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Obra em degustação, apenas um capítulo disponível. Para adquirir a obra completa mande um e-mail para catarinalmeida@yahoo.com



Her eyes and words are so icy
Oh but she burns
Like rum on the fire.

- Hozier

Honestamente, Andrea acreditou que aquilo passaria em algum momento. Ela convenceu a si mesma, depois de uma longa e exaustante semana deitada sobre suas cobertas fria, banhada de suor e lágrimas, que passaria. Que uma hora a dor pontuda em sua cabeça não passaria de um floreio esquecido em seu passado, que aquele peso infinito na sua têmpora esquerda pudesse — em algum momento entre a noite e o dia — evaporar juntamente com seu apetite. Ela acreditou nisso, ela agarrou-se nisso tão fortemente que seus dedos agora estavam exauridos de tanto tentar.

Era como tentar agarrar-se a um sonho, ela concluiu.

No princípio a dor era uma passageira, efêmera como uma viajante. Correndo em sua vida como se pudesse dominá-la, mostrando a Andrea que ela era apenas uma escrava de todos os seus desejos, que sua existência era apenas tão fina quanto os fios escuros do seu cabelo. E assim, em meio há um sono reparador no final da tarde, ela teria partido. Como se nunca estivesse realmente lá, uma fantasma, uma assombração sussurrando-lhe terrores no fundo apertado do seu ouvido. Andrea convenceu a si mesma que havia sido apenas uma dor remanescente se aproveitando do seu estresse, da correria pouco saudável na qual estava enfiada em seu trabalho. Aquela havia sido uma edição particularmente difícil no jornal, seu editor havia latido tão alto que poderia ter estourado cada uma das vidraças do corredor, e talvez, aquela dor sorrateira tivesse se esgueirando até seu cérebro desde então. Novinha em folha, ela desembarcou sua vida de volta para a estrada firme que continuava a trilhar, dia após dia, sem sombras assustadoras na parte inferior da sua nuca.

Até que alguns meses depois tudo desmoronasse em torno de si, não poderia ser um momento pior, ela pensou consigo mesma enquanto derramava mais um comprimido pálido em sua garganta seca. A dor ainda era a mesma viajante de meses atrás, a ponta roliça de suas rodinhas batendo mais e mais contra seu esqueleto duro, como alguma madame que insistia em subir às escadas do aeroporto sem suspender sua bagagem. Dessa vez ela tomou de Andrea não somente seu apetite e sua disposição. Sua enxaqueca parecia uma amante cada vez mais exigente, ela notou. A dor lhe tirou sua coordenação motora dessa vez, a fazendo despencar contra às escadas afiadas do seu jornal e ralando mais que somente seu joelhos direito. Seu chefe perguntou-lhe se andava bebendo no expediente e ela riu em sua cara, dolorosamente consciente do que parecia, além de bêbada, psicologicamente instável.

Oito dias sem sono, com comida mal preenchendo seu estômago antes que ela pudesse vomitar todo o seu conteúdo no vaso sanitário pálido do seu banheiro, a dor se foi. Subitamente, como se fosse uma maldição. Algo pelo qual ela estava reduzida a lidar de forma torturante, até que seu algaz se desse por satisfeito e a libertar-se para sua vida comum.

Andrea teve mais longos três meses para continuar a empurrar seu medo debaixo dos seus travesseiros molhados, ela teve longos dias mastigando o mais lentamente possível apenas para que seu ouvido não capturasse um único som, ela temia que uma vez notada, sua cabeça voltaria a lhe importunar duramente. Seu cérebro tornou-se uma constante ameaça, um animal perigoso confinado dentro do seu crânio esbranquiçado, esperando, desesperadamente esperando, apenas por uma oportunidade para a reduzir em ossos e carne viva. Era como viver em completa ameaça. Como ter uma bomba relógio amarrada em sua coluna vertebral. Ela sentava-se com cuidado na cadeira do seu escritório, ela alimentava-se com comidas macias apenas para não fazer barulho, ela desapegou-se da música muito mais facilmente do que poderia imaginar, ela deixou que a televisão se tornasse um enfeite em seu apartamento e finalmente, ela tornou-se uma escrava para seus neurônios instáveis.

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