Prólogo

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Um céu impreciso pairava no ar como se nada fosse, tingindo de negro um mundo irreconhecível. Havia também um universo retorcido em dor na forma de uma miríade de flechas cravadas na carne. E era ali, em meio a um assombroso silêncio e emudecidas lamúrias, que os espíritos de gelo caminhavam sobre a terra, reivindicando o preço cobrado pelo avaro toque da morte. A quietude então viria selar os portões do Abismo e apagar, por fim, as linhas na história daquela breve vida. Mas a avarenta morte se conteve por um momento impiedoso, um fragmento de misericórdia, deixando-lhe um resquício de existência.

O tempo se arrastava como areias levadas pela tempestade, ou talvez corresse com a pressa de uma lufada; já não era possível distinguir. Olhos, ainda entreabertos, buscaram um último e tênue veio de esperança e encontraram um fio prateado que se abria num riso sádico. Resplandecia a lua, pálida, agora a navegar entre chamas, fumaça e penumbras, guiando-o até um fim que se desaguava num começo, uma fina e frágil encruzilhada entre morte e vida.

Batalhas ainda eram travadas nas profundezas do âmago; brados emudecidos insinuavam-se aos ouvidos, carregavam consigo uma lembrança há muito perdida. Olhos se fechariam para aquela noite, mas então se abririam uma vez mais para os dias idos, um passado desconhecido que se estendia ao presente e guardava em si uma verdade. O sofrimento ardia nas entranhas, na minúcia do ser, a morte tirara-lhe tudo, exceto a vida e os abismos da própria alma. Restava-lhe, pois, um universo que se abria em páginas cuidadosamente viradas, preenchidas por sons, ruídos, vibrações, lamentações e risos. Um clamor, uma melodia, incerta, imprecisa, vasta e decidida a abarcá-lo num mundo que, naquele momento, passou novamente a reconhecer.

A lua ainda sorria irônica, como se conspirasse tamanho destino, ecos trazidos pelo vento rugiam a sina. E então um suspiro, eterno enquanto durasse, fê-lo despertar mais uma vez para o mundo.

Nem tudo se confina ao silêncio. 

Ecos do DespertarOnde histórias criam vida. Descubra agora