Capítulo 5 - Me desculpa

83 11 1
                                    


Chego no meu quarto puta da vida. Já faz mais de um ano e meio que eu moro no prédio da The Garage. É que nos fundos do edifício tem um prédio menor para funcionários que moram longe. Cada um tem uma kitnet bem confortável com todos os móveis e pode usar o local por quanto tempo quiser.


Minha intenção era ter alugado ou mesmo comprado um chalé aqui em Beaufort (uma cidadezinha a 1h30 de Charleston), mas a ideia de voltar para casa e não ter ninguém me desesperava. Tenho uma família enorme e sempre vivi em ambientes agitados, cheios de gente falando. Quando meus pais e irmãos foram para o Brasil, acabei solicitando uma das kitnets e tenho morado aqui desde então. É bem aconchegante e tem tudo o que preciso, mas não é um lar.

Troco as roupas de escritório por jeans, botas, um suéter, gorro, luvas e um casaco de neve. Estava nevando esse ano em Beaufort, o que é bem raro. Geralmente eu cozinhava meu jantar aqui no kitnet, mas hoje precisava sair. Que porcaria foi aquela com Adam? Flertando? Eu? Pff. 

Eu conheço o meu lugar! Sei muito bem me comportar. Que ódio!

Ando pela rua principal, onde ficam os restaurantes, mas estou tão irritada que acabo não entrando em nenhum. Caminho pelas ruas cheias de neve da cidade e acabo parando em frente a uma casa.

A placa de "vende-se" continua ali. O lugar era simplesmente incrível. O sobrado tinha a frente de tijolinho e uma cerca branca linda. Eu morria de vontade de ver por dentro para saber se era tão incrível quanto por fora, mas nunca tive coragem de ligar no número escrito na placa.

A verdade é que aquele sobrado estava bem longe de ser o chalé que eu sempre digo que vou alugar. Aquela é uma casa de família, daquelas ideais para criar uns dois filhos, ter um cachorro.

Fico perdida em pensamentos por uns instantes imaginando coisas que nunca acontecerão, quando escuto uma voz conhecida me chamar.

- Pensando em comprar uma casa?


Não viro, nem respondo, afinal ainda estava com raiva do comentário infeliz que fez mais cedo.

- Nyv...

- Boa noite, Adam. - Digo virando para a calçada para ir embora, mas ele me segura pelo braço.

- Espera, por favor.


Bufo, irritada. E viro de frente para ele, cruzando os braços.

- Que é, chefe?


Vejo o mauricinho enfiar os dedos nos cabelos sempre tão bem penteados, bagunçando-os por completo. Ele estava um pouco ridículo de terno e casaco de neve, fora que os pés devem estar congelando com aquele sapato social.

- Desculpa pelo que eu disse mais cedo.

- Tudo bem, chefe.

- Pode parar de me chamar de chefe?

- Não é o que você é? - Pergunto, desafiando-o com o olhar.

- Não. Não aqui fora, não a essa hora.


Seu olhar intenso causa um arrepio no meu corpo.

- Eu não deveria ter dito aquilo.

- Não, não deveria mesmo. Em dois anos e meio trabalhando juntos quando foi que eu fui menos profissional? Ou "flertei com um cliente"? - Perguntei com tom ácido e bem irritado.

- Eu sei. Não sei porque eu falei aquilo, é que o tal do Brandon estava abraçando você e...

- E? E o que? - Desafiei erguendo o queixo ainda mais. Ele me encarou e bagunçou ainda mais os cabelos antes de deixar os ombros caírem em um gesto derrotado.

- Desculpe, Nyv.


Olho para a minha casa dos sonhos e deixo a raiva ir embora. Droga, não conseguia guardar rancor do Adam. Balanço a cabeça em sinal afirmativo e sinto ele relaxar ao meu lado. Ainda fico admirando a casa mais um pouco.

- Então... vou perguntar de novo. Pensando em comprar uma casa?

- Não. - Respondo apática. - Não é como se eu tivesse uma família para colocar ali.


Respiro alto e balanço a cabeça, em seguida passo o braço pelo de Adam.

- Vem, Adam. Vamos embora antes que seus pés congelem com esse sapato.


Caminhamos em silêncio até que lembro de algo.

- Ei. Porque você estava andando pela cidade na neve com esses sapatos?

- Eu, bem... ahn.

- Sim? - Pergunto fazendo-o parar e virar de frente para mim.

- Eu vim atrás de...


Juro que ouvi ele sussurrar "você". Oi? Foi uma alucinação, né? Peço para ele repetir, mas Adam aponta o restaurante atrás de mim e começa a me puxar para dentro.

- Nossa, eu estou morrendo de fome. Vem vamos comer.


E assim terminamos a noite jantando juntos, o que só aumenta ainda mais as minhas dúvidas.

Ciúme de vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora