Ouvi dizer que não sou ninguém. 
Mas amigo, as suas palavras não me ofendem. 
E entre tanto ódio, peço calma. 
Pois ao tentar insultar, me deu um nome. 
Sou a verdade mais pesada, e não finjo ser gente. 
Não sou alguém que você conhece. 
E o quarto branco, que te enlouquece.
Aquele sutil abraço gelado, que aquece.
E o silêncio extremo, em meio ao diálogo. 
Sou o desconhecido, que habita qualquer vazio. 
As casas após serem abandonadas. 
O que as fadas eram antes de ter asas. 
O que lucifer se tornou após a queda, nada. 
Posso até ser aquele que salva. 
O corte da faca, que fere, mas não te mata. 
Sou o reflexo não mostrado no espelho. 
O segundo entre cada trago no cigarro. 
Na vida e na morte, o breve momento. 
Posso até ser o silêncio completo. 
O que segue quando pensa estar sozinho.  
Invisível e sempre diante dos seus olhos. 
Sou o abrigo dos sofridos. 
Posso ser a mãe dos órfãos. 
A corda lançada aos afogados. 
Sou a leve brisa na pele dos torturados. 
O beijo sem sabor dos depressivos. 
As mentiras mais afiadas entre amigos. 
Dos loucos, sou o hospício. 
A voz entre os pensamentos de suicídio. 
Sou a companhia dos solitários. 
O que está entre os móveis do seu quarto. 
Em baixo da cama, o eco no escuro. 
O zumbido no ouvido após estar longe de tudo. 
O choro sem explicação no meio da noite. 
Sou o vazio, que permanece após a morte. 
O vento sem som e que não balança as cortinas. 
O que você enxerga no escuro das madrugadas frias. 
Sou o espaço entre as palavras, as suas e as minhas. 
A real razão do sorriso sem motivo aparente. 
E o pai adotivo de qualquer demônio decente. 
Mas mesmo assim, ouvi dizer que não sou ninguém.
Inúmeras coisas, mas da sua maldade, nunca o refém. 
Levo orgulho, por ser o seu extremo nada, e mais além. 
Pois a lua negra torna-nos espelhos, o mesmo alguém. 
Seres tão... iguais, mas prazer, eu sou ninguém. 
E você amigo, é quem?