I. Mil músicas.

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A brisa fria e carinhosa que acariciava meu rosto apoiado no batente da janela parecia sussurrar seu nome. "Kiyoomi". Quando na verdade, era apenas uma voz na minha cabeça esperando ansiosamente que ele chegasse ao cômodo em que eu o esperava. As flores em minha frente eram diversas, com variados tons de rosa. Encarava-as balançando-se levemente ao vento, materializando o rapaz em minha mente. Seus profundos olhos escuros, seu cabelo que combinava com eles na cor, sua boca tão fina e macia, a qual eu estava morto de esperar para ir ao encontro dela.

Kiyoomi era um rapaz o qual eu não conhecia por completo, contudo, era alguém que estava me instigando dia após dia, mesmo o conhecendo por algum tempo. Cada vez mais desesperado por seu toque e contato, é como me sinto. Não é como se eu nunca tivesse me apaixonado nessa vida, mas estar apaixonado por ele é como entrar em casa num depois de um longo dia frio, rir de piadas ruins, mãos bobas, suco de laranja, dormir à tarde e quebra-cabeças enormes. Estar apaixonado por kiyoomi é confortável, é não ter medo de amar ou errar.

Ainda encarando as mesmas flores, senti que estava conversando sobre ele com elas. O sorriso em meus lábios e o rubor em minhas bochechas não hesitaram a crescer quando ouvi passos apressados.

— Demorei muito, Atsumu? — Perguntou, com sua voz ecoando pelo cômodo e interrompendo meu monólogo mental com as rosas.

— Nem um pouco, Omi. — Virei-me para vê-lo, despedindo-me de minhas novas amigas com os olhos e, por alguns segundos, esqueci de respirar. Encostado na enorme porta daquele salão branco-gelo e refinado, tive certeza que Kiyoomi Sakusa era como um monumento humano que deve ser enaltecido, mas jamais ousaria de contar isso a ele com essas palavras. — Você está lindo. Desculpe repetir.

É um privilégio que possuo presenciar pessoalmente o tom suave de rosa que suas bochechas tomam quando ele ouve um elogio, o movimento de seus lábios formando um singelo e pequeno sorriso e seus olhos fechados, para depois olhar os meus, agora mais próximos à medida em que eu caminhava ao seu encontro.

— Tudo bem. E obrigado, você está ainda mais, 'Tsumu. — Lhe dou meu mais sincero sorriso, sem medo. — Gostou do salão?

Kiyoomi enroscou nossos dedos lentamente, admirando o cômodo espaçoso.

— Ah, sim. As rosas que há lá fora também são lindas. — Comentei, fixando o olhar em uma das janelas enquanto encostava minha cabeça em seu peito, devagar. — Mas não tinha ideia que você também tocava piano, Omi.

Concentrei no som confortável que seu coração dentro de seu peito fazia, batendo mais rápido. Olhei para cima e me deparei com seu rosto ainda levemente corado.

— Eu frequentava as aulas quando criança, mas faz um tempo que não toco de verdade. — Desvencilhou-se do abraço e guiou-me, segurando minha mão com firmeza
até o grande e formoso piano que havia ali. — Não te contei porque queria que fosse uma surpresa. Vamos tocar aquela melodia que gostamos antes que anoiteça e apareça ratos.

Kiyoomi me surpreendeu ao fazer o pedido, uma vez que imaginava que ele sequer entendia sobre um piano. Um tanto perplexo com essa nova descoberta, não me importei com o fato que haviam chances de ratazanas aparecerem por ali.

— Meu piano também está cheio de insetos.

Ele riu com o comentário, mostrando suas finas bochechas rosadas por conta do frio. Acompanhei seus passos até o instrumento, quando sentou e respirou fundo, aliviado.

De repente, o cômodo estava sereno e minha respiração estava meio falha. Queria mais que um silêncio absoluto para ouvir atenciosamente a melodia que suas mãos criavam, acariciando as teclas brancas. Era angelical e parecia beijar meus ouvidos. É tão belo e apaixonante ver o rosto de Kiyoomi relaxado, entretanto concentrado, tocando em seu piano como se estivessem dançando ou tomando café numa tarde chuvosa, como se eles fossem melhores amigos.

