Capítulo um

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    Eu sempre gostei de estar num lugar silencioso, mas esse lugar é insuportável. A minha casa é um lugar insuportável porque não há alegria. Costumava morar com o meu marido, mas as pessoas mudam. E agora estou aqui sozinha numa casa que está a cair aos pedaços.
    Joe nunca me amou.
    Pelo menos, foi o que eu percebi. Quem ama não faz o que ele faz. Ele sempre me batia, não gostava das roupas que eu usava, odiava a minha comida, passava a noite fora de casa e ainda esfregava na cara que a culpa sempre foi minha. Eu tive que tomar uma atitude, então decidi ir embora. E ainda tenho gravado as palavras que ele disse quando fui embora.
    "Você não é nada sem mim. A qualquer momento irá voltar para casa".
     Agora eu não sei quem aquele homem é. Sete anos de casados, eu não sei quem o meu marido é. Também não me lembro como eu acabei casada com ele. Mas eu ignorava todos os sinais e não ouvi a minha mãe. Se ela ainda estivesse aqui, eu pediria desculpas. Eu não devia ter duvidado dela. Porque agora não sei o que fazer. Há dois meses que saí de casa e a minha reserva está no fim, daqui a pouco não terei como sobreviver.
     Já procurei emprego em alguns lugares, mas não consigo nenhum. Joe nunca quis que eu trabalhasse, agora estou aqui, em sofrimento. Não sei o que fazer da minha vida. Isso é tão frustrante.
    Estou a um ponto de voltar para casa, mas eu não quero suportar as humilhações dele novamente. Joe não quer dar o divórcio, mas eu sei que ele leva mulheres para casa agora que não estou lá. Sério que ainda não acredito que o homem que eu tanto amava tenha se transformado naquilo. Um ser completamente repugnante.
     Suspiro e saio de casa. Tranco a porta ao mesmo tempo que a vizinha simpática. E digo simpática porque tenho outra vizinha que é terrível. Ela não gosta de mim, não entendo porquê, mas não gosta. Como se o meu nascimento tivesse tornado a sua vida num pesadelo.
     Aceno para a vizinha simpática, que na verdade vem ter comigo. Ela deve estar na casa dos quarenta, seu marido trabalha duro, vejo quando sai todas as manhãs e volta tarde. Seus dois filhos estão num colégio e quando regressam trabalham na loja da família. Eu quis pedir emprego, mas não tive coragem, principalmente porque não vivo aqui a tempo suficiente, e eles nem devem confiar em mim.
     — Bom dia, Bella. — Sorri. — Como você está? — Seus cabelos castanhos caem pelo rosto, mas não escondem seus olhos azuis.
     Péssima.
     — Tentando sobreviver. E como a senhora está?
     — Também estou bem. — Ela tira um papel rasgado da bolsa. — Minha irmã conseguiu um emprego para mim. Ela disse que um homem viúvo, eu acho, precisa de uma babá. Urgente.
     — Isso é muito bom. Devia aceitar.
     — Não é isso. É que tenho visto você procurar por emprego todas as manhãs e tenho a certeza que precisa mais disso do que eu. — Entrega o papel.
     Seguro as lágrimas, porque não estou acostumada que as pessoas sejam tão boas comigo. Minha mãe era mãe solteira, nunca conheci o meu pai, mas ela fazia de tudo para que eu tivesse o necessário. Ela era a única que dizia que eu era especial. Joe também disse, mas ele mentia. E agora aparece essa senhora... isso mexe com o meu coração.
     — Muito obrigada, senhora Lavignia. — Recebo o papel.
     — Ele precisa de uma confirmação. Não sabe quem será a babá, mas já disse que aceitava o emprego. Agora você precisa acertar as coisas com ele.
     — Está bem. — Pulo para os seus braços. — Muito obrigada, não sei como agradecer.
     — Não precisa agradecer. Eu gosto de ajudar as pessoas. O mundo está cada vez mais difícil.
     — E as pessoas cada vez mais ruins. — Olho para o pedaço de papel. — É bom saber que ainda existam pessoas como a senhora.
     — Deus é grande, menina. Agora preciso ir para a loja. Não esqueça de ligar.
     — Não vou esquecer. Mais uma vez, obrigada.
     Ela sorri e vai embora.
     Limpo as lágrimas e volto para dentro de casa. A senhoria é uma boa pessoa, ela vive perto daqui e já estou atrasada nas contas, finalmente vou conseguir pagar. É difícil não ter ninguém para ajudar. Não posso estragar tudo. Tenho que ser forte.
     Tiro o meu telefone da bolsa e suspiro. Olho para os números escritos no papel e o nome do senhor que tenho que ligar. Espero que não seja uma má pessoa ou que mude de ideias caso eu não seja o que ele esperava.
     Disco o número e ligo para ele. É o meu primeiro emprego, estou um pouco nervosa. Também é um pouco vergonhoso para mim dizer isso em voz alta, tenho vinte e oito anos. Eu não sabia que Joe seria uma desilusão.
     — Alô! — Oiço a voz grave e fria do outro lado. Minha coragem começa a desaparecer.
     — Ah... eu queria falar com o senhor Perri sobre o trabalho de babá.
     — Sim. Sou eu.
     — Eu sou a Bella... — Não posso dizer o meu sobrenome de casada. — ... Walter.
     — Eu preciso de uma babá urgentemente. Você pode começar o mais breve possível?
     — Com certeza que sim.
     — Podemos acertar as coisas por telefone? Estarei muito ocupado.
     — Podemos sim.
     — Você é amiga da empregada do senhor Anthony Perri, não é? Ela me recomendou você.
     — Sim. Quase isso.
     — Vou precisar de você nos dias de semana. Por enquanto, eu acho. Meu filho tem três anos, espero que não seja um problema...
     — Claro que não. Adoro crianças.
     — Vou pagar muito bem para cuidar dele como deve ser. Podemos acertar o salário quando quiser. É negociável.
     — Claro que sim, senhor.
     — Eu sei que vai soar muito desesperado, mas pode começar amanhã?
     — Com certeza, senhor Perri. Pode dar o endereço que eu vou ter consigo.
     — Ótimo. Vou enviar o endereço. E pode aparecer por volta das oito, eu acho.
     — Sim, senhor.
     — Obrigado.
     — Eu é que agradeço. — Desligo.
     Não foi tão ruim como eu pensava. Percebi que ele realmente precisa de ajuda. Não deve ser fácil ser pai solteiro, principalmente se trabalha o tempo todo.
    Ainda não acredito que consegui o meu primeiro emprego. Não é grande coisa, mas já é muito bom. Existem formas piores de ganhar dinheiro. Na verdade, esse emprego é digno e vou estar perto de uma criança. Eu sempre quis ter filhos.
     Vou preparar a roupa para vestir amanhã porque já estou um pouco nervosa. Espero que não mude de ideias quando olhar para mim. Pareço a decadência, mas posso melhorar isso. Tenho que parecer profissional como as babás das novelas e dos filmes.

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