Capítulo Um

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Agora

Uma cidade nova, uma casa nova, uma escola nova. Que belo desastre me perseguirá neste ano?

Não conheço nada aqui, não sei nem mesmo o nome da rua da minha casa. Não me interessei em explorar as redondezas ou qualquer lugar por aqui. Desde que cheguei não pisei o pé pra fora, mas li muitos livros, MUITOS MESMO. 

Me orgulho da estante no meu quarto, está tão cheia que quase vejo hora ela virar, até mesmo as prateleiras em cima da minha cama são entupidas de livros.

Às vezes sinto saudades de sair, também sinto saudades de ir à praia e também sinto saudades de pintar. Não toco em tintas ou pincéis ou em telas desde "ele" (meu ex), isso me lembra ele e odeio me lembrar dele, evito me martirizar por ele, mas é o mesmo que nada, de um jeito ou de outro acabo pensando no demônio. 

Hoje é um dia quente e não aguento ficar mais enfurnada dentro de casa. Mamãe está dormindo, desde a morte do meu pai ela tem trabalhado muito, sempre chega cansada. 

Nos mudamos para uma cidade mais calma e para uma casa menor, não há necessidade de uma casa grande, somos só nós duas e também a antiga casa que morávamos estava cheia de lembranças do meu pai.

Bati na porta dela e avisei que ia sair, de resposta só recebi um "uhum" sonolento.

Peguei minha bicicleta, meu celular, meus fones, um mapa e fui. Enquanto pedalava pelas ruas muitas pessoas olhavam pra mim, esqueci que cidade pequena tem dessas, gente curiosa em toda esquina.

Ouvi minha mãe dizendo sobre uma cachoeira na floresta por aqui, bem conhecia o "por aqui" dela, que significava longe, não tanto, mas ainda assim, longe.

Parei um pouco para checar o mapa, eu já conseguia ver a estrada que levava até a tal da cachoeira. Quando estava perto do caminho acabar, escondi minha bicicleta no meio das árvores, não vi nenhum veículo por perto ou algum sinal de pessoas.

Andei pelo caminho que se encurtava mais e mais, até ouvir o som da água, depois disso fui correndo até o barulho. Mas quando cheguei foi a coisa mais linda que já vi, o lugar era rodeado por rochas, além das árvores que protegiam o lugar, a água que saía da cachoeira  era tão cristalina, era perfeito e a vontade de pintar surgiu, uma sensação de nostalgia me envolveu.

Não esperei mais nem mais um minuto, tirei toda a roupa que me cobria, ficando apenas com minhas peças íntimas e então entrei. Foi como se a água aliviasse todos os meu problemas, lavando-os como se fosse sujeira, indo para o mais longe possível de mim.

Nadei e mergulhei até perder-me na tranquilidade das águas, então fiquei apenas boiando sossegada, olhando o céu, mas a paz que reinava foi quebrada por sons de passos, fiquei alerta e no mesmo instante olhei para as árvores.

Comecei a ficar assustada, daqui uma hora o sol se esconderia, estava tarde e as sombras do lugar começavam a me enganar, tremi de medo só de pensar quem estaria ali ou o que estaria ali. Sem mais nem menos perguntei:

ㅡ Quem está aí? ㅡO medo que eu sentia era grande, mas a curiosidade era maior então perguntei novamenteㅡ Quem está aí? Me responda agora!

Ouvi o farfalhar de folhas, estava se distanciando. Ainda bem, mas ainda me restavam dúvidas. Quem era a pessoa que me espionava?

Me escondi atrás de uma rocha e esperei, cinco minutos depois saí de lá, a água parecia me puxar em direção a ela, mas já estava cansada e também já escurecia. 

Vesti minhas roupas, peguei minha bicicleta e fui embora. Para voltar seria um problema, pois se está escuro não vou conseguir ver o mapa, e se não consigo ver o mapa significa problemas para voltar pra casa, teria de usar a luz do postes e é horrível estar parando no meio da estrada ou  a cada esquina para saber se estou no caminho correto.

A noite já estava chegando e ela parecia mágica, nem se comparava a tarde. 

