CAPÍTULO UM

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"Todos pensam que nós somos perfeitos
Por favor, não deixe eles olharem através das cortinas".
-Dollhouse, Melanie Martinez

Maria Alícia, ou como realmente gostava de ser chamada: Alícia, estava sendo interrogada pela polícia em pleno 25 de dezembro, o que tornava tudo duas vezes pior. Sequer estava vestida adequadamente. Com a ligação repentina, saíra de casa às pressas e de pijamas. Calçava pantufas de um desenho animado, por mais que tivesse vinte e um anos e mexia frequentemente em seu colar de cruz, que nunca saía de seu pescoço. Seu nervosismo era nítido, o que não era para menos. Estava confusa, visivelmente atordoada e abalada.

—Sinto muito pela sua perda, senhorita. Ainda mais em um dia como esses. —O policial suspirou, demonstrando estar um tanto impaciente. Não era de se esperar, afinal, quem gostava de trabalhar no natal? —De todo modo, precisamos descobrir o que aconteceu e interrogar todos aqueles próximos a família. —Coçou a garganta, e checou se o escrivão, próximo a eles, estava com as mãos posicionadas e prestando atenção. Era certamente outra pessoa que não estava de bom humor, mas, quem poderia julgá-los? A jovem apenas assentia com a cabeça constantemente, e parecia perdida em seus próprios pensamentos. Não era necessário ser nenhum gênio para perceber que seu estado mental não era um dos melhores no momento, mas, era tudo questão de protocolo.

—A senhorita saberia de alguém que gostaria que a família Torres tivesse esse trágico fim? —O homem, de cerca de quarenta anos de idade começou o interrogatório, com uma das perguntas mais clichê,  porém, padronizadas que poderia fazer. Certamente ansiava para que aquilo tomasse um fim logo. A garota, parecendo ser pega de surpresa pela pergunta tão direta, pendeu a cabeça para o lado, e podia-se ver um ponto de interrogação formado em sua face. Pareceu hesitar momentaneamente, e o policial aguardava impacientemente por sua resposta. O escrivão, com as mãos posicionadas a poucos centímetros do teclado, aguardava ainda mais impaciente.

—Não. —A jovem respondeu, de forma direta, o que certamente acabou chamando atenção dos outros dois indivíduos presentes naquela sala. Era uma resposta um tanto evasiva para quem havia demorado tanto para formulá-la. Apesar de parecer convincente em sua resposta, não era suficiente para um interrogatório adequado e percebendo isso e a frustração diante o retorno de seu questionamento, a jovem continuou: —Quero dizer... Realmente acredito que não. A família Torres é a típica família perfeita. —Deu ênfase em seu comentário, olhando diretamente nos olhos de quem a interrogava. —Você sabe... eles são evangélicos... frequentam bastante a igreja, participam de ações sociais, possuem uma boa reputação onde quer que estejam. —O lábio da garota pendeu apenas para um lado, como quem gostaria de fortalecer o que dizia. —O pai, empresário, certamente ganhava muito bem. Não que fossem milionários, mas, nunca passaram perrengues. A mãe, gerente de uma loja de roupas, e uma verdadeira dondoca, pode-se assim dizer. O filho, recém habilitado com a OAB, excelente aluno, formado com mérito, a estrela da família. O maior orgulho e principalmente... —A garota fez uma pausa dramática, e dessa vez, seu sorriso era largo. —O troféu dos Torres. —Seu sorriso agora, deixava seus dentes à mostra.

—Certo... —O homem respondeu, não parecendo realmente confiante em suas palavras. Olhou discretamente para o escrivão, e ao constatar que ele fazia seu trabalho devidamente, voltou a olhar para a garota à sua frente em questão de milésimos de segundos. Se a garota não fosse tão ingênua, perceberia que a intenção dele era na verdade, conseguir uma troca de olhares significativa, como quem ansiava por reafirmar seus pensamentos com alguém. Infelizmente, o escrivão estava ocupado demais em sua própria função para perceber as intenções de seu companheiro de trabalho e por isso, fez a segunda pergunta:

—Qual exatamente era seu relacionamento com o filho da família.... —Coçou a garganta, e olhou rapidamente nos olhos da garota, que parecia estar atenta à cada sílaba que seus lábios pronunciavam. —Torres. —Massageou levemente a garganta com três de seus dedos da mão esquerda. —João Pedro Torres Filho... —finalizou sua pergunta, parecendo hesitante.

Feliz Natal, Alicia.Onde histórias criam vida. Descubra agora