não tenho pai! É isso o que mamãe sempre diz. — a pequena fada continua se afastando.
— Você não conhece seu pai! Mas, tem um! — a senhora de cabelos ruivos se transforma em névoa e para perto da menina, fazendo-a dar um pulo de susto. — Asas roxas... tão lindas!
— Obrigada. — a pequena agradece insegura.
— O motivo de minha visita é que quero te proteger.
— Não preciso que me “pretejam”.
— Protejam, criança! – Sua bisavó a corrige. — E precisa sim, como precisa.
A mulher a segura no colo e ao olhar no fundo de seus olhos, adentrou na alma da pequena, o que a fez engasgar e sentir uma imensa falta de ar. Tentava gritar, mas não saia som algum. Ayla havia percebido que aquela mulher definitivamente não estava viva.
“Seria um fantasma?” — Ela se perguntava enquanto tentava respirar.
Aquela mulher havia esperado muito tempo por aquilo. Tenebres estava morta, mas era um demônio tão poderoso, que podia se manter viva presa a algum outro corpo físico. Sonhava com o dia do nascimento de Ayla, a garota que faria com que seu reinado voltasse. Enquanto olhava sua expressão de medo entrelaçou suas almas, estavam ligadas para sempre.
Ayla solta um grito ao ser jogada para longe.
— Fique longe da menina! — Grunhe o dragão.
Ayla havia lido livros e ouvido algumas vezes sobre os dragões, mas não pensava que fossem tão aterrorizantes. A mulher ruiva ri antes de golpear o dragão que se defende cuspindo fogo.
— Droga. — Ela exclama. — Meu nome é Tenebres! — Ela grita. — Lembre-se deste nome! — o demônio abre suas asas negras logo saindo dali.
O dragão a olha.
— Suba! — Ele grita se abaixando.
Ayla o olha amedrontada.
— Suba agora!
Mesmo com medo, a menina sobe no dragão.
Ao ver que estavam um tanto longe do chão, o abraça. Não demorou muito para que avistasse o castelo novamente.
— Qual é o seu nome? — Ayla desce de suas costas com dificuldade.
— Nunca mais vá para floresta sozinha criança! — O dragão a ignora.
— Desculpe.
Seu protetor a observa soltando um suspiro.
- Me chamo Vágmat.
Ayla o olha sorridente.
— Até breve, criança! — o dragão voa, desaparecendo sob a escuridão da noite.
Mesmo enquanto ouvia sua mãe gritar dizendo que não deveria ter saído não se arrependeu, de certa forma sentiu algo bom quando Tenebres deixou algo em sua alma. Queria vê-la de novo e Vágmat também.
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Coroa de Agulhas - Círculo de Fogo (Degustação)
Fantasy(Compre o livro físico pelo link da Bio do meu Instagram @sthe_peixoto)✨ Aquela sensação do mal invadindo minha alma, o fogo que se alastrava em minha alma. Me sentindo forte e indestrutível, havia me entregado para escuridão e nada mais poderia ser...