Passei por muitos lugares que pela tarde não tinha visto. Enquanto pedalava vi um pub, o movimento começava agora, vi muitas pessoas, na verdade, muitos adolescentes, um pouco mais velhos que eu, eles já não eram como os habitantes que encontrei à tarde, eles nem ligaram se eu estava passando ou não. Bom, sem curiosos na rua então...

Quem sabe um dia eu não vá lá? Mas por enquanto, casa!

Depois de tanto tempo pedalando, já conseguia ver minha casa. As luzes estavam apagadas, somente a de fora estava acesa, significa que minha mãe já foi trabalhar. Coloquei a bicicleta no terraço e procurei pela chave, tínhamos que fazer urgentemente a cópia, viver só com uma e a reserva é terrível.

Achei a chave debaixo de um vaso de planta, quanta criatividade! Depois que entrei, coloquei um pouco de água numa panela e pus pra esquentar, em seguida subi pra tomar banho.

Quando terminei, voltei pra cozinha e fiz chocolate quente, hoje seria a noite de filmes, peguei tudo que tive direito pra essa ocasião, biscoito, pipoca, doces, balas, tudo quanto é besteira e fui em direção a sala.

Depois de muitas horas maratonando filmes e me entupindo de doces, ouvi um barulho do lado de fora, no mesmo momento fiquei apreensiva e coloquei a TV no mudo, curiosa como sou fui ver o que era.

Minha mente gritava a todo momento "não vai. Não Vai! NÃO VAI!!! MENINA NÃO VAI! SE ENROLA NUMA COBERTA E VAI DORMIR, CRIATURAAAA!". 

É, a curiosidade me mataria, como diz aquele ditado "a curiosidade matou o gato", só me resta saber se sou realmente o gato…

A essa hora da noite todo mundo já devia estar dormindo, mas quem é a idiota que continua acordada? Eu mesma! Meu pai do céu me guarde e me proteja, não sei se rio ou se choro, talvez rir seja melhor…

Fui silenciosamente até a janela da sala, com muito cuidado fui puxando bem devagarinho, o medo me fazia tremer, ô meu deus, porque essas coisas só acontecem comigo? Joguei pedra na cruz?

Congelei na hora quando eu vi do que se tratava, um animal que mais parecia uma pessoa, meus olhos começaram a encher de lágrimas, o que era aquilo?

A luz do poste começou a falhar, mas continuei olhando, ela parecia estar farejando algo, suas orelhas eram pontudas e se moviam a todo instante, ouvindo, como se estivesse procurando por alguém ou caçando algo… 

A pelagem da criatura era totalmente negra e seus chifres pareciam com os de um íbex, uma lágrima ousou escapar do meu olho e logo rolou pela minha face e caiu no chão.

Foi aí que ela olhou diretamente pra minha casa, na realidade ela olhou pra mim! Comecei a correr, batendo nos móveis, tropeçando na escada, até mesmo para abrir a porta do meu quarto foi uma luta, sabia que todos os anos assistindo Sobrenatural não ajudariam em nada, essa criatura nunca havia nem aparecido na série!

Eu vou morrer, eu vou morrer, eu vou morrer!

Eu chorava copiosamente, o pânico brilhava nos meus olhos e o terror fundiu-se nos meus ossos, só restava me esconder. Tranquei a porta do meu quarto e entrei no banheiro, também tranquei a porta dele e me escondi na banheira atrás da cortina de plástico. Ouvi o grito gutural da criatura, ela arranhava e batia na porta da frente, até abri-lá, também a ouvi andando.

Como nenhum vizinho tinha ouvido isso? Onde estão eles quando se precisa? Mas também como alguém ouviria? Aqui é quase deserto...

Apenas coloquei a mão nos ouvidos e desejei que tudo isso passasse, fechei os olhos e desejei dormir. O sono já me agarrava, o som era apagado e ficava cada vez mais baixo, não ouvia mais a criatura arranhando a porta do meu quarto, até mesmo meus olhos se fecharam totalmente, então caí em um sono sem sonhos…

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