Aproveitei para sentar-me ao seu lado. Com isso, pude ver de perto algo ainda mais cativante: os orbes negras e encantadoras de Omi brilhando como uma cidade de estrelas, a qual eu imploro e suplico que esteja brilhando apenas para mim.

— Você toca muito bem, Omi-kun. Impressionante. — Comentei em quase um sussurro, com um pequeno sorriso nos lábios.

— Tem muita coisa que você ainda pode saber sobre mim, 'Tsumu.

— ...Quem sabe? Deve haver muito que ainda não posso ver. — Kiyoomi deixa escapar um riso baixo, enquanto eu deixo que meu coração perca uma batida.

— Eu senti isso no primeiro abraço que compartilhamos...

A pouca iluminação decorava o lugar enorme e que fazia eco, juntamente com o teto de vidro que mostrava o tom mais belo de azul pastel que o céu podia apresentar. Entretanto, ainda estava claro o suficiente para que eu visse a tentativa falha de Kiyoomi de esconder um sorriso. Juntei-me a ele na dança com as teclas brancas e pretas, que nos proporcionavam um carinho nos ouvidos e no coração. Corações estes que estavam sendo acalentados pela música, serenos e calmos. Agora, parecia que estávamos conversando entre os acordes; dançando, correndo, rindo, brigando. Estávamos vivendo naquela música da forma mais pura e confortável possível. Cada tecla era tocada com paixão e emoção, sobretudo, amor. Era amor. Esse é o som de estar se apaixonando; de estar apaixonado, de estar desesperada e dolorosamente apaixonado por alguém — porque amor machuca, seja ele recíproco ou não, do jeito ruim ou do bom — Não vou pensar de maneira tão imatura, tenho consciência de que é necessário responsabilidade afetiva de ambos os lados para se apaixonar perdidamente dessa forma. A diferença se encontra quando ambos estão completamente dispostos a explorar esse amor de cabo a rabo, dispostos a amar a si mesmos de uma forma leve e engraçada — como uma brisa que faz cócegas.

De fato, o amor machuca. Mas, veja bem, não é bom sentir essa pontada quente no peito ao observar seu rosto macio e relaxado? Ou comprar uma passagem apenas de ida para a cidade de estrelas que há nos olhos dele? Observar com carinho sua pele pálida, com suas duas pintinhas que fazem companhia aos cachinhos que tendem a cair em sua testa. A anatomia de Kiyoomi é um lugar o qual eu adoro me perder de vez em quando, ótimo lugar para perder a noção de espaço e tempo. Ainda melhor é o lugar onde eu e Kiyoomi podemos ser um só, como naquele momento, brincando com o incessante som que fazíamos.

Com os dedos cansados e as respirações pouco descompassadas, chegamos ao fim daquela música para perceber que, agora, o som de nossos corações era a verdadeira música, quase ensurdecedor. Ainda assim, com rapidez, mas delicadeza, o par de mãos suaves e macias foram colocadas ao redor de meu rosto enquanto eu retribuía ao beijo repentino que me foi lançado, suprindo meu desejo que foi citado anteriormente. Seus lábios eram doces e tinham gosto de amor. Um selar apaixonado sem segundas intenções, apenas amor; a imagem perfeita da devoção. Onde nada mais importa além de duas almas confortáveis uma na outra.

— Obrigado, Atsumu. — Ele disse após termos os lábios separados pela necessidade de respirar.

— Eu amo você. — Quase sussurrei, apenas para vê-lo sorrir abertamente com seus dentinhos a mostra. Ele fazia meus joelhos fraquejarem, mas não o deixaria pensar que sou fraco por desmaiar em sua frente.

— Eu prometo demonstrar tudo que eu puder do meu amor por você com mais mil músicas.

Foi a promessa que Kiyoomi, agora Miya, fez a mim duas vezes. A segunda vez, há cerca de dois anos nos votos conjugais, de mãos dadas às minhas no altar mais bonito aos sons de nossos corações. Não é um som reconfortante?

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