Estava consumado. No decorrer da festa eles trocaram poucas palavras. O casamento havia acontecido de manhã e não demoraram para se despedir dos convidados e pegarem a estrada. No carro, seus olhares se cruzaram em suspense, como que querendo ler o pensamento do outro. Desde aquele encontro no parque, ela passou a pesquisar sobre a Aids. O tabu que se ouvia de longe agora tão perto. Mas não foi apenas pela doença que passou a se interessar. Descobriu que um dos significados da palavra "Arthur" era corajoso. Ah sim, era inegável que ele tivesse feito jus a seu nome indo até ela e se expondo daquele jeito. Abrindo o coração. Confiando-lhe segredo. Considerando. Respeitando. A cada um clique na internet dois iam na direção daquele homem, que ela sabia que era tão refém quanto ela naquela situação.
Depois de um longo período fechado, o parque de São João Carlos foi reaberto. Dânia pediu para darem uma parada por lá no caminho. Ele consentiu gentilmente. Ao chegarem, andaram sem pressa em direção às ruínas:
- Por que estamos aqui, Dânia?
- Porque sinto que devo algumas explicações.
Um ponto de interrogação ficou estampado na face de Arthur.
- Naquele dia em que veio me encontrar, você foi sincero comigo. Fiquei em choque diante de todas as revelações. Eu jamais poderia imaginar que você pudesse estar lidando com algo tão difícil.
- Dânia você não me dev...
Ela tocou seus lábios levemente fazendo-o calar imediatamente como um déjà vu.
- Eu sei Arthur, mas eu quero. Você me fez ver a nossa história com um novo ponto de vista. O casamento arranjado é algo terrível. Ninguém deveria ser forçado a isso. Porém no nosso caso a situação era diferente. Nós dois nos submetemos a essa condição pensando em nossas famílias.
Arthur assentiu com a cabeça e disse:
- Sim, em sã consciência eu jamais me casaria com você.
A expressão de Dânia se fechou.
- Meu Deus, me expressei errado, por favor, desculpa. Digo, você é linda e chamou minha atenção na primeira foto que vi. Seu ar de mistério lembrava a famosa obra Monalisa.
Ela encabulou e sorriu para ele pela primeira vez.
- Dânia, eu jamais forçaria alguém a se casar comigo. Aceitei esse absurdo pelo meu pai. Não queria envergonhar ainda mais minha família.
- Acho sua atitude muito nobre. Poucos filhos honrariam seus pais dessa forma.
- Mas ao mesmo tempo, achei injusto com você. Que agora está aliançada a um doente.
- Não fale isso de você mesmo.
Ela fez questão de o repreender e continuou:
- Eu li a respeito. A Aids não é assim, um monstro de sete cabeças como já foi nos anos 80. Pode-se viver muito bem sendo soropositivo, até melhor do que muito soronegativo que não se alimenta direito, não se exercita e vive uma vida de excessos. Não há mudanças na rotina, apenas a medicação que deve ser tomada diariamente e ir regularmente ao médico para acompanhamento. E a grande limitação está em fazer sexo seguro.
Arthur admirou-se com tanta informação vindo dela:
- Nossa, estou impressionado!
- Você ainda não viu nada.
Dânia flertou intencionalmente e se satisfez com o sorriso arteiro com que ele retribuiu. Era um homem de muitos predicados, pensou. Não apenas em sua forma física, mas em suas atitudes diante das pressões impostas pela vida.
Sabia que não precisava mais resistir. Bem ali, no meio das ruínas, um lugar outrora marcado pelas correntes da escravidão e alagado pelas águas da opressão, agora dava permissão para que uma nova história fosse escrita.
- Precisarei de um tempo.
Ele segurou sua mão. Seu olhar alcançou o âmago de sua alma:
- Esperarei o tempo que for preciso, minha menina.
Dessa vez, o pronome possessivo não lhe soou nem um pouco agressivo.
FIM
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Ruínas
Short StoryUm casamento arranjado. Duas vidas entrelaçadas em prol de um motivo maior. Respeito e cumplicidade.