Sensibilidade é a capacidade de perceber sensações físicas; tendência natural para reagir aos estímulos físicos: sensibilidade à dor. Disposição para sentir ou para se emocionar diante de algo ou alguém.
Ele estava sempre de camisa.
Por cima das mangas longas, uma blusa. Por cima dela, outra, só pra garantir.
"Se sente frio, posso te ajudar", disse uma vez.
"Estou morrendo de calor. Mas obrigado, Todoroki."
Então ele se lembrava do segundo nome de Shouto. Bom. Uma pena que Shouto não lembrasse do nome dele, no entanto. Qual poderia ser? Algo com M, e então com I, ou talvez D. Katsuki o chamava de algo com D pelos corredores do colégio, mas tinha certeza ser um insulto e não um elogio como a garota flutuante de cabelos castanhos costumava acreditar.
Todoroki não se recordava do nome de quase ninguém ao terminar o terceiro ano e andar pelos portões da escola pela última vez, inerte ao sofrimento de tantos estudantes que já não estudariam com seus melhores amigos e paixões. Mas a única pessoa que gostaria de ter descoberto o nome antes de ir embora era aquele garoto, por causa do cabelo bagunçado. E o sorriso. E a absurda quantidade de roupas que usava.
"Sardas e olhos verdes", Shouto explicou para a mãe, surpreendendo a si mesmo por ter citado o garoto quando se passaram semanas desde que o vira e provavelmente nunca mais veria. O mundo é um quando se está na adolescência e se transforma em outro assim que ela acaba.
"Sardas? Que bonitinho. Ele tem constelações", Rei sorriu diante do nervosismo do filho.
Era errado querer saber o nome que entrega a identidade de alguém quando não eram nem perto de serem amigos? Por causa de um olhar trocado durante a aula de física e a luz do sol que iluminava o garoto ao se levantar para pedir desculpas gaguejadas ao professor por ter estado distraído?
Era errado quando a primeira interação verdadeira que tiveram foi no último dia de aula?
"Eu preciso de ajuda", o garoto sufocava nas próprias palavras dentro do grande cômodo que a sala de aula vazia era. As vozes dos alunos na formatura três andares abaixo eram abafadas, e ambos tinham seus próprios motivos para não estarem no meio da multidão, procurando refúgio no silêncio.
"O que aconteceu? Está machucado? Eu..."
"É sufocante! Por favor!"
Ele era lindo, seja lá quem fosse de verdade, desde as bochechas que levavam um céu noturno até o olhar implorando por algo - o quê? o que queria dizer? -, e foi então que Todoroki percebeu que o garoto abraçava o próprio corpo com força e desespero, se pressionando contra a fria e cinzenta parede ao lado do quadro negro, grunhindo com o que parecia ser dor a meros passos de distância.
"Não consegue aguentar a sensação?" Shouto perguntou. Não havia conseguido se mover da porta agora fechada, o observando curioso. Encantado. "Precisa que alguém te segure?"
"É ridículo, não é?" Ele riu. Lágrimas desceram pelo rosto e deslizaram pelos lábios.
"Um pouco."
Todoroki se aproximou, lento, e no mesmo segundo foi abraçado. Passou os braços em volta da silhueta significativamente mais baixa que si e percebeu que as mechas do cabelo cheiravam bem. Nem ao menos o conhecia. Qual poderia ser o nome?
"Mais forte. Assim não adianta, preciso que seja mais forte."
"Vou machucar você."
"O que tem de errado nisso?"
Shouto levou as mãos por debaixo dos braços dele, agarrou o tecido da blusa nas costas e o apertou com a maior vontade e esforço possível, o escutando respirar com agressividade, empurrando Todoroki para que se recostasse na parede também. Conseguia sentir tudo. As barrigas encostando e subindo e descendo, os ombros um contra o outro e aos poucos o garoto se acalmava e parava de chorar, brigando baixinho com Shou para que não o soltasse mesmo depois da tempestade ter passado.
Porque o garoto não suportava o próprio corpo; ou, a leveza de tecidos roçando na pele; o mero pensamento de vento lhe tocando; entrar em profundo estado de necessidade em ser segurado ao passar por muito estresse. Viver, por si só, o asfixiava. Roubava o ar dos pulmões e fazia qualquer possível sensação de segurança desaparecer.
Ninguém sabia. Então, de repente, Todoroki soube.
"Sinto muito", ele disse. Deveria estar envergonhado. Deveria querer sair correndo e nunca mais voltar, por isso, se sentiu sortudo em ser o último dia. "De todas as coisas que já fiz essa deve ter sido a pior, te obrigando a fazer algo assim."
"Não se culpe. Eu faria de novo."
O garoto riu. Se afastou, deixando um vazio para trás nos braços de Shouto que agora formigavam. Olhou as duas cores dos olhos brilhantes dele e disse,
"Todoroki, você é mais sensível do que eu imaginei."
Ele não o conhecia.
Mas o garoto sim.
Desde então, Todoroki não procurou por ele. Imaginou que onde quer que estivesse agora, anos depois, tendo a aparência do mais belo e delicado homem apesar da inevitabilidade em querer ser agarrado e apertado, deveria estar bem.
Se lembrava de cada palavra.
Andou para dentro dos portões da escola que já não exibia as mesmas cores e tinha trocado o uniforme de verão dos alunos, lendo a faixa em vermelho que alertava ser a reunião de antigos estudantes.
Passou reto por todos. Subiu as escadas barulhentas aos passos do primeiro e segundo até o terceiro andar, onde a porta de uma sala vazia se abriu. Ninguém em volta. Shouto caminhou pelas mesas, tocando a pontinha dos dedos em cada uma, percebendo que sua antiga carteira era a última da primeira fileira e consequentemente podia ficar ao lado da parede. Se lembrava de ficar encarando pela janela, distraído.
Respirou fundo. De pé, contornou com o olhar um nome de duas palavras escrito com um canivete, bem abaixo da janela, quase invisível. Não se recordava disso. Definitivamente nunca havia escrito frases nas paredes da escola.
Midoriya,
Leu em sua mente,
Izuku.
E então um tracinho redondo que se juntava a outro. Um coração.
— Midoriya Izuku.
— Todoroki Shouto — Escutou uma voz atrás de si. Assim que se virou, o mesmo garoto de cabelos esverdeados mais longos e roupas infinitas o observava da porta. Era o mesmo olhar. O mesmo tom. Não tinha por quê estarem ali da primeira vez. Não tinha um por quê na segunda.
— Ainda é sufocante pra você?
— Ainda parece que o mundo quer me engolir vivo — Izuku sorriu. A vida inteira ganhou cor.— E pra você?
— Não — Murmurou em resposta. Olhou pela janela, não realmente pelo vidro afora, mas sim terminando de ler o próprio nome abaixo do coração que um dia alguém desenhou com uma lâmina na esperança de ser realizado. — Não mais.
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Sensível [one-shot tododeku]
FanfictionOnde Todoroki Shouto, anos após terminar o ensino médio, não foi capaz de esquecer o quão forte havia sido o abraço do garoto de olhos esverdeados no último dia de aula.