Acontece nos sonhos

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Assim que acordei, vi que ele não estava mais ali, sua cama estava vazia. Seus pertences e sua mochila também haviam sumido. Eu gostaria de dizer que sabia que David iria retornar, mas sabia que isso não aconteceria. Não por medo de ele ser pego por alguma daquelas criaturas. Mas por acreditar que ele nos abandonou.

Minha vontade era de pegar minhas coisas e ir atrás dele nesse exato momento, porém, não seria justo com ela. Não seria justo deixá-la sozinha aqui sem dizer mais nem menos.

Me levanto, pego minha mochila ao pé da cama e vou até a enorme porta de metal, que fica a, pelo menos, trinta metros de onde estamos. Vivemos nesse galpão soterrado há quase três anos. Tivemos sorte ao encontrá-lo. Esse lugar é quase um bunker. As diversas trancas estavam fora do lugar, ainda que ela se parecesse com a porta de um cofre impenetrável, eram as barras de aço maciço que se fechavam sobre ela que impediam qualquer coisa de entrar.

Ele ser descuidado a esse ponto, sinceramente, me tirou a paciência por completo. O que teria acontecido comigo e com a Sam se tivessem nos encontrado enquanto dormíamos? Ele sequer se importou com isso?

Samantha chamou meu nome assim que me aproximei da porta.

— Adler! Onde o David tá?

Escolhi por não responder. Contraí meu rosto em desaprovação. Eu deveria ter acordado ela, explicado o que ia fazer.

— Ele fugiu, não foi?

— É, ele fugiu.

Não pude fazer nada senão admitir.

— E você vai fazer o mesmo?

— Não... Só quero saber se ele ainda está por perto.

— Posso ir com você?

— Não vou demorar muito. É perigoso, você sabe; aquela fábrica ou o que quer que aquilo seja não fica tão longe.

Uso boa parte da minha força para girar o volante de metal, que servia como atuador para abrir a porta.

— E eu vou ficar aqui sozinha?

Viro meu rosto na direção dela, enquanto, lentamente, abro a porta.

— É mais seguro.

Parte de mim não quer dar qualquer chance para Samantha me impedir, não quer que ela se arrisque. Outra parte quer que ela venha comigo. E eu estou em cima do muro.

— E o quê? Esperar que você volte, como uma donzela frágil e vulnerável faria? Você pode nunca voltar, sabia?

Olho para baixo por um instante, procurando afastar um pouco da dor que aquelas palavras me trouxeram. Ela ficou brava, muito brava. Eu entendo o que ela deve estar sentindo. Então não posso culpá-la.

Somos as últimas pessoas que restaram um para o outro agora. Somos as únicas coisas que temos.

Levanto meu olhar e tento ver além o que há além da, agora aberta, porta. Vendo através da moldura de concreto na qual ela se encaixava. E, então, sinto a cor drenar de meu rosto. Sinto meu corpo se tornar pálido.

— Névoa. — Digo para mim mesmo, mas alto suficiente para que Sam ouça.

Ela permaneceu em silêncio, devia estar com tanto medo quanto eu. Não posso deixá-la aqui. Ainda que a situação tenha se tornado ainda mais insegura. Não tenho qualquer certeza de que conseguirei retornar. Não posso fazer isso com ela. Não de novo.

— Já está com a sua mochila, Sam?

— Sim. — Ela assentiu.

Meu peito estava apertado e eu não tinha qualquer ideia do que poderia acontecer.

Complicado de AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora