Maria que também é João
João que acorda as quatro
Que sai de casa às cinco
Que pega o metrô da cinco e meia
Que chega ao trabalho às seis
Que sai do trabalho às nove
Que chega em casa às onze
João que trabalha em escritório qualquer
Em uma avenida qualquer
Com um chefe qualquer
João que veste um terno
Que demonstra o que não é
João que ao chegar no fim de semana que se torna Maria
Que faz show em uma boate
Que usa salto e calcinha
Que entra às sete
Que sai às duas
Que chega em casa às quatro
Que dorme feliz
Maria que nas mãos do produtor qualquer
Se transforma em uma estrela em ascensão
Que nas mãos de um homem qualquer
Que não sabe o que quer
Se transforma em uma aberração
Que o leva a tentação
Maria, que nas mãos de um homem qualquer
Que sabe o que quer
Se transforma em um mulherão
Que não se deixa levar pela mediocridade das más línguas
Maria que tem o percurso interrompido
Por um preconceituoso qualquer
Que apanha até quando "Deus quiser"
Que ora em silêncio
Que grita por socorro
Maria que também é João
Que agora no chão
Virou mais um indigente
Um incidente
Que vira mais uma estatística
Maria que se torna notícia na internet
Que é tachado como aberração
Que é descoberto pelo chefe
Que perde o emprego
Que perde a dignidade
Maria que é enterrado apenas como João
Mas João também é Maria
A estrela em ascensão
O mulherão
Que trabalha de segunda a sexta
Das seis a nove
Que chega às onze
Que trabalha de sábado a domingo
Das sete as duas
Que chega às quatro