Sentia-me vazio. Charles disse que iríamos caçar naquele dia. Antes meu corpo regozijava de prazer ante a expectativa, agora restava somente o vazio, o tédio inconsolável. Odiava sentir tédio, sempre odiei. Nada que fazia me dava alegria. Seria isso possível? Seria possível um ser humano sentir-se tão vazio?
Na época ainda não me compreendia. Suspirei pesadamente, olhei em volta e, ao certificar que não havia ninguém, um sorriso ladino fez-se presente na minha boca. Sem pestanejar, sai em disparada.
Corria travesso pelos jardins da minha mansão de campo, o terreno era extenso, ao lado uma floresta fazia morada. Era lá onde Charles e eu caçávamos, ele dizia que tínhamos licença para isso, e que a floresta nos pertencia. Nunca me importei com isso, gostava daquela brincadeira, seja ela legal ou não.
Porque caçar era uma brincadeira de pai e filho, até que se tornou muito mais. Mas ninguém sabia, ninguém nunca soube. Sempre fui tão bom em esconder meus desejos, ao menos pensava que sim.
Até que um coelho branco saiu em disparada. Ri daquilo. Achava engraçado ver os animais correndo quando sentiam a presença de um humano.
— Coelhinho, volte aqui. — Minha voz de outrora disse.
Evidente que o animal não voltaria, então fiz uma emboscada. Deixei alimento para o animal, e no exato momento em que o coelho se distraiu comendo a cenoura, fiquei na ponta dos pés e o peguei. Rápido e certeiro. Meu progenitor se orgulharia.
Diversas ideias passaram na minha mente fértil. O animal respirava ofegante, tinha medo. Apertei meus passos, correndo até a parte de trás da mansão, segurava o coelho pelas pontas dos pés.
— Quando eu te soltar, você vai correr, ouviu bem? — Falei. Em meu íntimo sabia que ele me entendia.
Uma tesoura de jardim encontrava-se ao lado da roseira. Seria um sinal divino? Na hora pensei que sim.
Peguei a tesoura com cuidado.
— Agora! — Disse para o coelho que se rebatia em minha mão, então o soltei.
O animal correu em disparada. Não pude segurar a gargalhada enquanto corria atrás dele. Não sabia que meus pés podiam correr tanto.
Lembrei de uma velha história, "Alice no País das Maravilhas" era o nome. Não recordei ao certo de todo o conto, mas sei que tinha um coelho branco. Comparei-me com Alice perseguindo o animal. Será que ele me levaria ao País das Maravilhas? Torcia para que sim.
Em uma perseguição alucinante para o meu eu de quase doze anos, consegui pegar o animal. Ele tinha os olhos vermelhos, debatia-se em minha mão. Tomei cuidado para não levar uma mordida, vai saber as doenças nojentas que o animal transmitia?
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Psicose [Degustação]
Mystery / ThrillerEntenda-me. Não é algo que escolhi, é algo que necessito. Eu preciso sentir a vida esvair de minhas mãos, do modo sujo, do sangue quente, do olhar de medo. Preciso caçar. Mas quem seria a presa? Foi quando a vi. (...) Uma onda de excitação percorre...