Café preto, sem açúcar.

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Acordo toda manhã com cara de desprazer. Não faço isso de propósito. É uma consequência de uma rotina terrivelmente tediosa. Um ritual monótono.

Arrumo minha cama logo após retomar a consciência de que estou acordado. Estico o meu lençol, ajeito com cautela os travesseiros e dobro desajeitadamente a droga do cobertor.

Estico minhas costas, as vezes me lanço na parede para ouvi-las estalar. E quando estalam, sinto prazer. Estico meus braços e pernas ao limite. Me encaro no espelho. Estou bonito. Sou bonito. Não olho de novo, para não ter dúvidas sobre isso.

Esfrego os olhos, lavo o rosto, penteio as sobrancelhas. Retiro meu pijama. Sento nu na cama. Olho para o guarda roupa, decido a roupa que usaria no encontro de hoje.

Visto minha camiseta branca e meu jeans desbotado. Meu sapato mais bonito e meu sorriso mais sincero. Saio de casa um pouco adiantado, caminho na direção do nosso lugar especial.

A Cafeteria estreita entre dois prédios. Pequena, aconchegante, pouco movimentada. Minha manhã só começa depois do meu café preto SEM AÇÚCAR .

Me sentei na nossa mesa. Esperei por você ao som de Clarice Falcão. Lutava contra a indisposição matinal, para te dar o melhor de mim.Você chegou pontualmente as 08:00. Camisa xadrez e calças pretas. Olheiras e cabelo molhado. Nitidamente incomodado, ou infeliz.

"Está tudo bem?" Pergunto e você não responde.

"Já pediu?" Você pergunta.

Balanço a cabeça. E você chama a garçonete com um gesto. Senta-se na minha frente com uma feição séria.

"Café preto, sem açúcar." Peço.

"Nada, obrigado." Você diz e eu não entendo nada.

Passamos um bom tempo encarando um ao outro. Algo não parecia certo.

"Você é tão previsível." Você fala. Mais uma vez meu rosto se torna um grande ponto de interrogação.

"Por que acha isso?"

"Café preto, sem açúcar." Você fala com certo deboche. "Todas as manhãs, a mesma coisa, o mesmo sabor, a mesmice de sempre. Nada de novo, nem de emocionante, uma xícara de café preto, sem açúcar, canela ou creme. Café preto, sem açúcar. Amargo, morno, você!"

Eu paro de tentar sorrir. Mas tudo bem. Você parou de tentar.

A garçonete, magricela e lenta se dirige a nossa mesa. Sobre a mesa um pires, e no pires a xícara de café preto. No teu rosto, olhos cansados. No meu tem olhos molhados.

"Eu estou vendo outra pessoa." Você fala.

Engulo o amargor que se dispunha na minha frente. Você se levantou e saiu pela porta. E eu fiquei lá, ao som de Clarice Falcão. Na nossa mesa e no nosso lugar especial.

Gole após gole. Café preto, sem açúcar. Meu dia começou assim. Amargo.

Espere pelo final felizOnde histórias criam vida. Descubra agora